'O Brasil pode ser o centro mundial da industrialização sustentável', diz CEO da Siemens
Do hidrogênio verde à eletrificação, passando pela biomassa, as oportunidades para o País são gigantescas, segundo Pablo Roberto Fava
Os desdobramentos da sobreposição entre tecnologia industrial e meio ambiente são um dos focos da Siemens no Brasil, segundo Pablo Roberto Fava, CEO do grupo no País. Mesmo porque, em termos de potências verdes, o Brasil tem tudo para não perder o bonde da história, segundo o executivo nascido na Argentina.
"A oportunidade é enorme. O Brasil está muito à frente, principalmente na questão energética. Dentro da Siemens, vemos o País como um centro que pode ser a resposta para uma industrialização sustentável do futuro", afirma Fava.
Em relação à COP-30, o executivo avalia que é muito mais um ponto de partida do que de chegada. No evento, a empresa, inclusive, vai apresentar tecnologias ligadas a saneamento, energia e startups que usam os recursos do que chama de "Amazônia viva" para gerar valor .
Qual será a participação da Siemens na COP-30?
O nosso foco é demonstrar como nossas tecnologias endereçam esses desafios - inclusive o da biodiversidade. No ano passado, fizemos um estudo que chamamos de Pictures of Transformation. É um estudo realizado todo ano no país onde acontece a COP. No caso do Brasil, imaginamos como o País poderia ser em 2035 e construímos um caminho reverso para entender como chegar lá. Esse estudo foi feito junto com o Cebri. Para nós, a COP não é um ponto de chegada, mas de partida. Vamos levar tecnologias ligadas a saneamento, energia e startups que usam os recursos de uma Amazônia viva para gerar valor. Essa talvez seja a forma mais adequada de proteger a biodiversidade. Temos, por exemplo, um programa chamado Tech for Amazônia, com quatro iniciativas bem interessantes que levaremos como provas de conceito para Belém.
Quais são essas iniciativas?
Uma delas é sobre nanofábricas, que já existem. Lá na Amazônia, não dá para estabelecer grandes manufaturas. São pequenas fábricas inteligentes que fazem rastreabilidade e controlam, de forma remota, o processamento de ingredientes da Amazônia viva. Como são várias dessas nanofábricas, é importante acelerar os processos e gerenciá-las para evitar a degradação da biomassa. A transformação digital ajuda muito nisso. Um segundo caso é o cultivo automatizado de mudas, para reduzir as perdas entre o cultivo e o plantio. A tecnologia pode tornar esse processo mais rápido e eficiente. Temos também um projeto com castanhas-do-pará, usando visão computacional para detectar qualidade ou contaminação, gerando eficiência na produção. E há um quarto caso, ainda sob confidencialidade, relativo à transformação digital.
O estudo da Siemens sobre o futuro do Brasil indica um cenário positivo ou negativo?
A oportunidade é enorme. O Brasil está muito à frente, principalmente na questão energética. Dentro da Siemens, vemos o país como um centro que pode ser a resposta para uma industrialização sustentável do futuro - do hidrogênio verde às biomassas e à eletrificação. Temos mais de 80% da matriz energética já sustentável. O desafio é vender essa história, certificá-la e homologá-la. O Brasil é o único lugar hoje com essas condições. A COP-30 e também a Hannover Messe do próximo ano são grandes oportunidades. O Brasil será o país parceiro da maior feira industrial do mundo. Isso mostra que o País é candidato a ser a nação da industrialização descarbonizada.
E o que precisa ser enfrentado para destravar essa potencialidade?
Dinheiro tem. Fundos de investimento existem. O que falta são off-takers - compradores que realmente paguem por isso. O mundo consumidor precisa demandar produtos sustentáveis e pagar por eles. As ferramentas digitais são fundamentais para certificar esses processos e evitar o greenwashing. O investimento no Brasil não é o problema, desde que o País seja competitivo e tenha infraestrutura. O ponto é: quando teremos off-takers dispostos a pagar um pouco mais para que a transformação aconteça?
E o hidrogênio verde? O mercado ainda está travado?
Muitos países querem comprar hidrogênio verde apenas para usar como energia. O Brasil tem outra postura: quer usá-lo para produzir aqui - aço verde, fertilizante verde, o que for - e gerar valor no próprio país. Mesmo assim, há muitas iniciativas, inclusive de bancos de fomento alemães, para desenvolver alternativas no Brasil. O mesmo vale para o SAF, o combustível sustentável de aviação. Ele pode ser produzido em qualquer parte do mundo, mas o desafio é chegar a um custo competitivo em relação ao querosene. E é aí que entra a vantagem do Brasil. Se quiser pagar duas ou três vezes mais, pode fazer em outro lugar. Mas, se quiser competir de verdade, o Brasil está muito à frente.
