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'O objetivo de Washington é usar bullying e pressão', diz embaixador da China no Brasil

Para Yang Wanming, guerra comercial não é apenas contra um país e Brasil e China precisam, mais do que nunca, se unir no comércio internacional

15 set 2019 - 05h11
(atualizado em 16/9/2019 às 15h20)
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A China não quer, mas tampouco teme a guerra comercial com os Estados Unidos. Na verdade, segundo Yang Wanming, embaixador da China no Brasil, a disputa não está sendo direcionada a um país específico, mas, sim, a toda cadeia de valor do mundo. Há oito meses no País, Wanming viu a relação bilateral se estreitar. O comércio entre China e Brasil cresceu no primeiro momento mas, diz ele, tende a sofrer no médio e longo prazo.

"A guerra comercial provocada pelos EUA arruinou a confiança do mercado internacional, aumentou o risco de uma recessão mundial, e economias emergentes com a brasileira sofrerão consequências negativas", diz ele.

Nessas circunstâncias, afirma, é ainda mais importante que China e Brasil defendam a cooperação internacional e o multilateralismo. Nesse sentido, em outubro, o presidente Jair Bolsonaro visitará a China. No mês seguinte, é a vez de Xi Jinping vir ao País, para a Cúpula dos Brics. "Esses contatos colocarão a parceria estratégica global China-Brasil em novo patamar", afirma. Leia mais, a seguir:

Quem perde mais com a guerra comercial: China ou Estados Unidos?

Ninguém sai vitorioso de uma guerra comercial. Toda a comunidade internacional, inclusive China e EUA, é vítima. A China é o maior parceiro comercial dos EUA e vice-versa e essa parceria sempre tem sido mutuamente benéfica. Produtos chineses de preço competitivo e boa qualidade reduziram o custo de vida das famílias americanas. Por outro lado, a razão do déficit comercial dos EUA com a China está na estrutura econômica do país - em sua política de déficit fiscal e nas restrições às exportações de alta tecnologia para a China. A Casa Branca afirma que o comércio com a China causou prejuízo aos EUA e decidiu, unilateralmente, impor tarifas adicionais às exportações chinesas. Seu objetivo é usar o bullying e a máxima pressão para tirar o maior proveito. Trata-se de uma violação grave das regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), que prejudica o sistema multilateral do comércio e da ordem econômica mundial. A Moody's prevê que se os EUA continuarem a aplicar as tarifas adicionais, as empresas e os consumidores americanos terão prejuízo de US$ 100 bilhões até 2020. O Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu sua previsão para o crescimento econômico mundial deste ano para 3,2%, a menor da última década, e aponta os atritos comerciais como um dos principais riscos para a economia do mundo. Por isso, a prática dos EUA é muito prejudicial e totalmente equivocada.

A China pode intensificar a guerra comercial para que Trump não seja reeleito?

A China não quer uma guerra comercial, mas tampouco teme essa guerra comercial. Jamais cedemos nas questões de princípios essenciais. Em resposta à decisão de Washington, a China foi forçada a tomar as contramedidas necessárias. Isso visa proteger os próprios direitos e interesses legítimos e defender o multilateralismo e o livre comércio, o que também é do interesse comum da comunidade internacional. Após a crise financeira de 2008, a China teve papel fundamental na manutenção da estabilidade financeira internacional e na promoção do crescimento econômico global. Atualmente, é a China que responde às pressões do protecionismo e do unilateralismo, defendendo o multilateralismo e o livre comércio e se esforçando para construir uma economia mundial mais aberta. Diante dos atritos comerciais que se alastram há mais de um ano, a China sempre acredita que as divergências e os conflitos entre os dois países no campo do comércio só serão resolvidos por meio de diálogos e negociações.

Mesmo se Trump não for reeleito, a China confiará nos Estados Unidos?

A China e os Estados Unidos são as duas maiores economias do mundo e membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Manter o desenvolvimento saudável e estável das relações bilaterais é do interesse não apenas dos dois países, como também do mundo inteiro. A história e a realidade provaram repetidas vezes que a cooperação China-EUA é a única alternativa correta para os dois lados. A China sempre tem sido a favor de trabalhar com os EUA para construir relações pautadas na coordenação, na cooperação e na estabilidade. Mas isso exige que os dois lados busquem o mesmo objetivo, sobretudo respeitem os interesses essenciais e as principais preocupações de cada parte. Os EUA devem perceber que só quando suas políticas externas e comerciais voltarem à trajetória correta e saudável o mais cedo possível é que serão preservados os interesses de longo prazo dos EUA e da comunidade internacional.

