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'História sugere aumento dos gastos', diz Chicago Boy

Para economista, porém, seria possível evitar esse incremento com reformas e reorganização dos gastos

15 jan 2021 - 20h06
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Rolf Lüders foi ministro da Economia e da Fazenda da ditadura Pinochet. Hoje professor da PUC do Chile, afirma que a pandemia evidenciou deficiências da ação do Estado e que, apesar de esses problemas poderem ser corrigidos com modificações nos gastos e reformas, duvida que isso aconteça. "A prática histórica sugere que esse não será o caso", afirmou por e-mail.

Lüders lamenta o fato de que, provavelmente, haverá um aumento permanente da interferência do Estado na economia, mas considera positivo o resultado econômico do Brasil em 2020 - influenciado justamente pela expansão do gasto público. "Se julgarmos o que aconteceu exclusivamente do ponto de vista do crescimento econômico e em relação às demais grandes economias da região, o Brasil teve uma queda do PIB muito menor. (…) . Você pode pedir muito mais?", questiona.

Em todo o mundo, os governos foram mais ativos na economia no ano passado. Essa tendência deve continuar?

De fato, a grande maioria dos países, senão todos, aumentou os gastos fiscais para ajudar os desempregados e adotar medidas de saúde. Esse aumento nos gastos do Estado, anticíclico, é de curto e médio prazos e corresponde ao que os economistas chamam de política macroeconômica. Em relação a uma mudança estrutural, ou seja, a um aumento permanente da interferência do Estado na economia, seja em gasto social ou em regulação da atividade, infelizmente, é muito provável que isso seja observado, porque a pandemia revelou, em um grande número de países, deficiências importantes na ação do Estado. Apesar de que a maioria dessas deficiências pode ser remediada com uma reforma do Estado que modifique os gastos, em vez de aumentar os gastos e as regulações existentes, a prática histórica sugere que não será esse o caso.

Os chilenos aprovaram, no ano passado, a elaboração de uma nova Constituição. É provável que, com essa nova Constituição, o Estado chileno cresça. Como avalia a decisão dos chilenos? Acredita que seja uma rejeição ao sistema econômico?

Provavelmente existe um pouco disso. Muito se tem falado sobre o "modelo neoliberal", em referência ao sistema atual, e que seria desejável modificá-lo para uma "social-democracia" ou, ainda, para um "socialismo do século XXI". Gosto de distinguir entre "sistema" e "modelo" econômico, sendo o primeiro um conjunto de princípios que orientam a atividade socioeconômica e o segundo, sua aplicação em todos os momentos, situação que depende da evolução das preferências dos eleitores . O Chile adotou décadas atrás uma economia social de mercado, em vez de outros sistemas possíveis, como uma economia centralizada, mista ou liberal. O seu modelo evoluiu, nas últimas décadas, de uma economia relativamente fechada ao comércio internacional, com elevada intervenção discricionária do Estado, para uma economia aberta e com papel subsidiário do Estado. Não há dúvida de que no Chile o modelo mudará, mas tenho esperança de que o sistema não.

Chilenos estavam frustrados com queda do crescimento econômico, segundo Lüders
Chilenos estavam frustrados com queda do crescimento econômico, segundo Lüders
Foto: Divulgação/Centro Libertad y Desarrollo / Estadão

Como avalia os protestos no Chile que resultaram no plebiscito por uma nova constituição?

Minha explicação preferida - a questão, com certeza, tem mais de uma causa - está relacionada com a frustração de expectativas depois de anos de queda significativa da taxa de crescimento econômico do país. Isso se traduziu em problemas financeiros em muitos lares, que começaram a gastar mais que suas rendas. Foi nesse momento que a redistribuição da renda - sem dúvida - desigual pareceu como uma possível solução à situação. Não parecia haver tanto um clamor por uma mudança no sistema econômico-social, mas um pedido por mudança de objetivos, de crescimento e redução de pobreza a uma justiça distributiva mais favorável à classe média.

O governo decidiu que as empresas também devem colaborar com a previdência dos trabalhadores. Acha que era necessário?

