PUBLICIDADE

'Não dá para parar ciclo de alta dos juros com IPCA rodando a dois dígitos', diz economista do Citi

Segundo Leonardo Porto, banco ainda mantém sua projeção de Selic em 13,75%, mas vê riscos de os juros continuarem subindo depois da reunião do Copom da primeira semana de agosto

27 jun 2022 - 10h25
Compartilhar
Exibir comentários

Com a inflação ainda muito alta e espalhada pela economia, o Banco Central (BC) deve ter dificuldade de interromper o ciclo de alta de juros agora. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, afirma que o banco ainda mantém sua projeção de Selic terminal em 13,75%, mas vê riscos de os juros continuarem escalando depois da reunião do Copom da primeira semana de agosto. "Estamos com projeção de 13,75%, mas é o mínimo", aponta.

Porto acredita que, uma vez no pico, a Selic deve ficar intacta até, pelo menos, o fim do primeiro semestre do ano que vem. Para ele, se retornarem no ano que vem, os impostos federais zerados nos combustíveis levariam a inflação para 5,2%. O Citi, contudo, trabalha com a possibilidade de nenhum dos candidatos líderes nas pesquisas eleitorais ter pressa em reverter a desoneração.

Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil; para Porto, uma vez no pico, a Selic deve ficar intacta até, pelo menos, o fim do primeiro semestre do ano que vem. 
Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil; para Porto, uma vez no pico, a Selic deve ficar intacta até, pelo menos, o fim do primeiro semestre do ano que vem.
Foto: Divulgação / Estadão

Porto pondera ainda que, até o momento, tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), têm propostas que caminham para dinâmicas de dívida parecidas. Prevê, assim, bem menos volatilidade advinda das eleições neste ano. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Citi manteve a previsão de inflação para 2023, apesar da reversão de parte das desonerações dos combustíveis no fim deste ano. Por quê?

Nós temos várias desonerações. A desoneração do ICMS dos Estados, consideramos permanente. As desonerações de imposto federal sobre combustíveis, que têm vencimento no fim do ano, têm impacto de 70 pontos-base (0,7 ponto porcentual). Como nossa projeção é 4,5%, deveria subir para 5,2%. Mas temos de assumir uma hipótese: será que vai voltar mesmo? Achamos que é mais provável que o presidente a ser eleito em outubro, com nível de preços de combustíveis ainda elevado, deve optar por estender isso. Então, esses 70 pontos não sobem a inflação, mas piora no fiscal porque a arrecadação federal saiu da nossa conta do ano que vem. Nosso resultado primário para o ano que vem piorou com essa hipótese. Mas esse efeito do imposto não interfere a inflação somente por esse canal, existem outros canais.

Quais?

A inflação vai estar mais baixa este ano do que o previsto. Nossa previsão era 9,3% e foi para 8%, o que significa que, pelo efeito inercial, pode ajudar a inflação do ano que vem. Por exemplo, o salário mínimo, se estivermos corretos, vai reajustar em 8%, não em 9,3%. E tem outro componente: na hora em que você devolve o imposto, está dando renda disponível para as pessoas, e essa renda vai ser consumida. Em outras palavras, é um estímulo fiscal dado via desoneração e isso pressiona a inflação para cima. É um resumo de três canais: o canal direto do imposto, a inércia mais baixa que ajuda a inflação potencialmente e o estímulo fiscal, que teoricamente piora a inflação. E tem o quarto ainda, que é o canal do prêmio de risco. Quando o governo desonera, abre potencial discussão de saída de capitais, e o câmbio mais depreciado pressiona a inflação. Mas é algo marginal e pontual. Consideramos que esse canal seria praticamente nulo.

O quanto esse peso no fiscal preocupa de fato, já que a desoneração seria temporária e há surpresa arrecadatória?

Tem um excesso de arrecadação que, sem dúvida, está ajudando o fiscal. A pergunta que cabe aqui é quanto desse excesso de arrecadação vem de componentes permanentes e quanto vem de componentes transitórios. Eu posso contar duas histórias. Uma positiva, que é o fato de o PIB estar mostrando um crescimento muito mais robusto do que imaginado. O PIB muda o nível de arrecadação e esse é um componente permanente. Mas eu poderia contar outra história, negativa, de que essa arrecadação está vindo mais forte só por causa de surpresa inflacionária. A gente fez esse cálculo e, na nossa conta, a surpresa inflacionária explica cerca de dois terços. O outro terço pode ser decorrente de efeitos permanentes. Então a resposta é um meio termo, o que dá alguma margem para o governo devolver, porque existe uma parte permanente. Mas não dá para ficar muito leniente.

Não acha que começa a se desenhar um cenário fiscal muito difícil para 2023?

O que importa para o investidor é a dinâmica de médio e longo prazos. Quem garante isso hoje é o teto de gastos, que está mais enfraquecido do que era em 2016. Preocupa muito mais como é que vai ser essa discussão do teto de gastos ou de uma nova âncora, seja no período eleitoral ou no novo governo em 2023. Essa discussão é muito mais crítica.

