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IGP-M: vale a pena manter o índice para correção de contratos?

Discussão foi retomada depois da recente disparada do índice, que, no acumulado dos 12 meses encerrados em fevereiro, chegou a 28,94%, sua maior alta desde maio de 2003

5 mar 2021 - 23h02
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O Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M) voltou a ser colocado na berlinda e apontado por setores da economia e economistas como um péssimo indexador de contratos, especialmente de aluguel e alguns serviços. A discussão voltou à baila depois da disparada recente do índice. No acumulado dos 12 meses encerrados em fevereiro, o IGP-M bateu em 28,94%, sua maior alta desde maio de 2003, quando fechou em 31,53%. Mas, no mês anterior, já tinha acumulado em 12 meses alta de 21,71% enquanto o IPCA subiu 4,56% no mesmo período.

As críticas feitas à utilização do IGP-M para reajustes de contatos concentram-se especialmente no fato de sua ponderação dar peso maior, de 60%, para matérias-primas cujos preços são formados no mercado internacional de commodities, cotadas em dólar. Entendem os críticos que o IGP-M acaba por se apresentar como um eficiente canal para importação de inflação externa que nada tem a ver com os custos dos contratos que ele reajusta.

O exemplo mais citado são os contratos de locação de imóveis comerciais e residenciais reajustados pelo indicador da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A pergunta que vem logo em seguida do exemplo é sobre que relação tem o preço aluguel com um eventual reajuste do preço do minério de ferro ou da soja no mercado internacional, só para dar dois exemplos, ou com a desvalorização cambial em um determinado momento ou outro.

A favor do IGP-M pesa apenas o seu calendário de divulgação, que permite a publicação do índice dentro do próprio mês de referência, enquanto o IPCA, do IBGE, só se torna conhecido após decorrida mais da metade da primeira quinzena do mês subsequente. O IPCA de fevereiro, para se ter uma ideia, será divulgado apenas no dia 10 de março.

Esse atraso na divulgação do IPCA para além do seu mês de referência é o que justifica, em parte, a insistência na utilização do IGP-M como indexador de contratos, avalia o economista e professor da FEA-USP e ex-coordenador do IPC-Fipe, Heron do Carmo.

O problema maior do IGP-M, de acordo com o presidente do Conselho de Economia e Política da FecomercioSP, Antônio Lanzana, é a sua ponderação, que continua a mesma desde o lançamento do primeiro IGP, em 1947, e imprime muita volatilidade ao índice. O IGP-M dá peso de 60% para os preços no atacado (IPA), de 30% para os preços ao consumidor (IPC) e de 10% para a construção civil (INCC).

"O IGP-M não reflete a realidade atual da economia brasileira porque carrega um peso muito grande do câmbio e das commodities, que com a retomada da economia da China, voltaram a disparar", diz Lanzana. "E não estamos falando isso agora só porque o IGP-M disparou. Estamos nesta luta desde 1980. Até porque, quando ele registrou deflação, também não refletiu a realidade da economia brasileira."

Heron também destaca o que chama de peso excessivo às matérias-primas. "Essa ponderação faz com que o IGP-M seja muito suscetível às variações de commodities no mercado internacional e à taxa de câmbio. Acaba por importar inflação de commodities cujo mercado é naturalmente muito volátil", diz.

Coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV, o economista André Braz diz não ver nenhum problema em usar o IGP como indexador. Mas, de acordo com ele, é preciso saber o que está sendo indexado, o que precisa ser corrigido. "Contrato de aluguel não era para ser indexado em IGP", diz o próprio economista da FGV.

Ele lembra que, de 1989, quando foi lançado o IGP-M, até junho de 1994, último mês antes do lançamento do Plano Real, o IGP-M e o IPCA "andavam de mãos dadas, com suas taxas de 12 meses mostrando a mesma coisa".

"Era uma curva ascendente e uma colada na outra. Não dava nem para saber que parte da curva pertencia ao IPCA e qual pertencia ao IGP. Então, aquilo mostrava que na hiperinflação era tudo indexado e qualquer índice de preço que fosse usado daria praticamente o mesmo resultado", disse Braz, reforçando que o IGP-M sempre teve a vantagem de ser divulgado no penúltimo dia útil de cada mês, o que a FGV continua fazendo até hoje.

Para o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, a insistência em se utilizar o IGP-M nos contratos revela muito do que é o povo brasileiro. "É uma forma de os donos de ativos dolarizarem seus bens. Não se aceita menos que o dólar para retorno de seus negócios. A verdade é que matamos o dragão da inflação, mas ficamos brincando com ossos no jardim", critica.

Perfeito concorda com seu colega da FGV de que, quando o Brasil tinha uma inflação alta, as pessoas não ligavam muito para o indicador que era usado para reajustar seus contratos. Mas hoje, com inflação baixa, diz ele, a utilização do IGP-M gera um constrangimento para a vida das pessoas, porque acaba inserindo um impacto de dólar muito forte em questões que não têm a ver com o câmbio, como os contratos de aluguel, planos de saúde e mensalidades escolares.

"Os donos de ativos acabam sendo remunerados de uma forma descabida, que não tem nada a ver com a dinâmica da economia no Brasil. É um tipo de mentalidade que não cabe mais num período de inflação sob controle", diz Perfeito. Segundo ele, o Plano Real derrubou a inflação, mas a alma do brasileiro não foi ainda desindexada.

"Isso tem a ver com o tipo de relação social muito específica que tenta apaziguar conflitos através da indexação", explica. Evita-se a discussão apresentando um negócio pronto. "Tudo isso revela a mentalidade inflacionária do brasileiro, apesar de a inflação ter morrido há 20 anos", disse.

Estadão
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