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'Corte do ICMS trará problema para as contas do governo', diz Henrique Meirelles

Ex-ministro da Fazenda, que estreia nova coluna no 'Estadão' na segunda-feira, diz em entrevista que o limite da alíquota do ICMS para energia e combustíveis terá efeito negativo para as finanças da União em caso de crise nos Estados

29 mai 2022 - 05h11
(atualizado às 08h19)
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O secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles.. 21/02/2019. REUTERS/Amanda Perobelli.
O secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles.. 21/02/2019. REUTERS/Amanda Perobelli.
Foto: Reuters

Ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, o economista Henrique Meirelles vê com preocupação as medidas adotadas recentemente pelo governo e o Congresso para conter a inflação, como o projeto aprovado esta semana na Câmara que limita a alíquota do ICMS em 17% para produtos como combustíveis, energia elétrica, gás natural e serviços de telecomunicações.

Segundo o ex-ministro, essas medidas podem causar desequilíbrios nas contas de Estados e municípios, que, no limite, teriam de recorrer à União em uma situação de crise, uma vez que perderiam a capacidade arrecadatória. Para Meirelles, o combate à alta de preços deveria ser feito, na verdade, com uma política fiscal responsável, respeitando a regra do teto de gastos, o que traria confiança na economia e poderia levar a uma desvalorização do dólar e a uma queda das expectativas de inflação.

"Nós temos que resolver a causa dos problemas, e não ficar dando analgésico, o que só causa prejuízos. A perda de arrecadação dos entes subnacionais ou mesmo do governo federal vai gerar em última instância um problema fiscal, que é o que tem levado o Brasil às crises periódicas nas últimas décadas", diz Meirelles, que também foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo de João Doria e deixou o cargo em abril.

O ex-ministro estreia nesta segunda-feira uma nova coluna no Estadão. Ele diz que pretende tratar no espaço de questões de longo prazo da economia brasileira, discutindo as políticas que têm funcionado ou não no País. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Como o sr. vê a aprovação na Câmara do projeto que cria um teto para o ICMS?

Vejo como uma medida negativa. Ela gera uma queda na receita e na capacidade arrecadatória dos Estados. É muito importante combatermos isso. No momento em que os Estados começarem a ter problemas financeiros, levará a um problema fiscal para a União também, uma vez que os Estados -- principalmente os de economia média ou menor --, terminam recorrendo ao governo federal como já fizeram no passado. Tudo isso não funciona. Se o preço do combustível está elevado, temos que trabalhar duas medidas fundamentais. Em primeiro lugar, restaurar a estabilidade fiscal, fazendo com que se aumente a confiança, caia o valor do dólar, que impacta diretamente no preço dos combustíveis. E, em segundo lugar, uma medida de maior abrangência, de maior impacto, que é um projeto de privatização da Petrobras. Não para a criação de um monopólio privado. Mas, sim, para a criação de três ou quatro companhias de petróleo, dividindo a Petrobras, que permitam que a fixação de preços seja feita pela competição, pelo livre mercado. Esse é o caminho para resolver o problema. Cortar o ICMS dá um alívio de curto prazo e gera um problema de médio e longo prazo.

Os Estados vão ter de compensar essa perda de alguma maneira?

Esse é o problema. Começam a ter que taxar outras coisas. É algo que só vai gerar problema.

O governo e o Congresso estão tomando medidas em série para reduzir a inflação. Como vê esse movimento?

Temos que resolver a causa dos problemas, e não ficar dando analgésico, o que só causa prejuízos. A perda de arrecadação dos entes subnacionais ou mesmo do governo federal vai gerar em última instância um problema fiscal, que é o que tem levado o Brasil às crises periódicas nas últimas décadas.

Essas medidas vão ter efeito para controlar a inflação?

Não. O efeito é algum analgésico de curto prazo, mas não resolve o problema. O problema da inflação tem que ser resolvido, primeiro, como eu disse, por restaurar a estabilidade fiscal. Em seguida, aí sim, nós podemos ter uma queda do valor do dólar, inclusive com o Brasil se aproveitando do aumento dos preços das commodities das quais é um grande exportador. O aumento dos preços internacionais normalmente leva a uma queda do valor do dólar, o que levaria a uma queda da inflação. Assim se aumenta a confiança, diminuindo as expectativas de inflação elevadas. Aí nós temos um trabalho duplo, da política monetária e da política fiscal. Trabalhos de sucesso nessa área (no combate à inflação) exigem uma política monetária e uma política fiscal na mesma direção.

