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Como a Petrobrás vai lidar com a perda de metade do conselho de uma só vez?

Em ato que não encontra paralelo recente em grandes empresas brasileiras, membros do conselho decidiram renunciar após a interferência do governo na companhia

5 mar 2021 - 17h00
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RIO - A Petrobrás vai perder metade de seu Conselho de Administração um ano antes do fim dos respectivos mandatos, em ato que não encontra paralelo recente em grandes empresas brasileiras. As decisões de renunciar ao conselho foram individuais, mas anunciadas em bloco. Em comum, disseram fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, o "conjunto da obra" da interferência do governo na empresa, que culminou com a demissão do presidente da companhia num momento de excelente desempenho operacional.

Duas gotas d'água fizeram o caldo entornar: a movimentação de acionistas minoritários em torno da abertura de uma ação judicial coletiva e as suspeitas de que alguém possa ter lucrado com o uso de informações sigilosas do governo sobre o futuro da empresa. Mas, nas últimas semanas, o descontentamento não parava de crescer entre os conselheiros com a aberta intervenção do governo na companhia. Que, aliás, teve sua estratégia comercial aprovada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), composto por ministros de Estado. A atuação do governo foi vista como desmoralização da governança da empresa, da forma como ela é gerida.

Nesta semana, a jornalista Malu Gaspar informou, em sua coluna no jornal O Globo, que em duas operações atípicas com opções de venda de ações da Petrobrás, por meio da corretora Tullet Prebon, um investidor não identificado teve lucro presumido de R$ 18 milhões para uma aplicação de R$ 160 mil, entre a tarde de quinta-feira, 18 de fevereiro, e a segunda-feira seguinte. O caso está sob investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Na live de Jair Bolsonaro da noite de 18 de fevereiro, horas depois de a Petrobrás anunciar um novo aumento no preço dos combustíveis, o presidente declarou que iria zerar temporariamente impostos federais sobre combustíveis na tentativa de anular o reajuste imposto pela Petrobrás, especialmente para o diesel. Bolsonaro falava diretamente aos caminhoneiros, em recorrente ameaça de greve. No fim, disse que "alguma coisa vai acontecer na Petrobrás nos próximos dias".

A direção da Petrobrás acompanhou o pronunciamento do presidente naquela noite e, ao final, o consenso era de que algo iria acontecer em relação à política de preços adotada pela empresa. No dia seguinte, pouco depois das 19 horas, um ofício do Ministério das Minas e Energia chega à presidência da Petrobrás informando sobre a decisão de substituir Roberto Castello Branco pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna. Foi dessa forma que o executivo soube da demissão, tornada pública pouco tempo depois, em outra live de Bolsonaro.

A suspeita de uso de informação privilegiada decorre na aposta firme na desvalorização das ações da petroleira, em operações de grande volume de opções de venda, que destoam do movimento habitual, justamente no intervalo entre a decisão e o anúncio da substituição na Petrobrás.

Dos sete conselheiros da Petrobrás indicados pela União, quatro apresentaram cartas renunciando ao cargo. Dos três restantes, Roberto Castello Branco está sendo afastado pelo governo. Permanecerão apenas, como indicados da União, o presidente do conselho, almirante Eduardo Bacellar, e o oficial da reserva da Marinha Ruy Schneider. Na semana passada, como informou o Estadão/Broadcast, um conselheiro que representa os acionistas minoritários havia informado à empresa que também não aceitaria ser reconduzido.

Fechando a conta: dos 11 integrantes do conselho, seis terão de ser substituídos para o mandato que terminaria em 2022.

Na diretoria executiva também haverá baixas. O diretor de Governança, Marcelo Zenkner, já avisou que não continuará no cargo. Num primeiro momento, toda a diretoria cogitou entregar os cargos. Depois, resolveram ficar ao menos durante o processo de transição. Agora, a situação está indefinida.

No Conselho de Administração houve um dilema comum entre os integrantes que decidiram entregar os cargos: renunciar para deixar clara a insatisfação ou ficar e tentar, dentro da empresa, impedir consequências piores na gestão. Alguns chegaram a comparar o discurso intervencionista de Bolsonaro com o de governos petistas.

Depois que o presidente criticou a política de preços ao anunciar mudanças na Petrobrás, a empresa anunciou mais um reajuste. E, na companhia, não está descartado um novo aumento antes da saída de Castello Branco, no dia 20. Se o modelo da empresa mostrar que há volatilidade e que precisa fazer um novo reajuste, a diretoria tomará a decisão que achar adequada.

*COLUNISTA DO BROADCAST

Estadão
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