Estímulos como o da isenção de IR são desafio para o corte da Selic, diz economista do Barclays
'Não podemos descartar um corte em janeiro, mas isso exigiria uma fraqueza incontestável dos dados e uma desaceleração mais clara do mercado de trabalho', diz Roberto Secemski
Além do mercado de trabalho aquecido e da inflação de serviços resistente, uma série de medidas governamentais darão fôlego extra à atividade em 2026 e impõem um desafio adicional para o Banco Central iniciar o ciclo de afrouxamento da Selic, a taxa básica de juro. A avaliação é de Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays, que continua a esperar o primeiro corte a partir de março.
"Não podemos descartar a possibilidade de um corte em janeiro, mas isso exigiria uma fraqueza incontestável dos dados e uma desaceleração mais clara do mercado de trabalho e dos componentes mais resilientes da inflação", disse Secemski em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.
O economista pondera que é difícil precisar como esse conjunto de iniciativas, que envolve desde a ampliação da isenção do Imposto de Renda (IR) até o programa que subsidia reformas de residências, irá surtir efeito na atividade, mas o saldo deve ser positivo, o que o levou a elevar a projeção para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) do ano que vem de 1,7% a 2%.
Em conjunto com os dados de emprego e inflação, o quadro aponta para um ciclo modesto de redução do juro básico, que deve chegar a 12,75% em setembro do ano que vem, projeta Secemski. Na visão dele, o Banco Central deve ter abordagem bastante gradual em sua comunicação para sinalizar quando o afrouxamento monetário vai começar.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O sr. elevou a estimativa para alta do PIB em 2026, de 1,7% a 2%, devido principalmente a políticas fiscais expansionistas. Como o quadro de atividade mais resiliente e política fiscal mais frouxa afeta os próximos passos para a política monetária?
O principal ponto é que não são apenas medidas fiscais, é uma combinação de programas de caráter mais expansionista que se materializam ao longo dos próximos trimestres. Levantamos ao todo R$ 225 bilhões no ano que vem que poderiam de alguma forma adentrar a economia: um impulso relevante de crédito habitacional, seja via Minha Casa Minha Vida ou Sistema Financeiro Habitacional (SFH), inclusive agora com o programa Reforma Casa Brasil, com linhas subsidiadas, e a isenção do Imposto de Renda (IR) para salários de até R$ 5 mil — que ainda que seja fiscalmente neutra, não é neutra do ponto de vista de consumo —, entre outras iniciativas do governo. Tudo isso sugere uma sustentação da economia que pode ser relevante e mantém o PIB rodando acima de seu potencial por mais algum tempo. Esse número de R$ 225 bilhões impressiona, e há uma dificuldade em medir quanto se traduz em impulso à atividade, mas tudo isso sugere um ambiente em que parte do esforço da política monetária seguirá neutralizado, de certa forma, por iniciativas de cunho expansionista, o que enseja espaço relativamente pequeno para redução dos juros.
Quão pequeno é esse espaço?
Projeto 2,25 pontos porcentuais de corte da Selic no ano que vem, começando em março e indo até setembro, o que considero um ciclo de afrouxamento restrito. As condições monetárias em geral seguirão apertadas, com transmissão para a atividade nos próximos trimestres, então há fatores que apontam em direções diferentes atuando sobre a atividade econômica. Por isso aumentamos a expectativa para a alta do PIB no próximo ano, mas ela é contrabalançada pela política monetária e pela composição diversa dos impactos de vários programas na economia. Mas tem duas políticas incontestáveis que devem ter efeito no consumo e de forma relativamente rápida: a isenção do IR a partir de fevereiro, e o programa de reformas de casas do governo.
Além destas medidas com efeito positivo na atividade, há outros fatores que impedem um corte antes de março e redução maior da Selic?
Voltando um passo atrás, é incontestável que a atividade econômica e a inflação têm evoluído na direção esperada da política monetária. A questão é se estão enfraquecendo mais rápido do que o esperado. Acho que, para justificar um adiantamento de planos de corte, não. Quando olhamos a atividade em detalhes, a desaceleração não está sendo acompanhada de enfraquecimento do mercado de trabalho. Há sinais tênues de que um ponto de inflexão está próximo: a taxa de desemprego deixou de cair, mas não está subindo. Os salários reais seguem crescendo, mas em ritmo menor. Então temos a atividade desacelerando, mas o mercado de trabalho continua robusto. Claro que há também um desafio de 'timing', porque o emprego é o último elo da atividade a reagir, mas esse setor justifica alguma cautela antes de o Banco Central declarar que a missão está cumprida.
E a inflação? O sr. tem destacado bastante a resistência dos serviços em suas últimas análises.
