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Em fase final de acordo, UE e Mercosul tentam acomodar interesses de agro e indústria

Ministros brasileiros estão em Bruxelas na tentativa de alcançar um desfecho positivo depois de 20 anos de negociação

28 jun 2019 - 10h17
(atualizado às 10h26)
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Em um momento tido como o mais próximo da conclusão de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE), os dois blocos buscam, em decisões políticas de primeiro escalão, acomodar os interesses dos setores agrícola e industrial em ambos os lados da mesa para alcançar um desfecho positivo após 20 anos de negociação.

Nesta sexta-feira, 28, autoridades se reúnem em nível ministerial na sede da Comissão Europeia, em Bruxelas, sinalizando que, na mais recente rodada de conversas de negociadores especializados e diplomatas, entre 20 e 25 de junho, se avançou até o limite da convergência em nível técnico.

Entre quem acompanha o assunto, a visão otimista é de fazer os últimos acertos políticos agora e levar o documento para assinatura durante a reunião do G-20, que ocorre até este sábado, 29, em Osaka, no Japão. Outra possibilidade seria anunciar ainda nesta sexta, em Bruxelas, uma outra data em que o acordo possa ser assinado.

Liderando a comitiva brasileira na capital belga estão os ministros de Relações Exteriores e da Agricultura, Ernesto Araújo e Tereza Cristina, respectivamente, e o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo. A reportagem do Estadão/Broadcast tem procurado as pastas ao longo dos últimos dias para saber o resultado das conversas realizadas até agora, mas a etapa sensível das tratativas impõe discrição às autoridades.

"Para ter chegado a uma decisão ministerial, é porque a situação está adiantada", diz o professor de pós-graduação em Negócios Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), José Luiz Pimenta Junior. "Isso dá otimismo."

Há, porém, quem já tenha visto outros momentos de "quase lá" ao longo das duas décadas de tratativas birregionais e, por isso, recomende precaução.

"Tendo em conta a importância de se chegar a um acordo, questiono se há algum tipo de plano B para o caso de que, uma vez mais, ele não seja assinado", aponta o diretor do Instituto de Comércio Internacional da Fundación ICBC, Felix Peña, que participou dos primeiros anos de negociação entre Mercosul e UE como subsecretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia da Argentina e, depois, consultor externo.

Nesse plano B, esclarece Peña, poderia haver abertura comercial de "muito menos" de 90% do comércio bilateral - atualmente em torno de US$ 90 bilhões anuais -, como falado em Bruxelas, "mas que ainda fosse um passo adiante na construção de uma associação estratégica entre as duas regiões".

Pendências

Boa parte dos itens pendentes nesta atual aproximação gira em torno da abertura do mercado europeu às exportações agrícolas do Mercosul, notadamente às do Brasil. "A cota de carne de frango já estaria até praticamente finalizada. As cotas tarifárias de carne bovina, etanol e açúcar entraram na pauta política. Vão ficar para decisão dos ministros", comenta Pimenta Junior, da ESPM.

Uma fonte que acompanha as negociações afirmou que o segmento de proteína animal brasileiro enfrenta não só a resistência de países com agropecuária fortemente subsidiada, mas, também, questionamentos na seara fitossanitária. "A Operação Carne Fraca foi encerrada há dois anos e ainda falam disso", relatou.

Por outro lado, a eventual mudança na nomenclatura de lácteos nacionais, que utilizam padrões europeus, e a menor tributação na importação desses produtos do bloco europeu estão "bem encaminhadas", ainda segundo a fonte. O segmento de vinhos no Brasil é outro em que Bruxelas busca, ao mesmo tempo, maior acesso e indicações geográficas mais rigorosas.

No entanto, é no setor industrial que o Mercosul fica mais na defensiva. Como nesta fase as decisões são tomadas pelo primeiro escalão dos Executivos dos blocos, e não mais dentro de aspectos técnicos de cada capítulo do documento, cabe às autoridades políticas acomodar os interesses usando como moeda de troca demandas ainda em aberto.

Os produtores sul-americanos de manufaturados seriam protegidos com um período de "desagravação" relativo à importação de bens industriais europeus, em um período de transição que poderia se estender por 15 anos para se adaptar à tarifa zero em produtos que hoje têm cobrança adicional de cerca de 30% a 35%.

Segundo Pimenta Junior, é vontade do Brasil incluir também no acordo o regime aduaneiro especial chamado drawback, que consiste na suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre insumos importados para utilização em um produto exportado, apesar de a questão ser vista como "sensível" por Bruxelas.

O professor de economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Jackson Bittencourt comenta que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai precisam consentir em torno de uma política industrial única para que o Mercosul se insira nas cadeias globais de valor. Para ele, a inserção nessas cadeias "vai exigir que a gente agregue mais valor aos produtos e tenha mão de obra mais qualificada".

O agronegócio do velho continente, por sua vez, teria guarida em cotas tarifárias - para a carne bovina, por exemplo, a cifra de 99 mil toneladas por ano é aventada como o limite que os europeus aceitariam importar com tarifa reduzida ou zerada dos pecuaristas do Mercosul.

"Pode ter vários arranjos: cota tarifária, desgravação maior para determinado produto, tarifa específica", enumera Pimenta Junior, da ESPM. "Não dá para falar se 100 mil toneladas (para carne bovina) é muito ou pouco. Mas tem que ser factível."

Apoiadores e detratores

Para além do cabo de guerra de setores individuais das economias envolvidas, a proximidade de uma conclusão do acordo de livre-comércio divide opiniões também nas capitais nacionais e na sociedade civil da UE.

Há uma semana, sete chefes de governo de Estados membros do bloco, entre eles Angela Merkel, da Alemanha, Pedro Sánchez, da Espanha, e António Costa, de Portugal, enviaram uma carta ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, pedindo que se apresente uma proposta "balanceada e razoável" ao Mercosul "que possa pavimentar o caminho para a conclusão do acordo" em breve.

Entidades como a Confederação das Empresas Europeias, conhecida como BusinessEurope, e a Associação das Câmaras de Comércio e Indústria Europeias (Eurochambres) também manifestaram publicamente o seu forte apoio a um desfecho positivo das negociações.

Associações agrícolas do continente vão no caminho contrário e, recentemente, se ampararam na carta aberta divulgada por mais de 340 organizações não-governamentais urgindo o bloco a "interromper imediatamente" as tratativas comerciais como forma de usar sua influência para evitar um "agravamento da situação de direitos humanos e ambiental no Brasil" sob o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Uma das vozes mais poderosas do bloco europeu, o presidente da França, Emmanuel Macron, é visto como um dos principais empecilhos à assinatura do acordo com o Mercosul, tanto pelo forte protecionismo ao agronegócio francês como pela imagem de líder no combate às mudanças climáticas.

No entanto, comenta-se em Bruxelas que, no "toma lá, dá cá" à la União Europeia, Macron poderia ceder na frente do comércio para ser recompensado de outra forma, como a nomeação de um francês para assumir a presidência da Comissão Europeia em novembro.

Estadão
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