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'O Poder Judiciário pode quebrar sigilo fiscal de qualquer cidadão', diz novo secretário da Receita

Tostes Neto alega "segredo de Justiça" para não comentar envio de informações de 6 mil contribuintes ao STF e diz que exoneração de subsecretário de Fiscalização "não tem relação" com investigações de autoridades

18 nov 2019 - 07h10
(atualizado às 21h44)
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BRASÍLIA - O novo secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, assumiu o cargo há pouco mais de um mês em meio a questionamentos do órgão feitos pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, por causa de investigações contra ministros da Corte, Flávio Bolsonaro e outros integrantes da familia presidencial. Na semana passada, a Receita voltou a ficar sob os holofotes com a divulgação da informação de que teria enviado dados fiscais sigilosos e provas obtidas em investigações contra mais de 6 mil contribuintes, nos últimos três anos.

Nesta entrevista ao Estado, realizada na quinta-feira, 14, em Brasília, com a Esplanada dos Ministérios bloqueada à circulação do público por causa do encontro de líderes dos Brics, ele fala sobre o caso e a reestruturação que está promovendo na cúpula da Receita, que já levou à exoneração de três subsecretários, das áreas de Fiscalização, Tributação e Gestão Corporativa. "A prioridade da Receita é o combate às infrações de natureza tributária. Ou seja, crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal, apropriação indébita de tributos, contrabando, descaminho", afirma. "Quando necessário, quando for demandado, em questões específicas, vamos continuar a prestar informações ao Ministério Público e à Justiça."

O sr. assumiu a Receita num momento beligerante, em meio à elaboração da proposta de reforma tributária do governo, e está promovendo uma reestruturação no órgão. O que está acontecendo?

Quando cheguei, estava em andamento uma proposta de revisão da estrutura da Receita. Entendi que era necessário fazer uma reavaliação disso, porque havia uma série de medidas previstas que, na minha percepção, era preciso realizar maiores estudos e bases mais sólidas para justificar a mudança. Como o tempo é muito curto para se fazer isso ainda em 2019, decidimos manter parte da estrutura existente atualmente. Agora, no início do ano, aí sim, vamos fazer um estudo mais aprofundado e sem a premência de tempo que temos agora, para elaborar uma proposta de revisão ampla na estrutura, de forma mais sólida e condizente com as necessidades do órgão.

O que ainda pode ser feito em 2019?

Neste ano, as alterações serão pontuais, nos níveis sub-regionais e locais. No nível central e regional, pouquíssima coisa deve mudar. No nível local, algumas delegacias, em microrregiões, agências, terão as estruturas alteradas. As superintendências, não, vão continuar como estão. Em termos gerais, a estrutura vai permanecer do jeito que é hoje.

A Receita Federal pode virar uma autarquia, como o Banco Central?

É uma hipótese que será estudada. O mais importante não é a configuração jurídica, se é uma autarquia ou um órgão da administração direta, mas garantir os recursos financeiros, orçamentários, humanos e tecnológicos para a Receita exercer o seu papel. Isso pode ser feito mesmo com a estrutura atual, como órgão da administração direta. Existe um dispositivo no Decreto-lei 200, bastante famoso, mas antigo, lá de trás, que admite autonomia para órgãos da administração direta. Essa é uma característica das administrações tributárias de países mais desenvolvidos e um requisito para assegurar que uma função de Estado seja exercida com todas as prerrogativas.

Há informações de que o sr. pretende "fatiar" a Receita, dividindo suas funções, de arrecadação, fiscalização, legislação, em vários órgãos. É isso mesmo?

Nós não tomamos nenhuma medida neste sentido. Eu, particularmente, não acho adequada essa divisão.

Recentemente, o sr. trocou cinco subsecretários e ressuscitou cinco subsecretarias que haviam sido extintas. O que está acontecendo?

Na verdade, não foram substituídos cinco subsecretários. Foram só três, os de Fiscalização, Tributação e Gestão Corporativa. Agora, a redução das subsecretarias de dez para cinco, que foi anunciada antes, não chegou a ser implementada. Hoje, a Receita está com a mesma estrutura que sempre teve.

Qual a razão das demissões dos subsecretários?

Primeiro, o termo demissão não está correto, porque ninguém foi demitido. O termo é exoneração. Todos os servidores são de carreira e vão continuar trabalhando no órgão, contribuindo, porque têm a garantia da estabilidade. O que houve foram alterações em funções de confiança do órgão central. É uma medida natural e corriqueira no serviço público. Ninguém pode assumir uma função dessas e ficar nela a vida inteira. Isso não existe - e com a minha chegada, com o montante de desafios que tenho, é natural que queira colocar na minha assessoria direta pessoas da minha confiança e alinhadas com a minha diretriz. As pessoas que assumiram são auditores com currículo e capacitação que os qualificam para os cargos. Quando fui convidado para assumir a Receita, foi me assegurado total apoio e autonomia para realizar todas as mudanças que precisam ser feitas, inclusive na estrutura.

A demissão do subsecretário da área de fiscalização, que está no "olho do furacão", por causa da pressão do Supremo Tribunal Federal contra as investigações de ministros da Corte, reforçou a suspeita de aparelhamento dos órgãos de controle pelo governo. O que o senhor pode falar sobre isso?

Essas mudanças não têm absolutamente nenhuma relação com isso. Não há nenhuma relação entre esses fatos, que aconteceram antes, e as mudanças que estou fazendo. Certamente, vou fazer outras. Não serão só essas.

Por determinação do presidente do Supremo, Dias Toffoli, a Receita Federal encaminhou à Corte dados fiscais sigilosos e provas obtidas em investigações contra mais de 6 mil contribuintes nos últimos três anos. Como o senhor vê isso?

Eu não vou poder comentar isso, porque está em sigilo de Justiça.

Mas já está nos jornais.

Não posso comentar. Não sei de onde partiu a informação.

Em tese, as informações da Receita também não são sigilosas? O compartilhamento dos dados com o Supremo faz sentido do ponto de vista institucional?

Em tese, o Poder Judiciário pode decretar a quebra do sigilo bancário ou fiscal de qualquer cidadão. Faz parte das suas prerrogativas.

O modo de a Receita operar, principalmente do grupo especial que fez as investigações de agentes públicos, vai continuar como está?

Esse grupo vai continuar. Ao longo do tempo, a Receita adotou um sistema de seleção e distribuição de carga de trabalho para fiscalização bastante sistematizado e institucionalizado. Se houve algum equívoco, tem de ser corrigido pontualmente. Hoje, no agregado, a forma como alguém é selecionado para ser fiscalizado, separadamente de quem vai realizar a fiscalização, tudo é registrado, inclusive a razão pela qual é feita a seleção e os critérios adotados. A partir do momento em que é iniciada a fiscalização, o contribuinte que vai ser fiscalizado tem acesso a todas essas informações. Isso, claro, pode e vai ser aperfeiçoado, mas diria que hoje já há um sistema bem estruturado para isso.

Como o senhor vê a participação da Receita nas operações de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro?

A prioridade da Receita é o combate às infrações de natureza tributária. Ou seja, crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal, apropriação indébita de tributos, contrabando, descaminho. Esse é o universo da nossa atuação. Quando necessário, quando for demandado, em questões específicas, vamos continuar a prestar informações ao Ministério Público e à Justiça.

Estadão
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