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Bolsonaro e ministros entregam ao Congresso MP de privatização da Eletrobrás

O objetivo, ao entregar o texto aos presidentes da Câmara e Senado, é sinalizar que o governo não retroagiu de sua agenda liberal após Bolsonaro intervir no comando da Petrobrás

23 fev 2021 - 17h31
(atualizado às 20h53)
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BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro e os ministros da Economia, Paulo Guedes, de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, entregaram pessoalmente ao Congresso, no início da noite desta terça-feira, 23, o texto da MP de privatização da Eletrobrás, estatal com foco em geração e transmissão de energia.

Bolsonaro e a caravana de ministros fizeram a travessia do Palácio do Planalto, onde o presidente despacha, ao Congresso, a pé. O objetivo, com o gesto, é sinalizar que o governo não retroagiu de sua agenda liberal após o presidente Jair Bolsonaro intervir no comando da Petrobrás. O texto foi entregue aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

"Nossa agenda de privatização continua a todo vapor. Nós queremos, sim, enxugar o Estado, diminuir o tamanho do mesmo, para que a nossa economia possa realmente dar a satisfação, dar a resposta que a sociedade precisa", disse o presidente durante a cerimônia de entrega da MP.

Na semana passada, Bolsonaro provocou quedas expressivas nas ações da Petrobrás e da Eletrobrás ao sugerir e anunciar interferências nas duas estatais. No caso da Eletrobras, Bolsonaro disse que o governo ia "meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também", sem esclarecer o que faria.

Medidas provisórias têm força de lei assim que publicadas no "Diário Oficial da União". Precisam, contudo, ser aprovadas pelo Congresso para se tornar leis em definitivo. Lira afirmou que pretende pautar o texto no plenário da Câmara já na próxima semana.

"O primeiro passo do que podemos chamar de uma agenda Brasil. Privatizações, discussões, capitalizações, investimentos, a pauta que andará no Congresso com as reformas. Nós cumpriremos todo o nosso papel com unidade, acima de tudo, respeito aos outros poderes e harmonia. É o que o Brasil precisa para destravar as pautas neste ano", disse o presidente da Câmara.

Apesar de o gesto político de Bolsonaro ter sido celebrado por Pacheco e Lira e da demonstração de que há disposição para uma discussão célere do tema, o presidente do Senado ressaltou que os parlamentares farão uma "avaliação crítica" da medida.

"Como todas as Medidas Provisórias, será dada a devida atenção, o devido encaminhamento, com avaliação crítica, evidentemente, da maioria da Câmara, da maioria do Senado, entendendo as modificações que eventualmente devam ser feitas", disse Pacheco, que já tinha dito ao Estadão que a privatização da Eletrobrás não era prioridade.

Durante o rápido pronunciamento, tanto Bolsonaro quanto os presidentes da Câmara e do Senado evitaram citar que a Eletrobrás está sendo privatizada, o que ocorrerá quando o controle da companhia ficar na mão de agentes privados. Todos deram ênfase à palavra "capitalização", uma vez que a operação se dará com emissão de novas ações da companhia em mercado. Esses papéis serão comprados por investidores privados, diluindo a participação do governo na empresa.

Bolsonaro chegou a precisar de uma "cola" do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, para lembrar qual empresa era alvo da medida que ele entregava aos chefes do Legislativo. "Satisfação de retornar a essa Casa para trazer uma Medida Provisória que visa à capitalização do sistema...", disse Bolsonaro. Ao perceber a pausa, Albuquerque falou fora do microfone: "Eletrobrás". "Da Eletrobrás", repetiu o presidente.

MP inclui Grupo Eletrobrás em plano de desestatização

O texto, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, inclui a Eletrobrás e suas subsidiárias no Programa Nacional de Desestatização (PND) por meio da revogação de um trecho da Lei 10.848/2004 - aprovada durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que excluiu as empresas do programa.

A MP é semelhante ao do projeto de lei proposto pelo governo Bolsonaro em novembro de 2019 - que empacou no Congresso - e ao elaborado pelo governo Michel Temer no início de 2018 - que acabou sendo arquivado. O governo Temer também já havia tentado privatizar a Eletrobrás por meio de uma Medida Provisória, a MP 814, que acabou caducando (ou seja, perdendo a validade) em 2018.

A principal diferença é que a nova MP condiciona quase todas as ações à aprovação do texto e sua conversão em lei. Na prática, portanto, apenas uma de suas medidas terá efeito imediato: a autorização para contratação de estudos para o processo por parte do BNDES.

A capitalização, operação em que a União deve ficar com menos de 50% dsa ações da empresa, está condicionada à conversão da proposta em lei. Hoje, a participação do governo federal, fundos e BNDES na Eletrobrás é de 60%.

Com o envio da MP, o governo deixará claro que desistiu do projeto de lei enviado no fim de 2019, embora o teor da proposta seja bastante semelhante. A MP prevê nova emissão de ações, processo por meio do qual a participação da União será diluída, e inclui expressamente a renovação antecipada por 30 anos da usina de Tucuruí, um dos principais ativos da Eletronorte, que vence em 2024. Para outras usinas da Eletrobrás, a MP também prevê novos contratos de 30 anos, condicionados ao pagamento de outorga (taxa pelo uso das usinas).

A exemplo das propostas anteriores, a MP mantém Eletronuclear e Itaipu sob controle da União. O Tratado de Itaipu não permite mudanças que não tenham sido aprovadas pelo Paraguai, enquanto a exploração nuclear é atividade exclusiva da União, conforme a Constituição.

Pelo texto da MP, a União fica autorizada a criar uma nova empresa pública ou sociedade de economia mista para gerir Itaipu e a Eletronuclear. A medida a ser enviada pelo governo veda a participação de qualquer acionista acima de 10% do capital da Eletrobrás. A capitalização da companhia vai contar com a ação preferencial de classe especial, chamada golden share, para a União - que terá poder de veto em alguns temas.

A principal mudança que a MP traz é o direcionamento explícito de recursos para as regiões Norte e Sudeste - além da bacia do São Francisco, proposta que já estava em todas as versões anteriores. É um aceno claro ao Congresso e suas lideranças, principalmente aos senadores da Região Norte e a Rodrigo Pacheco, que já manifestou resistência à privatização da companhia e defende a recuperação das bacias hidrográficas da região de atuação de Furnas.

A MP define o pagamento de R$ 350 milhões anuais por 10 anos para a bacia do São Francisco; de R$ 295 milhões anuais, também por 10 anos, para redução de custos de geração termelétrica no Norte, particularmente na Amazônia Legal; e de R$ 230 milhões anuais pelo mesmo período para os reservatórios das usinas de Furnas.

A medida determina ainda que a Eletrobrás deverá pagar uma outorga de 50% do valor adicionado pelos novos contratos, que deverão ser firmados no regime de produção independente (preços livres), em substituição ao regime de cotas (custo, operação e manutenção). Estabelece ainda que a Eletrobrás deverá assumir integralmente o risco hidrológico das hidrelétricas (escassez de chuvas).

Criado em 2013, o regime de cotas estabeleceu que a energia produzida por uma parte das usinas da estatal seria vendida aos consumidores a valores mais baixos que o de mercado. Com a retirada dessas usinas do regime, a Eletrobrás poderá voltar a vender energia a preço de mercado, portanto, mais alto.

Estadão
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