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Crônica de um desastre anunciado

Com um Estado ineficiente, capturado pelo patrimonialismo e por interesses corporativos, a economia fechada e a produtividade estagnada, o PIB brasileiro continuará crescendo lentamente

14 set 2018 - 04h11
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As diretrizes dos programas de governo entregues ao Tribunal Superior Eleitoral sugerem que crescer com inclusão é o lema dos principais candidatos a presidente. Todos prometem promover o desenvolvimento, retomando o crescimento e estimulando a transformação digital. Diretrizes não mostram os meios para atingir os fins. É natural que assim seja em campanha eleitoral. Promessas com vagos jargões.

As perspectivas de crescimento da economia brasileira no longo prazo, contudo, não são alvissareiras. Ao contrário, as tendências anunciam um desastre que parece não ser alcançado pela miopia dos políticos.

Segundo estudo do Mckinsey Global Institute, o Brasil levará 63 anos para dobrar sua renda per capita, se nada diferente for feito. Mantendo-se o Estado ineficiente, capturado pelo patrimonialismo e por interesses corporativos, a economia fechada e a produtividade estagnada, o PIB brasileiro continuará crescendo lentamente.

A taxa de crescimento do PIB no longo prazo pode ser decomposta em dois fatores: o crescimento demográfico, que corresponde ao aumento da oferta de mão de obra, e a expansão da produtividade total dos fatores, englobando a produtividade da mão de obra e do capital, o ambiente de negócios e o contexto institucional.

Em outro estudo, o mesmo instituto calculou que, entre 2000 e 2015, com a estagnação da produtividade, na América Latina o crescimento demográfico respondeu por 78% da taxa anual de variação do PIB e a produtividade, pelos 22% restantes. De fato, a economia latino-americana tem crescido menos do que as outras economias emergentes.

O saudoso Regis Bonelli, numa de suas últimas contribuições para a análise da economia brasileira, assinalou que no futuro seu crescimento estará limitado a 2,5%, em razão do lento crescimento demográfico e dos poucos ganhos de produtividade.

A combinação dos estudos de demógrafos e economistas indica que o desastre será maior nas próximas décadas. O crescimento da população cessará em 2042, conforme estima o IBGE. Contudo, a queda na oferta de novos trabalhadores virá mais cedo por causa das alterações na estrutura etária da população, diminuindo, paulatinamente, o peso relativo do crescimento das coortes mais novas. O crescimento da população economicamente ativa (PEA) será impulsionado principalmente pelas taxas de crescimento dos segmentos da população mais idosa. Já na próxima década, o tamanho da PEA atingirá seu pico. Para a economia crescer, restará, então, apenas a contribuição da produtividade total dos fatores.

A produtividade do trabalho está estagnada, apesar da significativa expansão do número de estudantes matriculados nas escolas brasileiras nas últimas décadas. Anos de escolaridade não estão resultando em ganhos de produtividade. E os alarmantes resultados recentes do Saeb para 2017 são um alerta para o futuro, ao indicar que 96% dos alunos no 3.º ano do ensino médio não têm conhecimento suficiente em Português e Matemática. Esses estudantes despreparados de hoje serão os futuros trabalhadores a disputar amanhã as novas oportunidades oferecidas pelas transformações digitais, tão decantadas pelos candidatos.

A expansão contínua da produtividade não resultará do voluntarismo imediatista, mas de esforço consciente, conjunto e permanente do governo e do setor privado. Será fruto do compromisso coletivo da Nação.

Para acelerar a produtividade total dos fatores, usando as oportunidades advindas da transformação digital, a tarefa dos próximos governos será gigantesca. De um lado, para conceber e executar planos, programas e ações com visão e metas de curto, médio e longo prazos e, de outro lado, para construir alianças com os outros poderes e a sociedade visando a reformar o Estado, tornando-o mais eficiente e universal.

Adiar essas iniciativas é antecipar o desastre.

*PROFESSOR ASSOCIADO DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, FOI MINISTRO DO TRABALHO E DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO NO GOVERNO FHC

Estadão
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