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Catador de latinhas vira dono de empresa que recicla caminhões; faturamento é de R$ 38 milhões

Executivo começou a trabalhar aos oito anos e hoje é dono da maior empresa de desmanche e reciclagem de veículos da América Latina; com 200 funcionários, o grupo se prepara para operar com elétricos e híbridos

29 jun 2022 - 05h10
(atualizado às 09h47)
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Criada em 1999 por um ex-catador de latinhas, a JR Diesel, maior empresa de desmanche e reciclagem de caminhões e ônibus da América Latina, começa a se preparar para o futuro não tão distante de reciclagem de veículos elétricos e híbridos. Investimento em novos equipamentos, processos e formação da mão de obra estão nos planos da empresa.

Com faturamento anual na casa de R$ 35 milhões a R$ 50 milhões, hoje a empresa é especializada no desmanche de modelos com até cinco anos de uso, normalmente adquiridos das seguradoras após perda total, e têm as peças em condições de uso remanufaturadas e vendidas no mercado de segunda mão.

Veículos em final de vida, na faixa dos 15 anos, têm as peças separadas e enviadas para reciclagem, por exemplo para usinas de fundição de aço.

O desafio da mudança não assusta o fundador da JR Diesel, Geraldo Rufino, que começou a trabalhar aos 8 anos como ensacador de carvão, foi catador de latas, vendedor de limão na feira e chegou ao cargo de diretor de uma empresa da área de diversão onde começou como office-boy.

O passo seguinte, mantido até hoje, foi o de comandar a própria empresa. A JR Diesel está instalada em área de 12 mil metros quadrados em Osasco, na Grande São Paulo, e emprega 700 funcionários. No escritório, toda a operação é digitalizada por técnicos que operam com 70 computadores.

Rufino começou a estudar aos 11 anos e fez curso universitário de computação, mas conta que seu principal aprendizado veio da mãe, Geralda, que faleceu quando ele tinha sete anos. "Primeiro ela me ensinou que ser negro e pobre não era obstáculo para nada e que ser alguém na vida dependia do meu trabalho e da forma de me relacionar com as pessoas, respeitando e fazendo o bem."

Carvão, latinhas e limão

Rufino tinha quatro anos quando uma geada forte destruiu a roça de café e mandioca do pai, Aristides, na pequena Campos Altos, em Minas Gerais, e a família perdeu sua principal renda - a farinha que produzia e vendia. Foi a gota d'água para o pai decidir migrar para São Paulo com a esposa e sete filhos com idades de quatro a 18 anos.

Na capital, a família se uniu ao oitavo filho que já vivia em São Paulo com os tios. Moraram por um tempo no porão da casa, que era muito úmido e pode ter influenciado o quadro de pneumonia que matou Geralda três anos depois, quando moravam na favela do Sapé, na zona Oeste da cidade.

Pai e filhos aceitavam qualquer trabalho que aparecia. Aos 8 anos, Rufino foi trabalhar como ensacador de carvão, "para ajudar a por café e pão na mesa", como ele conta hoje. Um ano depois, encontrou uma atividade que rendia mais: junto com o irmão, foi catar latinhas de alumínio no aterro próximo à favela para revender.

Em três anos e conseguiram fazer uma "poupança" com parte do dinheiro que ganhavam. Mas aí ocorreu o que Rufino considera a primeira de seis falências que enfrentou. O dinheiro era guardado em uma lata com tampa e enterrado em uma área vazia no bairro.

"Um dia chegou um trator, revirou todo o terreno e quando chegamos a lata com o dinheiro tinha se perdido", diz Rufino. "Éramos ignorantes e achávamos que o dinheiro estaria seguro", conclui ele.

Depois da "falência", foi vender limão na feira e chegou a ter uma barraca para o comércio, quando "quebrou" pela segunda vez. Conseguiu então emprego de office-boy, e o patrão exigiu que ele estudasse. Assim, aos 11 anos, passou a frequentar a escola pela primeira vez.

De office-boy a diretor

Ao longo de 18 anos trabalhou na empresa do grupo Playcenter, onde passou por várias funções até chegar ao cargo de diretor. Nesse período, cursou faculdade de computação e sempre ajudou os irmãos. Para que trabalhassem com entregas, comprou uma Kombi, depois um caminhão e com o passar do tempo eles tinham uma frota de seis veículos.

"Em um grande carregamento que estavam fazendo, os seis caminhões se envolveram em um acidente em uma ladeira e foi perda total; nenhum tinha seguro", explica o executivo. Para reduzir o prejuízo, desmancharam os veículos e venderam as peças que estavam boas.

A atividade teve resultados tão bons que ele abriu a empresa JR Diesel - J do irmão José e R do sobrenome da família. Eles passaram a desmanchar veículos fora de uso, a revender as peças boas e a enviar as demais para reciclagem.

O negócio estava a todo vapor e os irmãos, empolgados, passaram a diversificar as atividades e aí ocorreu outra falência. Rufino então passou a se dividir entre o trabalho no Playcenter e a JR Diesel e conseguiu colocar a empresa em ordem novamente.

Aos 30 anos, deixou o emprego e assumiu o negócio no lugar dos irmãos. Um de seus grandes clientes o convidou para ser sócio de uma rede de revenda de veículos, o que exigiu empréstimos bancários.

Tempos depois, veio o maior tombo: o sócio americano foi embora e Rufino ficou com uma dívida de US$ 16 milhões. A JR Diesel entrou em recuperação judicial e só recentemente terminou de pagar as dívidas.

"Agora a empresa cresce em média 30% anualmente, e este ano deve faturar cerca de R$ 38 milhões, mas em dois anos devemos voltar ou até superar nosso melhor resultado, de R$ 50 milhões", afirma Rufino. Hoje, aos 63 anos, ele dedica boa parte de seu tempo a palestras que faz em empresas, escolas e instituições e já escreveu dois livros: "O catador de sonhos" e "O poder da positividade".

Palestra em Harvard

Os dois filhos são empreendedores. Arthur é dono da startup Octa, que atua no segmento de reciclagem automotiva, e Guilherme tem uma empresa de entretenimento. Todos os irmãos, sobrinhos e sobrinhos netos também têm negócios próprios. "Tenho uma família de 150 pessoas que tem 100 CNPJs", diz.

Recentemente, ele foi convidado a participar como palestrante de um seminário em Harvard, uma das mais importantes universidades do mundo. O tema do evento era a importância do relacionamento para os negócios. "Eu ria ao ouvir os especialistas falarem sobre isso, pois aprendi tudo aquilo quando era garoto, com minha mãe."

Estadão
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