Temos visto melhora da inflação, mas muito ancorada na moeda, que apreciou, o que se traduz em desaceleração de bens comercializáveis e alimentação, mas não muito em itens não comercializáveis, mais especificamente serviços — principalmente os subjacentes. Nas últimas duas leituras do IPCA houve uma surpresa baixista com o núcleo de inflação de serviços, mas explicada por apenas um item: seguro de veículos, que caiu 8% nos últimos dois meses. Ao mesmo tempo, vemos movimentos que causam desconforto: aluguéis subiram 0,95% no último mês e a parte de serviços intensivos em mão de obra dentro do IPCA-15 subiu 6,4% em 12 meses — maior nível em 28 meses. Na superfície, vemos a atividade e a inflação se movendo na direção correta e esperada, mas essa desaceleração não é um processo maduro. Tem essas duas questões não resolvidas: a força do mercado de trabalho e o efeito disso na inflação.
Ainda assim, os últimos dados de atividade mostraram perda de ímpeto, e espera-se um resultado fraco para o PIB do 3º trimestre, a ser conhecido no início de dezembro. Qual a sua previsão para este dado? E ele pode ser um gatilho para o Copom suavizar a comunicação na última reunião de 2025?
Minha projeção, ainda preliminar, é de alta de 0,2% para o PIB do terceiro trimestre na comparação dessazonalizada com o trimestre anterior. Mas acho que mais importante do que o 'headline', será a composição deste crescimento. É importante lembrar que o BC tem revisado para cima suas estimativas para o hiato do produto (diferença entre o PIB efetivo e potencial), e parte do exercício de política monetária é induzir a uma abertura do hiato, que agora está positivo, ou seja, com a economia crescendo acima do seu potencial, e precisa passar para campo negativo. Não tem como fazer uma omelete sem quebrar os ovos. Acho que uma mudança de comunicação do BC em dezembro dependeria muito mais dos motivos da surpresa do que de uma potencial surpresa negativa com a atividade em si. Reforço que o ponto mais importante é o mercado de trabalho.
Nesse cenário, um corte em janeiro está descartado?
Não podemos descartar essa possibilidade, mas um corte em janeiro exigiria uma fraqueza incontestável dos dados e uma desaceleração mais clara do mercado de trabalho e dos componentes mais resilientes da inflação. Este não é nosso cenário-base.
Como o BC pode sinalizar ao mercado o início do corte de juros sem levar a uma precificação exagerada de redução da Selic?
A comunicação do BC tem sido muito cautelosa e ele está começando a colher alguns frutos dessa abordagem, não só com a queda das projeções inflacionárias de curto prazo, mas também para 2027 e 2028, embora elas sigam distantes da meta (3%). De qualquer forma, minha impressão é a de que a comunicação do BC deve evoluir de forma gradual ao longo das próximas reuniões, com inflexões aos poucos. Tendemos a ver mudanças na margem nos próximos encontros, que seguem dependentes da evolução do cenário. Uma virada mais forte poderia machucar o processo de reconquista da credibilidade do BC.
Ao longo de outubro, vimos queda, ainda que modesta, das taxas longas e intermediárias na curva de juros futuros, apesar de questões como a derrota da MP alternativa à alta do IOF e das discussões acerca do projeto do IR, agora aprovado. O mercado está mais leniente com a questão fiscal? E quão preocupado o sr. está com as contas públicas?
Fazendo uma observação, o DI de janeiro de 2029 tem oscilado entre 13% e 13,5% há cinco meses, e o de janeiro de 2031 está relativamente estável nesse período, próximo a 13,5%. A volatilidade dos DIs tem sido baixa, devido a uma combinação de dólar fraco, de um 'carry trade' alto e de parte dos participantes do mercado com perspectiva de mudança da política fiscal a partir de 2027. Dito isso, acho que é inquestionável que a complacência do mercado sobre o fiscal aumentou quando comparada há um ano. Não só falando da meta, mas do quadro geral, o fundamento fiscal brasileiro é frágil, mas diante de um ambiente externo de certa forma mais favorável aos emergentes, essa preocupação foi postergada, mas segue existindo. O fato de que os juros reais estão perto de 10% com a dívida como proporção do PIB próxima de 80% é insustentável, e o que permite essa complacência temporária do mercado é o dólar fraco, o 'carry' mais forte e o fato de que as eleições de 2026 estão começando a entrar no horizonte.
Como o investidor estrangeiro está olhando para o Brasil?
O gringo tem mostrado mais entusiasmo pela moeda brasileira do que pelos juros, com o dólar fraco e 'carry trade' elevado. A percepção é que vale mais a pena correr risco na moeda do que no juro, porque a moeda tem 'drivers' a favor dela e um 'upside' maior, por causa do panorama global da moeda americana, e porque faltam catalisadores no curto prazo para quebrar aquele 'range' do DI.