PUBLICIDADE

Mesmo com reforma da Previdência, teto de gastos tem de ser revisto, diz ex-ministro

Segundo Dyogo Oliveira, governo pode estourar limite de gastos já em 2020; para ele, uma reforma de R$ 500 bilhões a R$ 800 bilhões já seria suficiente

19 jun 2019 - 15h35
(atualizado às 15h44)
Compartilhar
Exibir comentários

Mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, será necessário mexer na legislação que estabelece o teto de gastos, que pode estourar já em 2020. A avaliação é do ex-ministro do Planejamento Dyogo Oliveira, para quem seria interessante excluir investimentos dessa limitação para ajudar o setor público a expandir suas inversões.

"Se isso for feito após a Previdência não vai causar suspeição sobre o compromisso com a estabilidade fiscal. É justificável ter ampliação do investimento público em um ambiente no qual o governo está contendo as outras despesas", diz.

Dyogo trabalhou no Ministério da Fazenda de 2006 a 2015, onde atuou como secretário-adjunto de Política Econômica e, depois, como secretário-executivo adjunto. Foi ministro do Planejamento e, em abril de 2018, assumiu a presidência do BNDES, saindo para dar lugar a Joaquim Levy, que entrou com o novo governo, mas deixou o cargo neste fim de semana. Agora, o ex-ministro cumpre quarentena e deve assumir em julho a presidência da Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa).

Para ele, o problema fiscal é a última fronteira para o Brasil realmente conseguir se lançar numa agenda de produtividade e de competitividade. Na sua avaliação, uma mudança nas regras previdenciárias, que gere economia de R$ 500 bilhões a R$ 800 bilhões, considerando uma série de receitas que o governo está para obter com leilões, pode ser suficiente para estabilizar a dívida pública, que caminha para 80% do PIB.

Quando o Brasil conseguirá resolver seu problema fiscal?

Nossa história econômica sempre foi marcada por grandes restrições macroeconômicas. Tivemos restrições monetárias, crises cambiais, de hiperinflação, da dívida, moratória. O problema fiscal sempre esteve subjacente e sempre compôs o cenário de todas essas crises como causa ou como consequência. Nos últimos 30 anos, houve uma série de evoluções institucionais e hoje só sobrou o problema fiscal. Será a última fronteira macroeconômica a superar para o Brasil poder se lançar numa agenda de crescimento econômico de produtividade e de competitividade. Hoje esse problema está focado praticamente na Previdência.

Qual a economia na Previdência para resolver isso?

Não sou muito pretensioso. Uma reforma de R$ 500 bilhões a R$ 800 bilhões que permita um cenário de convergência da dívida pública já seria o suficiente.

Mas R$ 500 bilhões não é muito baixo?

Particularmente acho que não. Existem outras questões que afetam o resultado fiscal que vão ser tratadas também, tanto do lado da despesa quanto do lado da receita. Há várias receitas a serem incorporadas, com leilão de petróleo, revisão do contrato de cessão onerosa, na área de telecomunicações, uma banda para 5G que vai gerar uma bela receita. E a própria receita é pró-cíclica em relação ao nível de crescimento.

De quanto é essa elasticidade?

Hoje uma estimativa de 20% é razoável, ou seja, para cada 1% de crescimento, as receitas aumentam 1,20%. Há, atualmente, uma perda no governo federal de mais ou menos 2 pontos porcentuais do PIB em arrecadação. Desse montante, uma parte é de desonerações, mas, ao menos 1,5 é cíclico. À medida que a economia volta, a receita acompanha. Estimo em cerca de R$ 100 bilhões.

Aprovada a reforma da Previdência no Senado, em que prazo o sr. estima que a economia ganhe tração?

As expectativas serão afetadas, mas a economia real vai demorar para reagir e devolver as receitas. Eu diria que 2019 já está contratado em menos de 1% (de crescimento da PIB). Talvez com a medida de liberação do FGTS e do PIS chegue a 1%, mas desde que seja depois da reforma da Previdência. Fazer antes é desperdício.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, alega isso...

O Paulo tem toda razão. Há ambientes em que se colocam recursos na economia e se propagam. Mas se puser hoje esse dinheiro na economia vai cair como uma pitada de sal no mar. Porque não gera um ciclo positivo de expectativas. Com a reforma aprovada, aí, sim, funciona para redinamizar a economia.

O que o governo poderia fazer antes da aprovação?

