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Congresso recalcula arrecadação para turbinar emendas parlamentares

Apenas as emendas indicadas diretamente pelo relator do Orçamento, Marcio Bittar, somam R$ 35,6 bilhões; recursos podem ser destinados a obras e projetos definidos por deputados e senadores

6 mar 2021 - 03h02
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O Congresso Nacional reestimou a arrecadação da União em 2021 para turbinar a indicação de emendas parlamentares, recursos destinados a obras e projetos definidos por deputados e senadores. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou nesta semana o parecer preliminar da Lei Orçamentária Anual (LOA), reservando um total de R$ 51,8 bilhões para emendas, dos quais R$ 14,5 bilhões vão para despesas fora do teto de gastos, como o Fundeb e capitalização das estatais.

Técnicos avaliam que o plano original era atrelar essas receitas ao movimento para livrar o Bolsa Família do teto de gastos, que acabou sendo frustrado após o time do ministro da Economia, Paulo Guedes, entrar em campo contra essa articulação. Para isso, já havia uma série de emendas parlamentares apresentadas, à espera de que "surgisse" o espaço dentro do teto após a retirada do programa social. Agora, os congressistas tentam costurar outras saídas para usar o dinheiro.

O aumento do valor reservado para emendas foi feito após a reestimativa da receita para o ano de 2021, gerando um adicional de R$ 35,3 bilhões com a expectativa de aumentar a arrecadação, e o cancelamento de R$ 1,6 bilhão de despesas originalmente planejadas pelo Executivo, conforme parecer preliminar do senador Marcio Bittar (MDB-AC). A estratégia não é suficiente para aumentar as despesas no montante pretendido pelo Congresso em função da trava do teto de gastos, a regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Além disso, a arrecadação pode não ocorrer, forçando o Executivo a bloquear os repasses ao longo do ano (contingenciamento, no jargão técnico).

Só as emendas indicadas diretamente pelo relator-geral do Orçamento, o senador Marcio Bittar, somam R$ 35,6 bilhões, e poderão ser alocados em uma série de projetos de interesse eleitoral, entre eles infraestrutura e programas sociais. O parecer cria expressamente a autorização para a indicação dessas emendas, que não estão previstas na Constituição e nem na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO). "Esses ajustes, promovidos a partir de emendas do relator-geral, podem decorrer, inclusive, de solicitações do Poder Executivo, encaminhadas por meio de ofícios expedidos pelo Ministério da Economia, ou de outras demandas que tenham a finalidade de melhorar a alocação dos recursos públicos", justificou o senador no documento.

Desse total, R$ 14,5 bilhões poderão abrigar indicações dos parlamentares para despesas fora do teto de gastos. Bittar prometeu colocar o valor na complementação da União ao Fundeb, a pedido da deputada Dorinha Seabra (DEM-TO). Pela Constituição, essa despesa já fica fora do teto. As emendas para o Fundeb podem ajudar o governo cumprir o repasse de R$ 19,6 bilhões que precisa fazer ao financiamento neste ano. Desse total, 73% está travado no Orçamento e depende da aprovação de um outro projeto de lei para que o Executivo possa descumprir a regra de ouro.

O parecer preliminar provocou questionamentos sobre a possibilidade de o Congresso usar o Orçamento e burlar a regra do teto. Para o consultor Ricardo Volpe, da Câmara dos Deputados, porém, essa reserva só poderá usar usada para despesas já retiradas do teto pelo Constituição, como Fundeb e aporte de capital em estatais, como o feito na Emgepron, estatal militar, em dezembro de 2019.

Volpe chama a atenção para a incerteza sobre a arrecadação projetada pelo Congresso, o que pode impossibilitar o pagamento dos repasses indicados pelos parlamentares. "Não dá para saber. O Executivo solta a avaliação (de receitas e despesas do governo federal) no final de março. Muitas incertezas", afirmou.

Brechas

Na quinta-feira, 4, durante a sessão da CMO, Bittar foi questionado sobre as emendas de relator e garantiu que o teto será respeitado. "Não existe R$ 35 bilhões para o relator fazer o que quiser. O Orçamento já está no limite do teto. Eu não tenho esse dinheiro, mas se eu somasse os valores que os parlamentares me pediram, talvez desse mais um pouco", afirmou.

Parlamentares querem usar a brecha para ampliar o espaço a indicações políticas. O deputado Claudio Cajado (PP-BA), vice-líder do governo no Congresso, defendeu o uso das emendas de relator em obras e projetos de infraestrutura para evitar que o aumento de arrecadação seja usado no abatimento do rombo nas contas públicas. "Essa emenda de relator permite que o senador Bittar possa dentro do colegiado indicar rumos para contemplar tudo com o cobertor curto que ele tem. É o menor Orçamento dos últimos anos, mas estamos vivendo uma brutal pandemia, decréscimo do desenvolvimento econômico e temos que alavancar o retorno do crescimento econômico com investimento", afirmou Cajado.

Além do volume de emendas do relator do Orçamento, parlamentares apresentaram um total de R$ 47 bilhões em emendas para o Orçamento de 2021, somando as indicações individuais (de cada deputado e senador), as de bancada (conjunto de parlamentares de um mesmo Estado) e as de comissão. O valor é quase três vezes maior do que o reservado para emendas impositivas (R$ 16,2 bilhões) e supera o volume das indicações de anos anteriores.

O Orçamento deve ser votado até o dia 24 de março. O Congresso tem uma carta na manga para ampliar o montante de recursos com pagamento obrigatório: a derrubada de um veto do presidente Jair Bolsonaro que abre caminho para o repasse obrigatório às emendas do relator do Orçamento e das comissões, o que colocaria uma fatia maior nas mãos de deputados e senadores e obrigaria o cancelamento de despesas indicadas pelo governo. O veto ainda não foi negociado com as bancadas partidárias. A recuperação de outro dispositivo vetado por Bolsonaro, que promove uma blindagem orçamentária a órgãos chefiados pelo Centrão, pode diminuir a pressão para a derrubada desse veto da obrigatoriedade em pagar emendas de relator e de comissões.

Estadão
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