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Funchal cita discussão jurídica sobre precatórios e nega contabilidade criativa no Renda Cidadã

Após críticas, secretário do Tesouro Nacional evitou dar sua opinião sobre o programa, mas disse que do ponto de vista técnico, a medida não corta nenhuma despesa de forma permanente

29 set 2020 - 18h04
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BRASÍLIA - Após a enxurrada de críticas contra o adiamento de precatórios (valores devidos após sentença definitiva na Justiça) para bancar o Renda Cidadã, o novo programa social do governo Jair Bolsonaro, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, reconheceu a necessidade de uma discussão jurídica sobre o tema e destacou também a reação negativa do mercado financeiro.

Diante da insistência de jornalistas em saber a posição do Tesouro sobre o tema, Funchal admitiu que, do ponto de vista técnico, a medida não corta nenhuma despesa de forma permanente. Mas ele evitou tecer críticas mais contundentes à iniciativa, que foi endossada publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes - que ladeavam o relator do Orçamento e da PEC do pacto federativo, senador Marcio Bittar (MDB-AC), no momento do anúncio ontem.

Apesar de toda a repercussão, o secretário garantiu que o governo segue comprometido com o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação e funciona hoje como uma "superâncora" junto aos investidores, e alertou que não adianta adotar nenhuma ação que mine essa credibilidade. "Não tem contabilidade criativa. Estamos em um processo de debate e a nossa posição é manutenção do teto de gastos e melhoria da eficiência dos gastos", afirmou.

Antes de os precatórios se tornarem a solução para bancar o Renda Cidadã, a equipe econômica defendia cortes em outras despesas, como abono salarial (espécie de 14º salário a trabalhadores com carteira e salário até R$ 2.090), e desindexação de gastos (que resultaria, por exemplo, no congelamento de aposentadorias). Mas essas vias foram abortadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que ameaçou dar "cartão vermelho" a quem propusesse algo do tipo.

Desde então, Guedes impôs uma espécie de "lei do silêncio" a sua equipe para evitar novos ruídos na negociação do Renda Cidadã com o Congresso Nacional. Questionado se isso iria coibir o Tesouro Nacional de expor suas manifestações técnicas, Funchal negou a possibilidade. "Não (coíbe), o posicionamento do Tesouro é bastante técnico. Quem não gostaria de ter uma opinião técnica sobre alternativas que podem ser tomadas? Nosso papel é estudar e mostrar as consequências, pelo bem do próprio presidente e da sociedade", disse.

Em tom ameno, porém, ele também sinalizou que a opinião pública precisa "escutar as ideias políticas como essa" e então entender as consequências. "Faz tudo parte do debate", afirmou.

Na coletiva para o anúncio do resultado das contas do Tesouro em agosto, Funchal repetiu diversas vezes que o debate do Renda Cidadã é "político" e contou que ainda não teve acesso ao texto do relator. O novo programa, se criado nos moldes anunciados por Bittar, deve representar mais de R$ 65 bilhões em despesas permanentes do governo federal (juntando os R$ 35 bilhões previstos para o Bolsa Família em 2021 e outros R$ 30 bilhões que o relator quer injetar na iniciativa).

"Eu ainda não vi o texto, está muito no debate das ideias. Vamos ver o texto, vamos ver a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão jurídico da Economia), vamos discutir juridicamente quais é o entendimento em relação a isso", disse Funchal. Como mostrou o Estadão/Broadcast, a proposta de limitar os pagamentos de precatórios a 2% da receita corrente líquida, como anunciado por Bittar, já foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando analisou essa medida para Estados e municípios.

Do ponto de vista econômico, Funchal evitou dizer claramente a posição do Tesouro e citou a reação negativa do mercado financeiro - ontem, após o anúncio, dólar e juros subiram e a Bolsa caiu na esteira da maior percepção de risco fiscal. "Em termos econômicos, teve já sinal claro nos juros, no câmbio, porque não é uma redução de despesa. Agora, é importante também falar olhando para o texto. Tem uma questão jurídica importante", disse.

Estadão
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