A MP da Liberdade Econômica, por exemplo, é muito positiva. A Caixa também lançou o programa de renegociação de dívidas que, ao resolver o lado financeiro, recoloca a pessoa no mercado de crédito. Em particular, acho que os bancos públicos deveriam ter um papel maior do que estão tendo. Existem coisas que são certas a se fazer, mas não na hora errada. Reduzir o tamanho dos bancos públicos, dar mais foco, centralizar sua ação em empresas menores, tem muito sentido e é correto. Mas fazer isso em um momento no qual a economia está perdendo tração não é adequado. Deixa para fazer isso mais adiante, quando a economia tiver tomando tração, porque aí, primeiro, não haverá uma necessidade tão grande de crédito vindo das instituições públicas e, segundo, porque os outros ofertantes de crédito vão estar mais confiantes para suprir a saída desses bancos. Hoje, se eles saírem, tenho dúvidas se esse espaço será ocupado por ofertas de outras fontes, principalmente para investimento, porque ainda não há mercado de crédito de longo prazo.

Qual a sua visão de médio prazo para a economia ?

A economia brasileira sempre tem capacidade muito grande de recuperação. Ao aprovar a reforma da Previdência, cria-se um cenário de longo prazo estável para o País. Não temos nenhuma outra grande vulnerabilidade econômica. O setor externo muito bom, com reservas, balança comercial, investimento externo na casa de US$ 70 bilhões, déficit em transações correntes indo para 0,5% do PIB. São variáveis positivas e criam um cenário macroeconômico muito favorável. Passada a reforma, o governo vai poder se dedicar a uma agenda de produtividade, competitividade, eficiência econômica, que ao seu tempo, vai ampliar o PIB potencial.

Passada a aprovação da reforma da Previdência, qual seria o maior elemento de tração para a economia ?

No curto prazo, a tração virá da recuperação da demanda, com melhora das expectativas e medidas do tipo (liberação) do FGTS. Hoje temos excesso de capacidade ociosa, portanto, antes de dinamizar um processo de retomada do investimento, a demanda precisa ocupar espaço. Isso pode levar dois ou três anos, para só depois entrar em um ciclo tracionado pela retomada dos investimentos. E aí vem um grande desafio porque uma parte desses investimentos é pública e esse também precisa voltar, como os investimentos das estatais, dos governos federal, estaduais e municipais. Este ano, o governo federal deve fazer algo perto de R$ 20 bilhões de investimentos, 0,3% do PIB, muito baixo. A reforma da Previdência, se for aplicada a Estados e municípios, ajuda nesse cenário. Mas há outras questões que precisam ser resolvidas.

Quais ?

Com a situação atual, não há espaço no teto do gasto para ampliação dos investimentos, mesmo com a reforma da Previdência. Talvez já para o ano que vem seja bastante complexo. Sou a favor de excluir o investimento do teto do gasto, mesmo que um porcentual limitado. Acho que é uma medida simples, compreensível e que não teria grande resistência no Congresso para mudar, nem no meio econômico. Na época do acordo com o FMI, já se excluía 0,5% do PIB em investimentos das metas fiscais. É um negócio que já foi experimentado e tem justificativa técnica. Se isso for feito após a reforma da Previdência, não vai causar suspeição sobre o compromisso com a estabilidade fiscal. É justificável ter ampliação do investimento público em um ambiente no qual o governo está contendo as outras despesas.

E quanto à trajetória da dívida?

Quando um País tem dívida pública em moeda local, nunca ficará impossibilitado de pagar. Em última instância, imprime dinheiro, mas gera inflação. É preciso ter um cenário de dívida que gere confiança nos detentores. Nossa dívida está indo para 80% do PIB, mas, mais importante que o volume, é a trajetória para o futuro. Sem a reforma da Previdência, nossa dívida é explosiva. Por isso, a gente fala que o cidadão vai pagar a conta de uma forma ou de outra: ou faz a reforma que reduz a conta da Previdência ou, em algum momento, vai pagar isso via inflação. É evidente que a melhor maneira é fazer o ajuste das contas para estabilizar esse endividamento. Depois, a dívida pode cair em relação ao PIB mais pelo crescimento do que propriamente pelo governo pagando.

A crise externa, que muitas pessoas dizem que se avizinha, pode pegar o Brasil ainda no caminho da resolução do problema fiscal?

O cenário internacional tem sido bastante desafiador. Os nossos três principais parceiros comerciais estão com problemas, considerando a guerra comercial entre Estados Unidos e China e a Argentina em crise. Do outro lado, os balanços dos bancos centrais foram muito inchados no pós-crise e isso vai gerando acúmulos de distorções que em algum momento vão ter de ser corrigidas. É impossível prever o momento em que isso vai ocorrer, mas o cenário hoje é bem menos estável do que era dois anos atrás. Isso é motivo para apressar as coisas aqui dentro. Mas, particularmente, vejo nas manifestações de integrantes do Congresso um senso de urgência com a reforma da Previdência.

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade