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Lei do Gás é sancionada, mas promessa de redução de preços ainda levará tempo

Gás natural é encontrado com facilidade nos reservatórios de pré-sal do País, mas segue a cotação do petróleo no exterior, cujos preços estão em alta; além disso, monopólio da Petrobrás também afeta valor do insumo

9 abr 2021 - 19h45
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RIO - A promessa de um Brasil movido a gás natural barato ganhou um choque de realidade com o recente anúncio da Petrobrás de um aumento de 39% para o preço do insumo, que se segue a outros realizados nos últimos dois trimestres, acompanhando a recuperação do preço do petróleo no mercado internacional. Apesar da sanção da nova Lei do Gás nesta sexta-feira, 9, ainda levará alguns anos para o brasileiro sentir algum alívio no bolso.

Considerado o combustível da transição energética, e encontrado em volumes relevantes nos reservatórios do pré-sal, o gás natural sofre as mesmas agruras dos outros combustíveis fósseis comercializados no Brasil, que seguem a cotação do petróleo no mercado externo e a variação do câmbio. Com o novo aumento, o preço já atingiu o valor do período pré-pandemia, assim como um dos seus principais concorrentes, o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), que dobrou de preço desde o início da doença.

Ao contrário do GLP, o gás natural é pouco usado nas residências, mas faz parte do insumo de indústrias, que repassam o custo do combustível para toda a economia.

Na média, o Brasil consumiu 59 milhões de metros cúbicos por dia, 8,6% a menos do que em 2019, sendo 25,6 milhões de m³/d pelas indústrias; 22,4 milhões pelas usinas termelétricas; 5,1 milhões de m²/d pelo setor automotivo; 1,3 milhão de m³/d pelas residências (principalmente na região Sudeste); e o restante dividido entre comércio, co-geração, matéria-prima e outros usos menores.

Somente com o aumento da oferta do produto e a saída de cena da Petrobrás nos contratos com as distribuidoras será possível conseguir uma redução de preços, como quer o governo, que prometeu redução de custo da ordem de 40% ao assumir o poder. Uma das luzes no final do túnel, dizem especialistas, será a entrada no primeiro trimestre de 2022 da Rota 3 de escoamento do gás do pré-sal, que vai disponibilizar mais 18 milhões de metros cúbicos ao mercado.

Para o vice-presidente da siderúrgica Ternium, Pedro Teixeira, a aprovação da Lei do Gás é o primeiro passo para um mercado livre de gás natural no Brasil, como aconteceu há 25 anos com o setor elétrico, e que deve demorar entre cinco ou seis anos para se tornar realidade. O setor de aço é um dos que mais consome o insumo.

"Daqui a 25 anos vamos estar aqui comentando a evolução do mercado de gás natural como fazemos com o setor elétrico hoje", brincou Teixeira, ressaltando "a enorme satisfação" que foi ver aprovada a nova lei do setor após anos de discussão.

Ele prevê que com a maior competição para fornecimento do produto, os preços podem cair e permitir que o aço brasileiro seja mais competitivo no mercado externo, além de beneficiar o mercado local. "Com mais oferta, os preços vão buscar a convergência com o preço internacional", explicou.

Novas rotas

Hoje, como consumidor cativo de um único fornecedor (Petrobrás), a Ternium é obrigada a repassar o aumento para o produto. Com a nova lei, Teixeira avalia que haverá maior segurança jurídica para que novos atores tirem seus projetos do papel, seja na construção de gasodutos, novos terminais de regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL), terminais de processamento e vantagens também na comercialização, que terá maior competitividade.

"Agora será possível se pensar em trazer gás da Argentina, por exemplo, aproveitando a sazonalidade, fazer outras rotas para escoamento do pré-sal. Antes não se tinha segurança jurídica para construir gasodutos, mas com a nova lei isso deve começar a acontecer e aumentar a oferta", previu.

Atualmente, um volume similar ao consumido no País a reinjetado pelas petroleiras nos poços de produção para aumentar a rentabilidade, e a expectativa é de que o mercado se torne atraente a ponto de que essas empresas optem por trazer esse volume para o mercado consumidor, substituindo outros combustíveis ou atendendo novos empreendimentos.

De acordo com o presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, a recente alta do gás é a maior prova de que o Brasil precisava de um marco regulatório para o segmento (Lei do Gás), que tem como objetivo atrair novos agentes para concorrer com a Petrobrás, há décadas monopolista do setor.

"O novo mercado competitivo vai baixar o preço da molécula pela competição e do transporte, pela maior utilização dos gasodutos", afirmou Pedrosa.

Ele explica que apesar de um volume mais expressivo do gás do pré-sal ainda demorar alguns anos para sair debaixo da terra, a não renovação dos contratos da Petrobrás com outros produtores, previsto em um dos acordos assinados com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para quebra de monopólio, pode acelerar a competição e reduzir os preços em um prazo razoável.

"A Petrobrás já não vai renovar contratos de gás que ela compra para vender. Esses produtores vão ter que buscar clientes e na renovação o preço tende a cair", avalia Pedrosa.

Quebra de monopólio

Já para o diretor de Estratégia e Mercado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Marcelo Mendonça, as frequentes altas do gás natural tiram a competitividade do insumo frente a outros combustíveis, e não vai ser a Lei do Gás que vai resolver o problema. Ele cobra que os termos firmados entre a Petrobrás e o Cade, para quebra do monopólio de fato da estatal, sejam cumpridos rigidamente.

"Para melhorar o cenário tem que aumentar competição na oferta, e para que isso aconteça é necessário que o Cade cumpra os acordos do TCC (Termo de Cessação de Conduta) com a Petrobrás, que haja uma observação contínua desse acordo, com compartilhamento de infraestrutura, cessão de capacidade dos gasodutos de transporte e uma agenda regulatória que propicie a entrada de novos ofertantes", alerta.

A Abegás defendeu que a Lei do Gás indicasse uma demanda firme ao longo dos gasodutos para estimular os produtores de gás natural a enviarem o insumo para a costa, como termelétricas e indústrias, sugestão que foi rejeitada no relatório final da nova lei.

"Não existe novo mercado de gás sem molécula nova. Para não reinjetar tem que ter atração de investimentos. Não vai se investir se não tiver mercado, não tem política para atração de demanda. Por isso sugerimos as termelétricas na base, substituir o diesel e economizar US$ 8 bilhões por ano de importação deste combustível e também reduzir as emissões", alertou.

Estadão
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