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Recuo na retórica hostil de Bolsonaro empolga mercado, mas pouco deve mudar ambiente econômico

Agentes do mercado celebraram a trégua entre os poderes, mas ainda continuam preocupados com os 'problemas reais' do País, como a inflação; além disso, duração da postura pacificadora do presidente é vista com ceticismo

10 set 2021 - 08h35
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BRASÍLIA - O recuo do presidente Jair Bolsonaro na retórica hostil contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) empolgou o mercado financeiro no fim da tarde desta quinta-feira, 9, mas pouco deve mudar o clima para avanço da agenda econômica no Congresso Nacional. Além disso, os agentes celebraram a trégua entre os poderes, mas não tiraram o olho dos "problemas reais" do Brasil, como a inflação, que com o resultado divulgado hoje pelo IBGE já beira os dois dígitos.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a decisão de Bolsonaro de fazer acenos ao ministro Alexandre de Moraes, até então seu alvo preferencial de ataques e a quem já chamou de "canalha", é vista no Congresso Nacional como uma jogada de risco. Muitos ainda "pagam para ver" se o presidente da República seguirá moderando o tom, e mesmo que o faça, a estratégia pode resultar na perda de apoio dentro de sua base mais fiel.

Outro membro de poder avalia que o gesto de Bolsonaro deve garantir "algumas semanas de trégua", mas remanesce certo ceticismo em relação a uma pacificação duradoura.

Nesse cenário, segundo uma das fontes ouvidas pela reportagem, o tema que segue com as maiores chances de avanço é o Orçamento de 2022. Reformas como Imposto de Renda (IR), tributária e administrativa devem continuar enfrentando as mesmas dificuldades que já estavam colocadas antes da bandeira branca estendida por Bolsonaro.

O que pode avançar ainda é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tirar a despesa com dívidas judiciais (precatórios) do teto de gastos, a regra que limita despesas à inflação. Como mostrou a reportagem, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), vai protocolar uma proposta com esse teor e que ajudará a liberar R$ 20 bilhões dentro do limite de despesas - espaço que ajudará a acomodar o novo programa social, Auxílio Brasil, que será o sucessor turbinado do Bolsa Família.

Na avaliação de uma fonte, essa PEC deve se tornar a principal saída para o governo, dado que nem o gesto de Bolsonaro será suficiente para recolocar na mesa de negociações a saída via Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que vinha sendo negociada e dispensaria uma mudança constitucional, que requer do governo forte capacidade de articulação política para garantir apoio de 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação em cada Casa. Nas palavras desse importante interlocutor, "esse vaivém é aceitável na política, não no Judiciário".

Cenário incerto

Embora o mercado tenha reagido bem à mudança na postura radical de Bolsonaro, uma fonte da área econômica observa que não houve alteração na percepção de outros riscos, como a própria inflação. Hoje, o IPCA surpreendeu para cima e teve o maior resultado para meses de agosto em 21 anos. O acumulado chega a 9,68% em 12 meses.

Um técnico observa que a divulgação da "declaração à nação" derrubou as taxas de juros de prazos mais longos, que tiveram forte alta na esteira do maior risco político e das incertezas em relação à situação fiscal do País. Mas os juros para prazos mais curtos não reduziram a ponto de devolver todo o aumento dos últimos dias.

No mercado futuro, por exemplo, a taxa de juros para 2023 fechou segunda-feira, 6, antes das manifestações, em 8,650% ao ano. Hoje, ficou em 9,245% no fim da sessão regular de negócios, antes da divulgação da nota de Bolsonaro. Um aumento de quase 0,60 ponto em um intervalo de três dias.

Com a nota do presidente em tom mais amistoso, houve recuo a 9,025% na sessão estendida do mercado - mais ainda longe de voltar ao patamar de antes dos protestos com teor antidemocrático. Segundo a fonte, o mercado não só incorpora o risco maior da inflação no curto prazo, mas também a "esticada de corda" foi tamanha nos últimos dias que o recuo é recebido com cautela.

Além disso, as paralisações de caminhoneiros apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e seus possíveis efeitos sobre o abastecimento e a inflação seguem no radar. Desde ontem, muitos estão incrédulos com a nova postura de seu líder.

Estadão
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