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Noites brancas

Tudo sugere que a economia a partir de 2021 vai voltar a se arrastar como uma gigantesca lesma

28 set 2020 - 04h10
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É provável que o ocupante do Palácio da Alvorada não esteja dormindo muito bem. Não bastasse o recorrente pesadelo com Fabrício Queiroz aceitando a delação premiada, que o faz acordar com o pijama empapado de suor, a preocupação é também com a retomada da economia. Até agora, foi melhor que a encomenda. A previsão de queda do PIB para 2020 tem melhorado e sugere um recuo de 5%. Ainda será um desastre épico, mas fica longe da estimativa lúgubre do Fundo Monetário Internacional (FMI), que previu em junho um tombo da ordem de 9,1%. Mesmo assim, a batata está assando. Entre dezembro de 2019 e junho de 2020 o total de pessoas fora da força de trabalho passou de 65,4 milhões para 77,8 milhões. Com o relaxamento do isolamento social e o corte do auxílio emergencial, este contingente volta a buscar um posto de trabalho e passa a ser contado nas estatísticas como desocupado, o que significa que a taxa de desemprego vai acelerar em direção aos 15%, talvez mais. Para melhorar o sono do presidente, a equipe econômica tem explorado duas ideias.

A primeira é inspirada no fundamentalismo fiscal e está baseada na controvertida tese do economista Alberto Alesina, segundo a qual a contração dos gastos do governo pode estimular a economia. Isso aconteceria porque a sinalização de menores gastos melhora a confiança do setor privado, que passa, incontinenti, a investir mais. Os críticos a esta ideia de feroz radicalidade levantam a tradicional confusão entre correlação e causalidade e lembram que, quando a economia cresce, a arrecadação aumenta e o déficit é reduzido. Logo, não é porque o déficit cai que a economia cresce. Ao contrário, é porque a economia cresce que o déficit fica menor. Em artigo para The New York Times em novembro de 2015 (The Expansionary Austerity Zoombie), Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, compara a experiência de 18 países entre 2007 e 2015 e conclui que existe uma clara correlação negativa entre as duas variáveis, ou seja, quanto maior o arrocho fiscal, maior a queda do PIB. Tudo somado, na melhor das hipóteses, a proposição é questionável - mas o ministro sempre teve fé.

A segunda proposta, mais recente, é tentar incentivar o emprego reduzindo o custo do trabalho. A hipótese, aqui, é de que com menores custos trabalhistas os empresários se animariam a contratar. Soa antiga essa ideia? Pois é. O plano Brasil Maior, lançado por Dilma Rousseff em 2011, também desonerou a folha de pagamentos na vã expectativa de promover o crescimento do emprego. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de janeiro de 2018 (assinado, entre outros autores, por Adolfo Sachsida, atual secretário de Política Econômica) concluiu que "os resultados obtidos apontam para a ausência de efeitos da política sobre o volume de empregos". Em outras palavras, os empresários contratam quando têm perspectiva de vender mais, e não apenas porque o custo do trabalho ficou menor. Não funcionou, mas o governo pensa que desta vez será diferente.

Tudo sugere que a economia a partir de 2021 vai voltar a se arrastar como uma gigantesca lesma. Não engrena nem gangrena. Mesmo o mercado financeiro, que jura estar apaixonado pelo ministro, não acredita muito na retomada. Pelos números da pesquisa Focus, o PIB per capita de 2010 só será recuperado em 2024 - e ainda assim será 6% menor que o de 2013. Isso sem considerar que o mercado tem viés otimista. Se encadearmos as previsões feitas com um ano de antecedência, o PIB entre 2015 e 2019 teria crescido, se os economistas estivessem certos, 3,2%. Na verdade, ele caiu 3,1%. Não é fácil. As ideias são poucas, de eficácia duvidosa. As dificuldades são numerosas, de complexidade crescente. As noites são longas, de muitos pesadelos.

*Luis Eduardo Assis é economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e da FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com

Estadão
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