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O poço fundo

Analisando os dados do Tesouro da União, o passivo tributário já é a metade do PIB do País

3 jun 2020 - 04h11
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O poder público aumenta os gastos e busca meios para ampliar a arrecadação. O contribuinte não consegue arcar com o tamanho do Estado, mas as despesas obrigatórias e vinculadas crescem. A margem orçamentária se estreita e a criatividade tributária foi sendo estimulada, com a instituição de novos tributos e obrigações acessórias, gerando um emaranhado de leis, decretos, instruções normativas que desafiam a compreensão do nosso sistema tributário. O resultado dessa equação é a carga tributária que consome 35% do PIB e os investimentos, e a qualidade dos serviços prestados não são proporcionais aos gastos públicos. A conta não fecha.

Juristas, advogados e especialistas do mercado apontam para um ponto que não vem sendo discutido e tem grande importância: o tamanho do contencioso tributário do Brasil. Com o objetivo de apurar o montante desse problema, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) contratou a consultoria EY para a realização de um estudo.

O resultado mostrou que, analisando os dados do Tesouro da União, o passivo tributário é a metade do PIB do País (R$ 3,4 trilhões). Esse montante cresce todos os anos e, mais, houve um incremento das representações fiscais para fins penais de 5% em um ano (2017 para 2018) e o valor dos créditos lançados aumentou 68% (2016 para 2017). O tempo médio do processo, se for linear até a última instância judicial, é de 19 anos e 2 meses.

Esses dados demonstram que estamos num poço e que, em vez de procurarmos uma escada para sair dessa situação, estamos, na verdade, com uma pá aprofundando e aumentando esse passivo. O Fisco necessita de recursos e o contribuinte, a grande maioria, quer permanecer em dia com suas obrigações, ou seja, um precisa receber, o outro quer pagar, mas o mecanismo existente não possibilita uma saída rápida e eficaz.

Essa situação, por mais absurda que possa parecer, não atende ao Fisco nem ao contribuinte regular, mas é ótima para o chamado devedor contumaz, aquele que se estrutura para nunca pagar impostos, e que utiliza todas as possibilidades processuais para tanto, e, assim, aumentar em muito suas margens de lucro, corroendo a competitividade e lesando o Fisco em bilhões.

A saída para diminuir os longos e custosos processos contenciosos deve contemplar, primeiro, a viabilidade de um acordo antes ou no início da autuação. O Fisco norte-americano, por exemplo, reconhecido pelo seu rigor, adota procedimentos rápidos de mediação e arbitragem. O objetivo é acertar o valor devido e receber.

Em segundo lugar, deve ser viabilizada, com toda a legalidade, transparência e controle, a possibilidade de acordos que acelerem o efetivo pagamento, regularizando a situação de grande parte dos contribuintes, regulamentando, finalmente, os artigos 171 e 156, inciso III, do Código Tributário Nacional. A Lei 13.988/2020 indica esse sentido. A estimativa é de que R$ 900 bilhões poderiam ser arrecadados. Com o parcelamento, por exemplo, em dez anos, o Fisco federal teria R$ 90 bilhões ao ano, mais do que foi previsto pela reforma previdenciária.

Por fim, para combater a ação dos devedores contumazes, que não devem ser confundidos com devedores eventuais ou até mesmo reiterados - estes deixam de pagar impostos por dificuldades econômicas, enquanto o primeiro nunca paga impostos, aliás, a sonegação compõe o seu desproporcional lucro -, é que defendemos a aprovação do PLS 284/17, que está em final de tramitação no Senado Federal, tipificando quem deve ser considerado como devedor contumaz, com o exato enquadramento pelo Judiciário.

Em suma, é urgente que discutamos a relação Fisco-contribuinte, valorizando aqueles que agem de boa-fé e punindo os que dolosamente fazem de tudo para não cumprir com suas obrigações. Não podemos mais permanecer neste poço que traga os recursos financeiros do Fisco e dos contribuintes.

*PRESIDENTE DO ETCO, FOI SECRETÁRIO DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA DO ESTADO DE SÃO PAULO (2000-2002)

Estadão
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