A China acredita que exista um propósito específico dos EUA para impedi-la de se tornar a maior economia do mundo?

Não queríamos comentar a intenção dos Estados Unidos de iniciarem a guerra comercial. O fato é que o atual governo, desde o início, segue a política ?American First? e adotou uma série de medidas unilaterais e protecionistas. Ao iniciar a guerra comercial contra a China, Washington também usa as tarifas adicionais como uma ameaça para provocar atritos comerciais com seus principais parceiros comerciais, entre eles, o Brasil. Esse comportamento causa preocupação generalizada na comunidade internacional. Essa guerra comercial não é direcionada a um país específico, mas, sim, à cadeia global de valor, à confiança dos investidores e às normas e ordem internacionais.

A China pensa em mudar seu ambiente interno de negócios para manter os chineses mais ricos e seu capital no próprio país ou reforçar a perda que está tendo com o comércio americano?

Creio que a pergunta, na verdade, é se a economia chinesa será afetada pelos atritos comerciais. O impacto, com certeza, existe, mas não será substancial, e temos a confiança de superá-lo. No primeiro semestre, a economia da China cresceu 6,3%, à frente das principais economias do mundo. No relatório World Economic Outlook do FMI, a China foi a única grande economia cuja previsão de crescimento foi elevada. O mercado chinês ainda é o favorito dos investidores estrangeiros. No primeiro semestre, o investimento estrangeiro na China aumentou 7,2%. Uma pesquisa do US-China Business Council, mostra que 95% das empresas americanas vão manter ou aumentar seus investimentos na China.

Na verdade, muitos empresários brasileiros criticam o ambiente de negócios da China, seja por falta de respeito a contratos, burocracia ou excesso de intervenção estatal. Também é sabido que muitos chineses levam sua poupança a outros países. A China pretende melhorar esse ambiente interno de negócios?

Nos últimos dois anos, a China tomou uma série de medidas para ampliar ainda mais o mercado e expandir suas importações. No ano passado foi realizada a primeira exposição internacional de importação da China e mais de cem países participaram, inclusive os empresários e importadores e exportadores brasileiros e foram assinados acordos no valor de US$ 1 bilhão. A China também diminuiu o nível de tarifa alfandegária em geral. Além de zona de comércio livre em Xangai, também foi anunciada a criação de mais zonas livres de comércio em cinco províncias. Isso permite que os estrangeiros possam aumentar seu investimento na China.

O que a China pretende fazer com relação à disputa em torno do 5G?

Por algum tempo, os Estados Unidos mobilizaram o aparato estatal para difamar uma empresa chinesa e sua tecnologia 5G, sem nenhum fundamento. Até tentaram impedir terceiros países, como o Brasil, a desenvolver a parceria com a Huawei. Seu objetivo é usar essa tecnologia como ferramenta para inibir o desenvolvimento de outros países e preservar os seus próprios privilégios. Isso impede a partilha entre os países dos dividendos da quarta revolução industrial, representado pela tecnologia 5G. Essa tecnologia vai promover uma profunda integração das cadeias globais de produção, suprimento e valor. É uma conquista da inovação que impacta o progresso de toda humanidade. A China está disposta a compartilhar conquistas científicas e tecnológicas, como o 5G, com o Brasil e outras partes, sobre a base de benefícios mútuos e ganha-ganha.

Os srs. têm alguma expectativa de quanto tempo esse conflito ainda pode durar?

Nesse momento, a China e os Estados Unidos concordaram em realizar a 13ª rodada de negociações comerciais, no início de outubro. As duas equipes devem preparar com seriedade para tentar alcançar avanços nas consultas. A pré-condição para pôr fim a essa guerra é Washington abandonar suas práticas equivocadas. Ao tentar buscar o mesmo objetivo, os dois lados vão chegar a soluções para promover o desenvolvimento saudável e de longo prazo do comércio bilateral.

O Brasil pode se tornar um parceiro comercial mais importante para a China, por causa da guerra comercial, uma vez que é uma alternativa para a segurança alimentar e energética chinesa?

No curto prazo aumentaram, de fato, as exportações brasileiras de soja para a China. No entanto, a longo prazo, o comércio China-Brasil será prejudicado com a guerra comercial. Primeiro porque danificou o sistema multilateral de comércio, arruinou a confiança do mercado internacional e aumentou o risco de uma recessão econômica mundial, e economias emergentes como a brasileira sofrerão consequências negativas. Segundo, porque essa guerra enfraqueceu o funcionamento normal das cadeias globais de produção, suprimento e valor, trazendo incerteza à parceria sino-brasileira em médio e longo prazo. Nossos dois países são promotores e defensores do sistema multilateral de comércio e da economia mundial aberta. Perante a conjuntura atual, é ainda mais importante e eminente que a China e o Brasil defendam em conjunto a ordem do comércio internacional baseada na cooperação e no ganha-ganha, protejam o multilateralismo de forma mais resoluta e combatam comportamentos unilateralistas.

