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Diretor de governança da Petrobrás, ex-Walmart, deixa cargo após pouco mais de um ano

Decisão acontece após Departamento de Justiça dos Estados Unidos questionar sua atuação à frente da área jurídica da subsidiária brasileira do Walmart, autuada pelo órgão por corrupção no Brasil, China, Índia e México

8 jul 2019 - 12h02
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Anunciada na sexta-feira, a saída do advogado Rafael Mendes Gomes da diretoria de Governança e Conformidade da Petrobrás veio 15 dias depois de o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) pôr em xeque sua gestão à frente da área jurídica da subsidiária brasileira do Walmart, na qual trabalhou entre 2007 e 2011.

Após quatro anos de negociações, o DoJ havia anunciado no dia 20 de julho ter fechado um acordo com o Walmart Inc., a matriz do grupo nos EUA. A empresa aceitara pagar US$ 283 milhões em multas ao departamento e à U.S. Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários americana) por violações à Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês) em suas subsidiárias no Brasil, China, Índia e México.

O documento sobre o anúncio do acordo era duro com a subsidiária brasileira. Ele dizia que a empresa não teria tomado os cuidados necessários para evitar corrupção. Questionava ainda o registro sobre o pagamento de US$ 500 mil que constou do balanço entregue pela empresa à SEC. O dinheiro teria sido entregue a uma construtora responsável por erguer duas lojas do Walmart em Brasília.

A construtora teria contratado um intermediário, suspeito de subornar autoridade no Distrito Federal para obter licenças para as lojas. Uma testemunha ouvida pelo DoJ negou que o Walmart soubesse do suposto pagamento de propina, mas informou que a empresa tinha conhecimento de que o intermediário, conhecido como "Gênio" ou Feiticeiro", fazia "mágicas" para obter os papéis. Sabia ainda que ele havia sido contratado pela construtora para atuar no caso do Walmart.

A FCPA proíbe empresas listadas em Bolsa americana de pagarem propina para obter negócios no exterior e pune a inclusão de informações falsas nos balanços como forma de defender os acionistas e garantir a lisura no mercado. A investigação sobre corrupção envolvendo o Walmart havia começado em 2012, depois que a subsidiária do México foi surpreendida pagando propinas no País.

Os fatos investigados no Brasil aconteceram em 2009 e foram relatados pelo Walmart ao DoJ. A rede gastou cerca R$ 100 milhões na investigação no País, vasculhando documentos, e-mails e contratos para, no final, relatar este único caso. Na época, Gomes era o vice-presidente jurídico e chefe do compliance da empresa no Brasil.

De acordo com o relatório do DoJ, o compliance do Walmart teria tomado conhecimento do contratação do intermediário e alertado para os riscos que isso representava para a empresa. Mas nenhuma providência para interromper o contrato teria sido tomada.

Em dezembro de 2011, Gomes deixou o Walmart e se tornou sócio de um escritório de advocacia em São Paulo. Ganhador de prêmios na área de compliance, ele é considerado pelos pares como uma das "estrelas do setor", "o profissional mais lembrado no combate à corrupção".

Quando do anúncio do acordo com o Walmart, o assistente do procurador-geral Brian Benczkowski disse que "em numerosas instâncias, executivos do Walmart tinham conhecimento das falhas dos seus controles internos anticorrupção e falharam na adoção de controles suficientes".

A gestão do setor jurídico e do compliance do Walmart foi posta em xeque na seção do acordo em que a empresa fez a declaração dos fatos assumidos pelo Walmart (Plea agreement and Statement of Facts) ocorridos no Brasil.

Lava Jato. Em 2018, Gomes foi eleito pelo Conselho de Administração da Petrobrás para a função de diretor Executivo de Governança e Conformidade. Assumiu o cargo em 21 de maio.

