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Reforma do IR vai empurrar empresas para o endividamento

Para José Roberto Afonso, Geraldo Bisoto Jr e Murilo Ferreira Viana, a hora para mexer no IR é imprópria e proposta "beira a insanidade"

14 set 2021 - 03h05
(atualizado às 07h27)
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O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado - 9/5/2017 / Estadão

A hora é imprópria e "beira a insanidade" aprovar a reforma tributária do Imposto de Renda, porque pode aumentar ainda mais as incertezas agravadas pela pandemia da covid-19 e pelas crises internas, alertam os economistas José Roberto Afonso, Geraldo Bisoto Jr e Murilo Ferreira Viana. Se o governo insistir, o resultado será mais complexidade no sistema, perda de arrecadação para os cofres públicos, aumento do fenômeno da pejotização (em que profissionais liberais atuam como pessoas jurídicas para pagar menos impostos) e estímulo ao endividamento das empresas.

O diagnóstico dos especialistas é que governo e Congresso tentam aprovar a reforma como se estivessem dirigindo um carro pelo retrovisor e olhando para a realidade do século passado, que não cabe mais num mundo de rápida transformação estrutural digital, que se acentuou com a pandemia.

Em estudo publicado pela revista Conjuntura Econômica do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os três alertam que o Brasil sofre hoje uma doença de apostar alto demais em respostas simplistas e fáceis para resolver questões complexas. No caso da reforma tributária do IR, avaliam, esse caminho é ainda mais perverso.

A reforma aprovada pela Câmara - e que espera análise pelos senadores - modifica o IR cobrado sobre pessoas físicas, empresas e também investimentos. De uma maneira geral, o texto reduz as alíquotas tanto para pessoas físicas (IRPF) quanto para empresas (IRPJ), mas volta com a cobrança de uma taxa sobre a distribuição de lucros e dividendos (isentos no Brasil há 25 anos). Além disso, estipula o fim do chamado Juro sobre Capital Próprio (JCP), uma forma muito comum de as empresas remunerarem seus sócios e pagarem menos impostos.

Para os autores, um dos problemas é que a pandemia produziu uma aceleração da mudança da economia, com o uso de novas tecnologias digitais, que coloca uma nova realidade com implicações para o sistema tributário, incluindo os vínculos de trabalho cada vez mais "fluidos". Discussões que passam ao largo das propostas que estão em tramitação no Congresso.

Além da reforma do IR, a Câmara discute um projeto que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Senado, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para Estados e municípios.

"A pandemia produziu uma aceleração da mudança da economia, com o uso das novas tecnologias digitais, e as profundas respostas proativas de Estados e blocos supranacionais. Enquanto o mundo assiste políticas de Estado reformando estruturas e organizando o novo normal, o Brasil parece estacionado no velho mundo, buscando soluções fáceis para problemas extremamente complexos", diz o texto.

Entre os maiores equívocos do projeto do IR, o estudo aponta o fim do JCP, que pode trazer "impactos negativos e não negligenciáveis" para o investimento produtivo e dificulta a retomada da economia no cenário pós-pandemia. Mecanismo criado após o Plano Real, com o fim da correção monetária sobre os balanços, o JCP é uma forma que as grandes empresas usam para remunerar seus acionistas cuja despesa pode ser deduzida do imposto a pagar. Dessa forma, o pagamento de JCP estimula o uso de capital próprio das empresas, ao rebaixar o custo do uso de recursos do acionista em projetos de investimento.

No estudo, os economistas destacam que esse mecanismo é particularmente relevante numa economia como a brasileira, marcada por forte restrição ao acesso ao mercado de crédito, seja pelo custo proibitivo para muitas operações, que asfixiaria a margem de lucro dos negócios, ou pela falta absoluta de financiamento para determinados segmentos e portes empresariais.

O estudo projeta que haverá incentivo ao endividamento. Isso porque as empresas podem usar novas operações para reduzir a base de cálculo do Imposto de Renda a pagar, já que as despesas com pagamento de juros de financiamentos passam a ser dedutíveis do imposto a ser pago. "Propõe-se uma reforma tributária para empurrar as empresas brasileiras ao endividamento, mesmo sem precisarem", avaliam os autores.

Um ponto que o estudo reforça é que a proposta de mudança do Imposto de Renda "pariu um monstro" ao ser baseada em teses mal fundamentadas e deslocadas da realidade, sem a menor ideia dos impactos da sua implementação, e com a promessa de baixar alíquotas da tributação sobre as empresas. "No caso da tributação da grande empresa, a proposta do Ministério da Economia era uma brincadeira, mas a forma que o relator encontrou beira a insanidade", criticam os economistas.

Para José Roberto Afonso, é curioso que o governo tenha anunciado a proposta da reforma do IR como sendo uma medida que estimulará o investimento empresarial e a retomada da economia brasileira no pós covid, ainda que, ao mesmo tempo, os mais diversos setores se posicionem contrários à proposta.

Afonso, que é pesquisador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), diz que a razão de fundo para movimentos tão desastrados nas propostas tanto do governo quanto das demais forças políticas é o fato de que a economia digital coloca uma realidade completamente nova para o mundo e para o País. Nesse cenário, os serviços serão cada vez mais relevantes, realizados desconhecendo fronteiras, com vínculos de trabalho cada vez mais fluidos e a produção física de bens terá importância econômica muito menor que no século passado.

Segundo ele, nada disso está sendo considerado nas reformas do Congresso, mas terão muitas implicações para o formato do sistema tributário. "Achar que as mercadorias poderão sustentar nossa receita tributária será o caminho direto para grandes rombos fiscais", adverte ele, ressaltando que a tributação da renda tem que estar articulada com os fluxos de renda na economia global para não promover a amplificação do contencioso nos tribunais.

Quem ganha e quem perde com a reforma do Imposto de Renda aprovada na Câmara

Renda do trabalho

  • Desconto

Todos os contribuintes serão beneficiados em alguma medida pela correção na tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Por exemplo: quem ganha R$ 3 mil paga hoje R$ 95,20 de imposto por ano. Com a reforma, poderá desembolsar R$ 37,50.

  • Dedução simplificada

Quem ganha até R$ 52.818 anuais não será afetado, pois poderá abater de forma simplificada 20% de sua renda, até o teto R$ 10.563,60. Para quem tem renda acima disso, pode haver alguma perda pelo teto menor do desconto simplificado (antes era R$ 16.754,34).

Renda do capital

  • Simples nacional

Não houve mudança.

  • Lucro presumido

Empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões ganham, pois hoje são tributadas em cerca de 12%. Como a reforma reduz as alíquotas de IRPJ e CSLL, mas mantém a isenção para os dividendos distribuídos, a alíquota efetiva passa a cerca de 8% para prestadores de serviço. A diferença de tributação dessas empresas para um empregado na CLT vai se ampliar ainda mais.

  • Lucro real

O efeito final da reforma dependerá dos benefícios tributários recebidos e do uso ou não do Juro sobre Capital Próprio para remunerar acionistas e do tamanho da fatia dos dividendos. No caso de uma empresa sem JCP e sem outras deduções, a alíquota hoje de 34% em IRPJ e CSLL cairá para 26%. Assim, a cada R$ 100, R$ 26 serão recolhidos em tributos, e outros R$ 74 ficarão com a empresa. Se a companhia distribuir na íntegra os dividendos, a carga tributária acabará aumentando, pois haverá cobrança de alíquota de 15% na pessoa física sobre os R$ 74.

Estadão
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