Até que ponto a questão ambiental é atualmente prioritária para a Siemens?
A questão da sustentabilidade para a Siemens é uma história de longa data. A Siemens trabalha com um relatório anual de sustentabilidade, mostrando como seus negócios realmente são sustentáveis, já desde 2011, aqui no Brasil. Nós temos uma trilha ecológica muito linda em São Paulo, onde a gente protege a biodiversidade e traz alunos e crianças para gerar essa consciência. Hoje, sustentabilidade faz parte do nosso negócio. A Siemens trabalha muito com circularidade, eficiência energética e descarbonização. Temos investimentos no Brasil em empresas que atuam com energia solar e bancos de baterias, de alguma forma promovendo essa transição energética.
E como essa transição energética se conecta com a transformação tecnológica que vivemos hoje?
Nós falamos sempre que a tecnologia é a ferramenta mais poderosa da humanidade - desde sempre foi assim. Esse é o motivo pelo qual a Siemens assumiu essa liderança e acompanhou as revoluções industriais, com a tecnologia endereçando os desafios de cada geração. Hoje, o nosso maior desafio é garantir que o mundo tenha uma sobrevida, equilibrando a forma como extraímos recursos naturais. A tecnologia ajuda muito nisso. A COP-30 é uma grande oportunidade para apresentar como fazer isso.
Como a Siemens incorpora em seus negócios as mudanças digitais?
Temos um programa chamado One Tech Company. A Siemens sempre foi uma empresa de tecnologia - começou em 1847, com a invenção do telégrafo de ponteiros (por Werner von Siemens). Desde então, atuamos em eletrificação, comunicação, energia, saúde, transporte público e automação. Hoje, combinamos o mundo físico e o digital. A inteligência artificial, cada vez mais presente, pode gerar uma grande mudança para todos nós.
A inteligência artificial pode substituir empregos?
O nosso presidente sempre diz: "Você não vai ser substituído pela IA. Vai ser substituído por quem souber usá-la melhor que você." As revoluções industriais sempre geraram novas oportunidades. Nós vemos a IA como uma grande responsabilidade social. No B-20 do G-20, participei como co-chair do grupo de transformação digital, pedindo aos governos que tratem o tema com seriedade. Um dos pontos é o uso consciente e inclusivo da IA. Ela pode aumentar desigualdades, mas também ser uma alavanca para aproximar países e pessoas. Hoje, alguém em uma área remota do Brasil pode vender serviços para o mundo. Isso é uma revolução. Mas, se a inclusão digital não acontecer, o abismo social aumenta. Depende de como for implementada.
E na área da saúde, quais são os avanços da Siemens?
Temos a Siemens Healthineers, que atua com tecnologias de imagem e laboratório. Recentemente, a Siemens adquiriu a Dotmatics, empresa que aplica IA para acelerar o desenvolvimento de medicamentos. Foi um investimento bilionário em dólares. A Siemens investe de forma holística na indústria - alimentos, saneamento, infraestrutura, mineração, automotivo, farmacêutico - e também ajuda a melhorar processos produtivos e trazer inovações para o mercado.
Como cidadão, o que o sr. espera da COP-30?
A COP é um momento muito oportuno, primeiro para o Brasil, para nos posicionarmos e gerar consciência. Será a primeira vez que uma COP acontece na Amazônia - e isso já é uma excelente mensagem. Vivemos em um mundo com guerras militares e comerciais que desviam prioridades. Mas não podemos perder a perspectiva de cuidar do nosso planeta. A COP é a chance de colocar novamente a sustentabilidade como prioridade. O planeta é uma aldeia - o que fazemos aqui impacta os outros, e vice-versa. Um dos pontos será como conseguir mais financiamento para a sustentabilidade. Mas a questão central é: isso é prioritário ou não? Hoje, a disputa é por prioridade em um mundo caótico. A construção tem de ser feita de forma colaborativa, pensada e assertiva, sobre como endereçar esses tópicos. Nós estamos vendo que um dos pontos é como conseguir maior financiamento para o futuro, para o tópico da sustentabilidade.
Existe receptividade do setor privado e público para essa agenda?
Sim, vejo muitas iniciativas e um foco grande nesse sentido. O que vamos fazer a partir da COP-30 é o principal. Casos como o Tech for Amazônia mostram que estamos explorando caminhos novos. Muitas empresas vão ver a COP como um ponto de partida para algo melhor.