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Proposta de reforma tributária foi um duro golpe no mercado imobiliário

Ao desestruturar todo um sistema tributário, projeto poderá trazer consequências não desejadas, como desemprego, menos investimento e menos moradia

30 jun 2021 - 04h10
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O mercado imobiliário, que vem sendo uma das locomotivas da recuperação econômica neste período de pandemia, pode sofrer um profundo golpe na sua organização, com repercussões nos preços e na oferta de imóveis residenciais, comerciais, logísticos e industriais, e, naturalmente, na geração de emprego e renda. E isso em razão da proposta de reforma tributária apresentada pelo governo federal na última sexta-feira.

A despeito da boa intenção em corrigir a tabela do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas e aumentar a tributação da chamada renda passiva - aquela decorrente da aplicação do capital, tais como juros, dividendos e rendimentos -, a forma pela qual foi redesenhada a tributação sobre a renda trará, se aprovado o projeto, um desincentivo ao investimento em imóveis.

Comecemos pelos fundos imobiliários (FIIs), que, nos últimos anos, somente como exemplo, foram responsáveis por 64% dos investimentos em logística e imóveis comerciais do País. Esses fundos seriam taxados a uma alíquota de 15%, gerando um potencial de arrecadação de R$ 1,050 bilhão ao ano. Somente na sexta-feira passada, o Ifix, índice que reflete a variação dos FIIs, teve uma perda de R$ 3 bilhões, superior, portanto, à arrecadação que seria gerada. Tudo isso apenas em função da notícia de aumento da sua tributação.

Atualmente, a média de dividendo pago pela indústria dos fundos de "tijolo" é de 6,8% a.a. e, com a citada tributação, haveria uma redução para 5,7% a.a., próximo à remuneração dos títulos do governo, sem, no entanto, o risco inerente à atividade empresarial. A proposta de aumento da carga tributária fará com que o investimento em imóveis para renda e desenvolvimento de galpões e edifícios comerciais flua para outras categorias de ativos, com risco/retorno mais atrativos, deixando de ofertar ao mercado sites de qualidade e preço para o crescimento dos negócios empresariais.

Camufladas no projeto encontram-se mais três disposições que desorganizam a estrutura do mercado imobiliário, levando aos mesmos efeitos que potencialmente veremos nos FIIs, dentre os quais, o desinvestimento. A primeira delas é a alteração da tributação das Sociedades em Conta de Participações, instrumento utilizado cotidianamente para a viabilização de parcerias e investimentos em desenvolvimentos imobiliários.

Além disso, há a intenção de vedar a opção pelo lucro presumido a empresas que possuem receita de locação e compra e venda de imóveis, obrigando-as à tributação pelo lucro real. Tal dispositivo, se aprovado, inviabilizará o desenvolvimento da atividade empresarial em investimento de imóveis para renda, o que, se somado à aprovação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), levaria a tributação para 54% sobre as receitas recebidas (32,5% de IR/CSLL, 12% de CBS e 20% de IR sobre lucros), um verdadeiro confisco. Com a mesma carga tributária, os loteamentos seriam atingidos e, consequentemente, também inviabilizados.

Por fim, a tributação dos lucros distribuídos atingiria o modelo de organização das incorporadoras. Por exigência do mercado de crédito e dos consumidores, essas empresas constituem sociedades específicas para cada empreendimento, normalmente tributadas pelo lucro presumido ou pelo regime especial do patrimônio afetado (RET). Assim, o resultado de cada empreendimento é compartilhado em uma holding, que assume os custos operacionais de gestão, financiamento, planejamento, marketing, dentre outros. Com a tributação na distribuição de lucros entre as SPEs e a holding, parte do resultado do grupo será bitributado, culminando em custos adicionais e ineficientes para a estrutura empresarial.

Ao desestruturar todo um sistema de tributação imobiliária ajustado nos últimos anos e que vem gerando receita e crescimento econômico ao País, este projeto poderá trazer consequências não desejadas pela sociedade: mais desemprego, menos investimento e menos moradia.

*ADVOGADO, MESTRE E DOUTOR EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA USP E MEMBRO DO CONSELHO JURÍDICO DA PRESIDÊNCIA DO SECOVI-SP

Estadão
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