Recentemente a China anunciou que pretende incorporar 10% de etanol nos combustíveis do país e autorizou um número maior de frigoríficos do País a exportar. Essas iniciativas tiveram relação com a guerra comercial?

A China e o Brasil são parceiros importantes na área de agropecuária. A China é o maior parceiro comercial do Brasil e também o destino principal das exportações brasileiras. Desde a posse do governo de Jair Bolsonaro, os dois países realizaram uma comunicação bem sucedida em relação à agricultura e ao comércio agropecuário. Ao mesmo tempo, a China leva em consideração essa esperança e expectativa da parte brasileira de aumentar suas exportações à China. Tais medidas são baseadas em demandas dos dois lados e no benefício mútuo.

A estratégia da China com relação aos países latino-americanos e africanos mudou com a intensificação da guerra comercial?

A cooperação China-América Latina e China-África é pautada no benefício mútuo e progresso comum. Trata-se de uma escolha autônoma, voluntária e de ajuda mútuas. A China não tem ambições geopolíticas na América Latina ou na África, não busca construir esferas de influência ou participar do chamado jogo estratégico. A parceria da China com a América Latina e com a África está alinhada com as necessidades das partes envolvidas, sem visar terceiros nem seria afetada por eles.

O fato de o presidente Jair Bolsonaro ser declaradamente anticomunista e admirador declarado dos EUA, tendo indicado seu filho a ocupar a embaixada do Brasil no país, preocupa a China?

A China sempre respeita a escolha independente da política externa, seja do Brasil ou qualquer outro país. O fato é que a administração Bolsonaro, desde o início, tem mantido uma boa interação com o lado chinês. Em poucos meses de governo, o vice-presidente Hamilton Mourão fez uma visita bem sucedida à China, em maio. Durante sua estadia, reuniu-se com o presidente chinês Xi Jinping e co-presidiu a 5ª reunião da Cosban (comissão de cooperação entre os dois países). A visita iniciou o intercâmbio de alto nível entre o novo governo brasileiro com a China e traçou planos para a cooperação pragmática bilateral em vários campos. Em seguida, as trocas de visitas de alto nível são tão frequentes que criaram um recorde no relacionamento bilateral. O presidente Bolsonaro anunciou que fará uma visita de Estado à China em outubro e o presidente chinês Xi Jinping virá aqui em novembro para a 11ª Cúpula dos Brics. Esses contatos colocarão a parceria estratégica global China-Brasil em novo patamar. Eu, particularmente, desde que assumi o cargo como embaixador da China no Brasil há oito meses, tenho feito amplos contatos com representantes de todos os setores da sociedade brasileira, inclusive com o próprio presidente Bolsonaro. Ele afirmou para mim que ele e seu governo atribuem grande importância às relações com o grande parceiro que é a China, só vão expandir e ampliar a parceria e melhorar a qualidade da cooperação.

O que a China espera da visita do presidente Bolsonaro ao país?

O lado chinês aguarda com grande expectativa a visita de Estado do presidente Bolsonaro à China em outubro. Atualmente, as duas equipes estão intensificando os preparativos para garantir resultados frutíferos dessa viagem. Duas maiores nações em desenvolvimento nos hemisférios Oriental e Ocidental, China e Brasil, como representantes das economias emergentes, possuem grande potencial e amplo espaço de cooperação. Acredito que, em seus encontros, os dois chefes de Estado vão traçar novas diretrizes para o relacionamento bilateral e fazer os planejamentos de cima para baixo para a nossa cooperação, levando a parceria estratégica global a um novo patamar.

O sr. acredita pessoalmente que o Trump vai ser reeleito?

É um assunto interno dos EUA e a decisão cabe ao povo americano. Mas, independente de quem seja o presidente, se ele conseguir promover a relação entre os EUA e outros países baseado no respeito mútuo, tratamento igual e benéfico a todos os lados, a relação vai se desenvolver de forma saudável e estável. Mas, se os EUA continuarem com a mentalidade de hegemonia e o 'bullying' no comércio com outros países e usar medidas unilaterais para seu próprio proveito, não só as relações entre os EUA e outros países vão ser prejudicadas, mas também a economia e o comércio mundial vão perder. Os EUA são o maior país do mundo e o mais potente. Eles devem tomar medidas externas e comerciais mais responsáveis e saudáveis.

Estadão
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