Considera alto o risco de perder o teto?

Existe reconhecimento da importância do teto de gastos. Mas ele não é a palavra final do ponto de vista da ancoragem fiscal, é um instrumento. O que importa para investidores não é o teto em si, é a trajetória da dívida. Se revogar o teto e colocar outra âncora que dê trajetória de dívida semelhante à de hoje, o impacto sobre preços de ativos será muito neutralizado.

No último relatório, vocês apontaram risco para cima sobre a previsão de Selic do banco, de 13,75%. O que está em jogo no cenário?

Não dá para parar (a alta dos juros) com inflação rodando sistematicamente a dois dígitos. Não estou falando aqui de inflação acumulada em 12 meses, estou falando da medida de núcleo calculada no mês da ponta e anualizada. Essa inflação é muito mais alta do que a meta, o que está produzindo uma continuidade no processo de desancoragem das expectativas. Expectativas essas que já estão se aproximando do teto da meta do ano que vem. Numa condição como essa, é muito complicado o BC parar de subir juros, porque pode alimentar ainda mais esse processo. Hoje, temos uma condição de que a inflação não está só alta, ela está espalhada em todos os componentes. Estamos com call de que é 13,75% (o patamar final da Selic), mas é o mínimo. Aa mensagem agora é: estamos na região de sintonia fina na política monetária. Quando está nesse momento, tem de ficar mais sensível aos dados. Nas duas últimas reuniões, achávamos que BC não ia ter condições de pausar. Para agosto, temos de ver o que vai acontecer, mas me parece que a inflação ainda está num nível muito preocupante.

A inclusão de 2024 no comunicado do Copom não seria uma sinalização de que o Banco Central está disposto a aceitar uma inflação mais próxima ao teto no ano que vem para interromper o ciclo de alta dos juros?

A mensagem da ata do Copom é de que há mais trabalho a ser feito. O documento deixa muito claro que o horizonte relevante da política monetária, neste momento, é 2023, quando o BC projeta a inflação em 4%. Vai ter de fazer, então, mais para que esses 4% convirjam para a meta (3,25%).

Por quanto tempo o BC vai manter a Selic na taxa terminal do ciclo de aumento de juros?

O nosso cenário mais provável é que o ciclo de afrouxamento só seja iniciado no segundo semestre do ano que vem. Ou seja, praticamente um ano, um período longo, de juros estáveis. A diferença entre o nível de inflação, hoje em dois dígitos, e a meta é tão grande que exige uma política monetária em patamar bastante contracionista por tempo razoável.

Qual é o efeito desse aperto dos juros prolongado na atividade econômica?

A política monetária é contracionista desde o quarto trimestre do ano passado. Estou surpreso com a resiliência da atividade econômica. Mais do que com a resiliência, estou surpreso com a aceleração do crescimento do PIB no quarto trimestre e, principalmente, no primeiro trimestre deste ano, apesar do cenário em que a política monetária se tornou contracionista. Mesmo os dados do segundo trimestre, tempo mais do que suficiente para que os impactos da política monetária começassem a acontecer, os indicadores seguem sólidos. Mas eu continuo achando que o grande impacto sobre a atividade ainda vai se dar neste ano, no segundo semestre. Se eu estiver errado, e o impacto ficar mais para o ano que vem, o PIB deste ano pode se aproximar de 2%.

Por que os efeitos não aparecem ainda na economia?

Tenho algumas suspeitas. Pode estar ligado ao maior controle da pandemia, ainda que esta seja uma explicação incompleta. As pessoas querem consumir serviços, viajar, ir a shows... Não são as empresas investindo, é o setor privado consumindo serviços. O mercado de trabalho está melhorando, mas não o suficiente para justificar isso. Então, outra possível explicação é o consumo da poupança acumulada na pandemia, circunstancial ou precaucional. Uma hora, porém, a poupança acaba, e uma hora as pessoas terão a demanda por serviços saciada.

Como tem acompanhado a pressão sobre a política de preços da Petrobras?

Do ponto de vista da governança, a lei das estatais foi um marco importantíssimo da independência das estatais. É um ativo que deveria ser preservado. Dar subsídio para o preço do combustível é uma decisão de governo. Que entre na conta orçamentária, no teto dos gastos, e corte outro gasto para dar o subsídio. Alterar a lei das estatais seria retrocesso.

O sr. vê tendências diferentes para a economia, a depender do resultado das eleições?

Hoje, temos um cenário não muito diferente entre Lula e Bolsonaro na política fiscal, que é o calcanhar de Aquiles na definição dos preços de ativos brasileiros. Talvez Lula tenha intenção de gasto um pouco maior do que Bolsonaro, mas também tem aparentemente maior intenção de subir a carga tributária. Isso faz com que, no fim, a trajetória da dívida, que é o que mais importa, não seja tão diferente. Como a percepção de política fiscal não é muito diferente, a volatilidade nos mercados pode ser menor. Estou muito mais preocupado com a volatilidade gerada pelo cenário global, que tem se tornado mais adverso a países emergentes.

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade