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CVM vê conflito de interesse na presença de representante de empregados em discussão de privatização

Decisão abre um precedente importante que pode orientar a atuação das estatais em processos de venda de controle da empresa

25 set 2020 - 16h55
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RIO - Em um caso envolvendo a privatização da distribuidora de energia da Companhia Energética de Brasília (CEB-D), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu, de forma inédita, que há conflito de interesse na participação de conselheiro de administração representante dos empregados em discussões relacionadas à venda do controle da empresa. A decisão, a qual o Estadão/Broadcast teve acesso, abre um precedente importante que pode orientar a atuação das estatais em processos de privatização.

O órgão regulador do mercado de capitais já analisou diversas vezes situações de conflito de interesses envolvendo administradores, mas foi a primeira vez que tratou do tema sob a perspectiva do representante dos empregados no conselho de administração e, em especial, em decisões relativas à privatização da companhia ou sua controlada.

A CEB, holding que controla a distribuidora, alega que há conflito pelo fato de a privatização afetar o vínculo empregatício, repercutindo de forma direta nos interesses dos empregados e envolvendo discussões sobre relações sindicais. A empresa é uma sociedade de economia mista controlada pelo governo do Distrito Federal.

O colegiado votou na terça-feira, 22, ao analisar um recurso da CEB contra decisão da Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM, que considerou que seria irregular proibir o conselheiro eleito pelos funcionários da holding, Ricardo Bernardo da Silva, de participar de deliberação sobre a venda do controle acionário da subsidiária.

A área técnica da CVM destacou que Silva não seria beneficiário da privatização e que ela não afetaria diretamente os contratos de trabalho da elétrica, uma vez que seus empregados são celetistas. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) prevê que "a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados".

Para a superintendência, ao tornar obrigatória a representação dos empregados no conselho de administração das empresas estatais, em 2016, a Lei das Estatais teria reconhecido "a relevância de várias perspectivas integrarem a formação da vontade social". No recurso contra a decisão, a CEB disse que o conselheiro poderia adotar medidas para desestabilizar o processo de privatização da subsidiária. A empresa citou vazamento de informações.

Em seu voto, vencedor por maioria, o diretor Henrique Machado lembrou que a Lei das Estatais estendeu a obrigatoriedade da representação dos empregados nos conselhos de estatais federais a todas as estatais. No entanto, é a Lei nº 12.353/2010 que regulamenta essa participação. Ela diz em seu artigo 2º que o representante dos trabalhadores não participará de discussões que envolvam "relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, inclusive matérias de previdência complementar e assistenciais".

Embora a lei se dirija a estatais federais, ele entendeu que se aplica à CEB porque o texto foi reproduzido em seu estatuto. Para o diretor, os assuntos listados acima estão sim relacionados à privatização da CEB-D.

Ao contrário da interpretação da área técnica, o colegiado entendeu que as privatizações afetam a gestão de recursos humanos e materiais da empresa, motivo pelo qual em geral enfrentam resistência dos empregados. "A questão não se resume apenas à perda de direitos em seu sentido formal, mas implica também uma inegável alteração na forma de gestão da companhia privatizada, com impacto sobre a relação empregatícia", diz Machado no voto ao qual o Broadcast teve acesso.

O relator apontou ainda que seria possível cogitar a existência de conflito entre o interesse pessoal de Silva e o da companhia, já que a privatização torna facultativa a participação no conselho de representante dos empregados. Segundo Machado, ele seria substituído imediatamente por deixar de ser empregado de uma empresa controlada da CEB.

Privatização

Modelado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o processo de privatização da concessionária brasiliense, teve as salas de informações (Data Room) sobre o ativo abertas aos potenciais investidores em agosto. A área de concessão da CEB-D abrange todo o Distrito Federal, atendendo a uma população de aproximadamente de 3 milhões de pessoas.

A concessão da distribuidora foi prorrogada em 2015 por mais 30 anos, até 2045, mas por causa dos prejuízos acumulados, do alto endividamento e das restrições financeiras para efetuar os investimentos necessários à expansão da rede e à melhoria da qualidade dos serviços, a distribuidora vem tendo dificuldades para cumprir as metas regulatórias, o que pode levar à caducidade da concessão. Esse processo, entretanto, é suspenso em caso de transferência de controle.

Estadão
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