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CNI diz que governo tolera práticas desleais de comércio

Segundo a entidade, esse argumento beneficia exportadores e prejudica a indústria nacional

24 fev 2021 - 14h33
(atualizado às 14h37)
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O governo brasileiro vem tolerando sistematicamente práticas desleais de comércio de outros países alegando que há "interesse público" na importação desses bens, como, por exemplo, aumentar a competição no mercado interno ou reduzir preços, avalia a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

CNI diz que governo tolera práticas desleais de comércio
CNI diz que governo tolera práticas desleais de comércio
Foto: fdr

Segundo a entidade, a adoção desse argumento está beneficiando exportadores que praticam dumping (prática comercial que consiste em vender produtos a preços menores que os custos para eliminar concorrentes) no mercado brasileiro e prejudicando a indústria nacional.

Estudo da confederação repassado ao Estadão/Broadcast mostra que o Brasil deixou de aplicar nos últimos dois anos 18 medidas antidumping - 35% de um total de 51 medidas analisadas - alegando que a economia brasileira seria mais beneficiada se a prática não fosse punida. Nesse mesmo período, nenhum país do mundo deixou de adotar medidas antidumping com a alegação de interesse público, segundo a CNI. Com isso, deixaram de ser sobretaxadas pelo Brasil compras de produtos como laminados de aço, vidros para eletrodomésticos, tubos de ferro fundido, sal grosso e ímãs de ferrite, principalmente provenientes da China.

Os números divergem dos apresentados pelo Ministério da Economia, que informou que, no período, o critério de interesse público foi utilizado para justificar a não aplicação de 16 medidas, de um total de 41 análises (39%).

Medidas antidumping são sobretaxas aplicadas contra uma empresa que exporta determinado produto a um preço menor do que o cobrado por ela no seu mercado interno. Quando isso ocorre, o governo brasileiro abre uma investigação, provocado por uma empresa ou associação setorial brasileira, e, se concluir que há a prática do dumping, aplica uma taxa extra para a compra do produto da empresa investigada.

O interesse público já era considerado desde 2012. Desde 2019, porém, o governo passou a incluir em todas as análises a questão do interesse público, que é mais ampla do que simplesmente a existência ou não do dumping e leva em consideração questões como a concorrência interna no mercado brasileiro, o impacto nos preços de sobretaxar o produto e os riscos de desabastecimento no País.

A CNI reclama que o interesse público é usado em apenas outros três países ou blocos do mundo: União Europeia, Canadá e Nova Zelândia. Ainda assim, a aplicação do direito antidumping é negado nesses países por motivo de interesse público apenas de modo excepcional, e não ocorreu nos últimos dois anos.

Na avaliação da confederação, o Brasil tem utilizado o instrumento excessivamente, o que configura uma "concessão unilateral do país para importações desleais", sobretudo da China. "A frequência com que as medidas têm sido alteradas no Brasil causa a impressão de que medidas antidumping são maléficas ao país ou que o próprio governo não confia em sua importância como ferramenta de política pública para garantir uma concorrência justa", diz o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Eduardo Abijaodi.

Ele alega ainda que o governo, na prática, tem confundido as políticas de concorrência e comercial, e utilizado critérios como concentração de mercado e existência de origens alternativas, o que, para Abijaodi, não é da competência da área de comércio exterior.

"O governo brasileiro tenta coibir práticas anticoncorrenciais no mercado doméstico por meio do instrumento de interesse público. Esse mecanismo deve ser usado na defesa comercial, que busca analisar distorções na formação de preço nos países de origem dos produtos e seus preços desleais, e não para a análise de concorrência", diz o diretor.

O Ministério da Economia discorda da avaliação da entidade. De acordo com dados da pasta, a utilização da cláusula de interesse público não vem crescendo e foi usada as mesmas oito vezes em 2018, 2019 e 2020. Nos três anos anteriores, o número havia sido oito em 2015, três em 2016 e 4 em 2017. Além disso, a pasta lembra que o Brasil é o quinto país que mais aplicou medidas de defesa comercial e é o 10º maior alvo dessas medidas, ou seja, o país utiliza mais as medidas para defender sua indústria local do que é impactado por medidas semelhantes de outros países.

Segundo fontes da área econômica, há uma "reclamação" por parte de setores da indústria que são beneficiados por medidas de defesa comercial porque o novo processo instituído em 2019 deixou mais claro os critérios e, com isso, há a participação de mais setores da sociedade, beneficiando, assim, o conjunto da economia - e não apenas entidades e associações com mais acesso aos gabinetes de Brasília.

Estadão
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