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'Estratégia ambiental do governo é equivocada, míope e de curto prazo', diz ex-presidente da SRB

Para Pedro de Camargo Neto, Brasil ficou em posição subalterna frente aos EUA, China e Europa, os grandes responsáveis pelo aquecimento global

8 abr 2021 - 15h10
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A estratégia do governo brasileiro na questão ambiental é míope e equivocada e o Brasil está numa posição subalterna em relação aos Estados Unidos, China, Europa, os grandes responsáveis pelo aquecimento global. A avaliação é de Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura nos anos 2001 e 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Apesar do avanço do desmatamento, Camargo Neto diz que o Brasil está numa posição até vantajosa em relação a esses países quanto à questão climática pelo fato de ter uma matriz energética limpa, com hidrelétricas, carro a álcool, biodiesel. Com isso, teria condições de adotar uma estratégia diferente já na cúpula global sobre a mudança climática, marcada para o fim deste mês nos Estados Unidos.

No lugar de pedir dinheiro aos países ricos, o governo, na sua opinião, deveria pressionar as nações causadoras do aquecimento global para que elas façam a sua parte, já que o aquecimento global pode provocar uma catástrofe e colocar em risco a agricultura brasileira . "Estamos brigando pelo desmatamento ou pedindo dinheiro para os países ricos ao invés de pressioná-los. Há toda uma estratégia para ganhar dinheiro com o que pode ser uma catástrofe." A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. vê a atual situação do agronegócio e da pauta ambiental?

Há uma polarização geral no País e no agronegócio, que afeta até a pauta ambiental. Tem uma parte que defende o governo Bolsonaro, independente de qualquer coisa. E outra parte que o contesta. Essa polarização tem impedido debates construtivos dentro do agronegócio e em qualquer outro lugar, o que dificulta muito resolver a questão.

Como o agronegócio vem lidando com a pauta ambiental da sustentabilidade dos seus produtos e da redução do desmatamento?

Todo mundo tem a questão da sustentabilidade como uma preocupação. Digo isso com tranquilidade, porque fui presidente da Sociedade Rural Brasileira nos anos 1990 e lancei em 1994 uma cartilha sobre a preservação do meio ambiente. Existiu a preocupação de ter um Código Florestal. A questão climática ganhou projeção internacional muito grande com a eleição do Biden (Joe Biden, presidente dos Estados Unidos). A conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) marcada para o final do ano vai ser muito relevante e terá influência muito grande no setor. A Europa tem todo um direcionamento da sua política agrícola pautada na questão ambiental e os Estados Unidos estão caminhando nesse sentido. E a gente está aqui ou brigando pelo desmatamento ou pedindo dinheiro. É o que o governo tem feito. O Salles (Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente) esteve em Madri e pediu dinheiro, quando apresentou a meta no Acordo de Paris de neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa. E agora, na cúpula (cúpula global sobre a mudança climática que ocorre no fim deste mês nos EUA), ele está pedindo dinheiro. Vejo isso como equivocado, porque o Brasil e a agricultura brasileira correm risco muito grande por conta do aquecimento global.

Como assim?

O aquecimento global, que ainda não chegou a um grau e meio acima do nível pré-industrial, já abriu áreas de produção na Rússia que antes eram geladas. No Brasil, temos cinco biomas e podemos ter mudanças no regime de chuvas que podem colocar em risco a nossa produtividade de regiões inteiras. O aquecimento global pode colocar em risco a agricultura brasileira ou parte dela.

Como tratar essa questão?

O Brasil tinha de ter uma estratégia. Quem está causando esse aquecimento global não é o País. São os Estados Unidos, a China e a Europa. Eles estão causando algo que pode nos prejudicar muito. Ao invés de pressioná-los, estamos pedindo dinheiro. A perda de produtividade de duas safras é um prejuízo muito maior do que qualquer coisa que se possa obter com crédito de carbono. E aqui só se fala em dinheiro, crédito de carbono, pagamento de serviço ambiental. Há toda uma estratégia para ganhar dinheiro com o que pode ser uma catástrofe.

Então a estratégia do governo é equivocada?

É totalmente equivocada, míope e de curto prazo. Estados Unidos, China e Europa estão causando o desastre e preocupados em não continuar causando. Estão reduzindo a emissão de gases de efeito estufa, fazendo investimentos milionários no carro elétrico, por exemplo. Nós, que podemos sofrer o desastre que eles estão provocando e podemos pagar o pato, parece que não estamos preocupados. Estamos vendo como oportunidade para ganhar dinheiro.

O que precisaria ser feito para mudar isso?

Precisaria ter consciência. O aquecimento global é sério. Esse um grau e meio não pode acontecer, porque terá reflexos no Brasil. Como o País está numa posição até vantajosa, temos uma matriz hídrica na energia elétrica, carro a álcool, biodiesel, teríamos de pressionar fortemente a Europa, China, Estados Unidos para eles fazerem a parte deles. Nós teríamos de estar numa posição de força, pressionando, não querendo passar o pires. Acho que é um erro estratégico e muito grave. A questão do aquecimento global não é gripezinha. É algo sério, mas existe o negacionismo, o mesmo que há em relação à covid-19.

E o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como está nessa história?

O Salles diz que está ótimo com o Kerry (John Kerry, enviado dos EUA para o clima), que são aliados. Até pediu US$ 1 bilhão para barrar o desmatamento ilegal. Acho que a cúpula global sobre a mudança climática marcada para o fim do mês nos EUA não tinha de ser usada para pedir dinheiro para os EUA, Europa, setor privado ou quem quer que seja. Mas para pressionar esses países, do que ser parceiro.

O sr. acha que o Brasil tem condição de virar o jogo da agenda ambiental?

Virar o jogo não tem condição, mas acho que estamos numa posição subalterna. E, no clima, não éramos para ser subalternos. O Brasil é um país positivo com o clima. Não é por coincidência que a Rio Eco 92 foi no Brasil.

Mas e o desmatamento?

No desmatamento não fizemos nada. Não podíamos ter deixado o desmatamento chegar onde chegou. O desmatamento é o nosso calcanhar de aquiles. Basicamente, é ilegal e cresceu. O último dado do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostra que o desmatamento cresceu 9,5% na Amazônia de 2019 para 2020 e no Pará, 24%. É um absurdo o Pará ter esse aumento no nosso nariz. O que estamos fazendo? Nada ou quase nada. Estamos pedindo uma graninha para começar a fazer. Está errado.

O compromisso brasileiro de reduzir o desmatamento até 2030, firmado no Acordo de Paris, é factível?

Acho que tem de reduzir o desmatamento hoje, não por causa do Acordo de Paris. Porque é lei. Tem de enfrentar o desmatamento ilegal porque está na lei brasileira, não por causa de Biden, Estados Unidos, nem por causa do consumidor europeu.

O agronegócio está fazendo algo nesse sentido?

Acho que está dividido, porque está polarizado. O que se vê é que setores que sofrem pressão da Europa em cima de seus produtos têm feito algo. Isso é bom, mas insuficiente.

O sr. vê risco de boicote às exportações brasileiras do agronegócio por causa da questão ambiental?

Sim, vejo, embora a Europa, que lidera esse boicote, seja cada dia menos relevante nas exportações brasileiras. Mas é preciso ter uma agenda ambiental não pensando nas exportações. Tudo tem de ser sustentável para o consumidor brasileiro.

O sr. acha que existem condições de se dar passos nessa direção com essa configuração política atual?

Acho que a sociedade tem de se posicionar. Se houver essa clareza, se a sociedade estiver mobilizada, qualquer governo muda.

Estadão
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