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Entender a Amazônia

Pela primeira vez se tentará atuar na região de forma abrangente, integrada e pragmática

26 fev 2020 - 04h10
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Após a 2.ª Guerra Mundial, as organizações multilaterais de fomento priorizaram a agenda do desenvolvimento baseada na industrialização acelerada e no consumo de massa. Vislumbravam-se crescimento econômico contínuo e a ampliação do comércio internacional como forma de evitar novos conflitos. Duas décadas depois, foram incorporados o atendimento às infraestruturas básicas e a ênfase a programas focados na superação da pobreza, maior igualdade e valorização da democracia e da cidadania.

Um certo esgotamento deste ciclo passou a colocar o foco nos limites ecológicos do crescimento. O passo seguinte foi dar atenção às exigências de maior eficiência no uso de recursos produtivos, ou seja, uma mudança na qualidade do crescimento. A contínua expansão industrial no mundo e os aumentos da produtividade agrícola propiciaram níveis de consumo e elevações do padrão de vida nunca imaginados. Mas persistiram a utilização predatória dos recursos naturais e o descaso com as externalidades negativas, em termos de poluição e danos ao meio ambiente. O consumo de recursos naturais atingiu patamares inesperados, gerando desequilíbrios e consequências graves ao meio ambiente. Nos países desenvolvidos, os avanços acelerados em inovações tecnológicas, comunicações e logísticas propiciaram maior eficiência no uso de recursos e observância da pauta ambiental. Nos países em desenvolvimento, a ação predatória atingiu níveis preocupantes.

As agendas desenvolvimentistas, após ignorarem sistematicamente a questão ambiental, tiveram de mudar o foco para o conceito de desenvolvimento sustentável. Isso implicaria países e regiões buscarem a gestão integrada de três tipos de capital: econômico, social e natural, não necessariamente substituíveis ou conflitantes. Economistas preocupados com a questão ecológica alertaram para consequências irreversíveis de combinações inadequadas. Assim, o capital natural não pode ser inexoravelmente substituído pelo econômico nem suas combinações capazes de provocar danos que anulem seu potencial. Embora seja possível encontrar maneiras de repor ou substituir recursos naturais, é preocupante ver pelo mundo danos irreparáveis ao equilíbrio de ecossistemas, à proteção fornecida pela camada de ozônio ou à função de estabilização climática de regiões.

Nesse sentido, a Floresta Amazônica - o patrimônio natural mais valioso do planeta - deve ser entendida como uma síntese de três formas complementares de capital: natural, social e econômico. Mas é preciso ter clareza quanto aos aspectos de complementaridade e substituição, considerando a imensa importância, diversidade e funcionalidade do capital natural. A floresta não fornece só matérias-primas (muitas das quais podem ser facilmente substituídas), mas sobretudo mantém a biodiversidade, regula os fluxos das águas e das chuvas e é também a maior absorvedora de CO2.

O grande problema de degradação e exaustão do capital natural são seus impactos irreversíveis no potencial econômico e no tecido social. A perda da biodiversidade é frequentemente definitiva e seu impacto só é observável após atingido certo limite. Mas, se a degradação do capital natural e social tem consequências econômicas tão graves, resta saber o porquê da lentidão ou recusa renitente em admiti-las.

Falhas de mercado são uma das explicações mais óbvias. Geralmente, os benefícios da exaustão do capital natural podem ser privatizados, mas os custos são externalizados, ou seja, transferidos para a sociedade. Esta, por sua vez, subvaloriza o capital natural por não ter consciência clara do seu valor e do custo real da sua exaustão. A assimetria de informação faz com que o vínculo entre causa e efeito permaneça fora do entendimento da maioria, e com isso a agenda ambiental é negligenciada. Por essas razões, é muito bem-vinda a criação do Conselho da Amazônia sob o comando do vice-presidente Mourão. Pela primeira vez se tentará entender e atuar na Amazônia de forma abrangente, integrada e pragmática.

*ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS, É COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

Estadão
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