O executivo também fazia parte do Comitê Especial, ao lado de dois membros independentes da empresa. O comitê foi criado em dezembro de 2014 para atuar, de acordo com a Petrobrás, como interlocutor das investigações independentes relacionadas à Lava Jato. Gomes participou da negociação do acordo entre a Petrobrás e o DoJ, que não objetou tê-lo como interlocutor da empresa.

No dia 24 de junho, o Estado procurou a Petrobrás para obter um posicionamento sobre o caso. A empresa informou que não ia se manifestar. Manteve na semana passada essa posição. Gomes não era citado nominalmente no relatório do DoJ sobre o caso Walmart. Ele trabalhou na empresa de 2007 a dezembro de 2011. O documento dizia que eram "pessoas relevantes" na história investigada no Brasil: o Walmart Inc, sua subsidiária brasileira, o intermediário contratado e um "advogado sênior do Walmart de 2007 a 2012".

O Estado procurou Gomes por meio da assessoria da Petrobrás, mas ele não se manifestou. A reportagem apurou que Gomes negou aos amigos que fosse o "advogado sênior" citado pelo DoJ, bem como criticava o fato de o DoJ ter aceitado fechar o acordo com o Walmart em troca de a empresa declarar um fato pequeno, que envolvia apenas duas das 471 lojas de uma empresa que a matriz já havia vendido 80% de sua participação.

A reportagem apurou ainda que Gomes afirmou a amigos que já havia tomado a decisão de deixar a Petrobrás antes da divulgação do relatório do Walmart. A Petrobrás informou que ele alegou razões pessoais para deixar a empresa. A saída de Gomes foi anunciada durante suas férias - ele está com a família em viagem pela Europa.

ENTENDA O CASO WALMART

O caso envolvendo a subsidiária do Walmart no Brasil começou ser investigado em 2012. De acordo com os dados reunidos pelo Departamento de Justiça (DoJ), a empresa admitiu ter pago US$ 500 mil para um intermediário que obteve as autorizações para a construção de duas lojas em Brasília.

O intermediário teria trabalhado para empresa entre 2009 e 2012. Seu contrato era feito por meio de duas construtoras, o que foi confirmado pelo testemunho de um ex-funcionário dessas construtoras.

O ex-funcionário afirmou aos investigadores americanos que o intermediário era funcionário público - o que era do conhecimento do Walmart - e não possuía nenhuma empresa, o que, segundo o DoJ, deveria ter acendido a luz vermelha para o Walmart. Em vez disso, a empresa teria atuado para dissimular o pagamento ao intermediário como pagamento à construtora.

O ex-funcionário da construtora afirmou que o intermediário - cujo nome não é revelado pelo relatório tornado público - teria dito que precisava do dinheiro para "pagar pessoas que ele devia pagar", o que a testemunha entendeu como um confissão do pagamento de propina.

A testemunha afirmou ainda que a direção do Walmart não tinha conhecimento nem consciência desses pagamentos, mas que o intermediário, em razão de uma "habilidade para obter licenças rapidamente" era conhecido dentro do Walmart pelo apelido de "feiticeiro" ou "gênio", por obter as coisas como num passe de mágica.

Considerando que o Walmart tem suas ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York e pelo fato de ter "falsamente registrado esses pagamentos feitos ao intermediário no Brasil", a empresa teria, em tese, causado prejuízo à lisura das transações com as ações.

Por conta do caso em Brasília, o DoJ aplicou uma multa de US$ 724 mil e condenou o Walmart a pagar ainda indenização de US$ 3,6 milhões. Os valores fazem parte da punição imposta à empresa em razão do comportamento dela no Brasil, na China, no México e na Índia. No dia 20 de junho, o Walmart concordou em pagar ao todo USS 283 milhões ao DoJ.

"O FBI vai responsabilizar todas as empresas que fizerem vistas grossas para a corrupção", disse Robert Johnson, assistente da direção de investigação criminal do FBI. O Estado não conseguiu contato com a direção do Walmart. No dia da divulgação do relatório do DoJ, a direção informou que não ia se manifestar.

Estadão
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