Nessa área, que é prioritária, segundo as pesquisas com a população, também estão fazendo o que é possível para alcançar um pacto amplo. As aposentadorias do Chile não são baixas porque o sistema de capitalização não funciona. As poupanças foram bem administradas a um custo razoável. As aposentadorias são baixas porque não modificaram os parâmetros: taxa de colaboração e idade de aposentadoria. Agora vão introduzir um pilar solidário que será administrado por um ente autônomo. O fato de que as empresas agora também vão contribuir com as aposentadorias não é um problema, dado que o sujeito em que recai essa colaboração não muda em função de quem faça o cheque. Também não é problema a existência de um ente administrador autônomo, desde que haja concorrência. Pessoalmente, o que menos me convence do projeto que está sendo discutido no Congresso é que aumenta a complexidade de um sistema já muito difícil de compreender, exceto por especialistas.

O sr. conheceu o ministro Paulo Guedes em Chicago ou quando ele trabalhava no Chile?

É possível que tenhamos participado de algum seminário ou reunião de economistas, já que ele trabalhou um tempo na Universidade do Chile.

Como avalia sua política econômica?

Não tenho acompanhado a evolução da economia brasileira com profundidade. Entendo que foi aprovada uma reforma previdenciária que, embora não seja a originalmente aspirada pelo regime de Bolsonaro, tende a solucionar os principais problemas fiscais do regime anterior, fato que provavelmente está contribuindo para a baixa inflação do país. Como no resto do mundo, também no Brasil a política de saúde determinou em grande parte a evolução da economia em 2020. Se julgarmos o que aconteceu exclusivamente do ponto de vista do crescimento econômico e em relação às demais grandes economias da região, o Brasil teve uma queda do PIB muito menor, estimada em 4,4%, contra quedas de 10,5% e 9,1%, respectivamente, na Argentina e no México. E, em termos de projeções, essas três economias apresentam taxas de crescimento anual semelhantes, em média 2,5% ao ano, de modo que o Brasil atingirá seu nível de tendência muito mais cedo. Você pode pedir muito mais?

O sr. disse uma vez que talvez um governo não autoritário não teria conseguido adotar as reformas liberais que o Chile implementou durante a ditadura. Ainda acredita nisso?

Claro. Entre os anos 1950 e 1970, as economias desenvolvidas eram de mercado e os países em desenvolvimento - com exceção de três ou quatro economias asiáticas, de cultura poupadora e trabalhadora - tinham economias mistas ou centralizadas, com resultados ruins ou péssimos. Nesses anos, os especialistas, geralmente europeus ou americanos, eram semideuses e pregavam algumas variações de planificação econômica e social, além de protecionismo. Era o que havia e o que os tecnocratas de então propunha. Apesar dos seus resultados medíocres, essas políticas tinham um amplo apoio da população. Foi necessária uma grande crise e um governo autoritário para quebrar o paradigma existente. Hoje, há muitos exemplos de economias em desenvolvimento que abandonaram o arquétipo dos anos 1950, 1960 e 1970 e adotaram com sucesso, e na democracia, estratégias liberalizantes.

Acha, então, que o sucesso econômico é mais importante que a perda da democracia?

Não acho que seja possível comparar os custos de um regime autoritário com os benefícios de uma economia de sucesso que foi possível por esse regime. O que às vezes acontece é que determinados conflitos sócio-políticos se resolvem com a instalação de regimes autoritários ou, ainda pior, totalitários. E foi no contexto de uma situação assim que o Chile optou, no começo dos anos 1970, por uma economia de mercado livre, que, para mim, deu bons resultados. Esses resultados são frutos da lógica do tipo de economia adotada e não da institucionalidade política que a amparou. No entanto, é possível argumentar, como fazia Milton Friedman, que um regime que privilegia a economia de mercado, mais cedo ou mais tarde, vai optar por um regime político livre também.

Acredita que um governo autoritário não seja mais necessário?

Não, hoje há um ambiente que não exige impor reformas econômicas. Atualmente, há países em desenvolvimento que liberalizaram suas economias com sucesso. Além disso, a profissão de economista mudou em boa medida suas recomendações de política econômica, que antes favoreciam a planificação e o protecionismo e agora favorecem o funcionamento de mercados livres e competitivos e uma abertura internacional.

Estadão
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