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Cresce a possibilidade de alta de juros ir até setembro, véspera da eleição, avaliam economistas

Ato impopular, elevar a Selic raramente ocorre pouco antes do pleito presidencial; última vez foi há 20 anos

30 jun 2022 - 10h10
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BRASÍLIA E SÃO PAULO - Com novas pressões salariais no radar em um cenário de estimativas já ao redor do teto da meta de inflação em 2023 (4,75%), economistas avaliam que não é desprezível o risco de o Banco Central (BC) ter de avançar com o ciclo de aperto monetário a setembro, no auge da campanha eleitoral, embora sinalize preferência por parar em agosto. Impopular, a alta de juros é rara às vésperas do pleito presidencial e a última vez em que ocorreu foi há exatos 20 anos, entre o primeiro e o segundo turno da disputa que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto pela primeira vez. O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne nos dias 20 e 21 de setembro e o primeiro turno da eleição é 2 de outubro.

Neste ano, porém, há uma novidade: a autonomia formal da autoridade monetária. Conquistada no ano passado, com o argumento também de se desvencilhar dos ciclos políticos, a independência, na avaliação de especialistas, blinda mais o BC de pressões populistas e dá mais espaço para continuar, se for preciso, a alta de juros às vésperas da disputa presidencial. Mas alguns economistas ainda acham que a autoridade monetária pode preferir não ser tema dos discursos inflamados de campanha, especialmente considerando que o ciclo está no fim.

O presidente Jair Bolsonaro tem postura errática em relação ao choque de juros que vem sendo conduzido pela política monetária desde março de 2021, o mais longo e forte ciclo desde a criação do sistema de metas (1999). Só na semana passada, o presidente disse que "não queria defender o BC" e que a tendência era a taxa Selic "começar a cair". Mas dois dias depois afirmou que o órgão estava colaborando para conter a inflação.

O Copom já sinalizou nova alta da Selic em agosto, para 13,5% ou 13,75%, de 13,25% ao ano atualmente. Também indicou que pretende deixar os juros mais contracionistas por mais tempo, terminando 2023 provavelmente acima de 10%, para alcançar uma inflação "ao redor" do centro da meta do ano que vem (3,25%), abaixo de sua projeção atual de 4%.

Estimativa para 2023 acima da meta

Para o economista João Fernandes, sócio da Quantitas Asset, essa estratégia parece arriscada, especialmente pensando no cenário de inflação de serviços. Hoje, o economista espera 5,5% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2023.

No último levantamento do Estadão/Broadcast, a mediana do mercado para o IPCA de 2023 saltou para 5%, pela primeira vez acima do teto da meta (4,75%). A estimativa intermediária para 2024 avançou de 3,0% para 3,25%, acima do centro do alvo no ano (3%). O Boletim Focus não tem sido divulgado em meio à greve dos servidores do BC.

"Não tem como descartar que as expectativas comecem a subir mais que 5%. Nesse sentido, a alternativa seria aumentar mais uma vez o juro, para 14,25%, por exemplo", diz Fernandes, que projeta, por ora, 13,75% no fim do ciclo, em agosto. Se for necessário, o economista-chefe da gestora, Ivo Chermont, não acredita que a eleição seja decisiva para impedir o BC de continuar o aperto monetário.

Da mesma forma, o chefe do Centro de Estudos Monetários da FGV e ex-diretor do BC, José Julio Sena, diz que ainda é difícil precisar o fim do ciclo de alta de juros, mas que a diretoria atual não demonstra que deixaria de elevar os juros por causa da eleição. "Claro que a autonomia formal reforça a minha convicção. O ponto é: se o BC sentir que precisa fazer mais aumento, acho que acabará fazendo. No momento ninguém sabe se será ou não necessário."

O economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico, também avalia que a independência formal do BC abre espaço para que a autoridade monetária avance com o ciclo de aperto mesmo às vésperas das eleições. Pondera, contudo, que a preferência da autarquia parece ser atingir os juros terminais em breve. "Há uma sensação no mercado de que o BC não quer ser mais um tema dentro do debate eleitoral", afirma.

Para Velecico, há chance de extensão do aumento da Selic após a alta já sinalizada para agosto, atualmente a única contida no seu cenário-base, com projeção de 13,75%. De acordo com o analista, as menções explícitas do BC à intenção de parar de subir juros em breve podem contribuir para um movimento de desancoragem das expectativas de inflação, que levaria à necessidade de uma política monetária mais restritiva.

"Com essa comunicação e com os diversos choques, as expectativas foram piorando [porque os analistas mantém a projeção de Selic estável] e acabamos tendo, ao longo do tempo, de entregar um juro muito mais alto, e com uma inflação muito pior", diz. "A comunicação que mais ajuda a conter essa dinâmica perversa de expectativas é a que diz 'vou fazer o que precisar fazer para levar a inflação à meta'".

Já o economista para Brasil do Barclays, Roberto Secemski, acredita que o BC deve iniciar o período de estabilidade com "Selic alta por mais tempo" a partir de setembro, após o juro chegar a 13,75% em agosto. "Acreditamos que, dada a oportunidade, o BC preferiria interromper o ciclo e, depois disso, manter as taxas 'altas por mais tempo', para evitar o emaranhamento com a temporada eleitoral", diz, em relatório, acrescentando que 2024 já entra no horizonte relevante em agosto e o BC pode preferir observar os efeitos defasados do aperto já realizado.

De modo semelhante, o sócio e economista-chefe da Reach Capital, Igor Barenboim, acredita ser difícil o BC alongar o ciclo para depois de agosto. Além do horizonte de 2024 ir ganhando mais peso, o economista acredita que, até setembro, a autoridade monetária já deve ver números de IPCA mais baixos, como efeito das medidas tributárias para baixar os preços de combustíveis e energia.

"É um cenário difícil [continuar o ciclo em setembro], ainda mais no meio da eleição. Mesmo em momentos em que era muito óbvia a necessidade de alta de juros, o BC esperou [a eleição]. E, agora, já está no fim do ciclo, o juro real está muito alto."

Estadão
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