Não é o que estamos vendo hoje.

Não está havendo.Temos uma política monetária contracionista, com o aumento da taxa de juros, e uma política fiscal expansionista.

O que fez a inflação se tornar tão espalhada e tão persistente, na sua visão?

Exatamente a insegurança fiscal, que gera um valor do dólar elevado, mesmo com um aumento do preço das commodities. No passado, muitas vezes o dólar caía quando as exportações subiam. Nós tínhamos um aumento do preço em dólar, mas havia uma estabilidade do preço em reais. Agora, temos um aumento em dólar e um aumento em reais. Isso é uma das causas importantes da inflação. Com uma desconfiança na economia e sem expectativa de inflação baixa, as empresas em geral começam preventivamente a subir preços. Isso gera a propagação da inflação para produtos que nada têm a ver com commodities ou com importação. Tudo isso é resultado de um ciclo de política fiscal que desperta desconfiança, e de uma dessintonia entre a política fiscal e a política monetária. E o Banco Central tem que subir a taxa de juros numa situação de desemprego elevado, piorando ainda mais o desempenho da economia.

Como o sr. avalia o trabalho do Banco Central no combate à inflação?

O Banco Central está fazendo o que pode. Acho que está ok. Está bem. Agora, não vai resolver muito o problema numa situação, de novo, em que não há sintonia de política fiscal e monetária.

O Banco Central precisará subir ainda mais os juros do que o esperado?

É possível. Isso depende dos modelos do Banco Central. Mas teria que subir juros com desemprego elevado. Isso não é uma situação positiva para país nenhum. Enfrentamos isso quando assumi o Ministério da Fazenda em 2016. Tínhamos inflação elevada e taxa de juros elevada. Aprovamos o teto de gastos. O que aconteceu? A expectativa melhorou. A inflação caiu. E os juros puderam cair, com um inflação baixa.

Como resgatar a credibilidade fiscal no momento em que o teto de gastos foi enfraquecido?

Algumas pessoas me perguntam se o teto perdeu a credibilidade. Eu digo: não. O teto mantém a credibilidade. Quem perdeu a credibilidade foi a política fiscal, por não seguir o teto rigorosamente. O que precisa ser feito é exatamente restaurar a confiança no teto, restaurando uma política fiscal que respeite o teto. E como fazer investimentos em infraestrutura? Investimentos no social? Aí tem que se fazer uma reforma administrativa, séria, no governo federal, como foi feita por exemplo no Estado de São Paulo. O que gera, aí sim, um saldo fiscal, que permita recursos para investir em infraestrutura e nos programas sociais de complementação ao crescimento e à criação de emprego, que são necessários pela situação do País hoje. Em seguida, nós temos que aumentar a taxa de crescimento do País. Com isso nós precisamos aumentar a produtividade. Para fazer isso, tem várias medidas importantes. A primeira delas é a reforma tributária, que não deve se confundir como uma mera reforma do Imposto de Renda. A reforma tributária deve ser ampla, para simplificar toda a complexa estrutura tributária do País.

O que pretende abordar nas colunas no 'Estadão'?

A minha ideia é falar sobre a economia brasileira vista de uma perspectiva mais de longo prazo. Isto é, o que tem funcionado no Brasil e o que não tem funcionado. E tentar trazer esta perspectiva para os leitores do jornal. O Brasil evidentemente está numa situação negativa. É uma estagflação na prática. Temos uma economia que cresce pouco e com uma inflação elevada. E agora temos ainda o Banco Central sendo forçado a subir a taxa de juros. Temos uma situação de taxa de juros elevada, crescimento baixo e desemprego elevado. É uma situação negativa. A minha ideia é não ficar discutindo o curto prazo. O óbvio. O que está todo mundo vendo, sabendo. É mostrar o que tem funcionado, o que não tem funcionado, o que já foi feito no passado, e o que precisa ser feito para o país crescer a taxas maiores com inflação mais baixa.

Estadão
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