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Brumadinho aumenta pressão de investidor estrangeiro por mais transparência e segurança na mineração

Movimento formado por 110 investidores com mais de US$ 14 trilhões sob gestão questionou 727 mineradoras e deu origem a banco de dados global com informações de 1.939 barragens

24 jan 2020 - 16h50
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RIO e SÃO PAULO - O colapso da barragem da Vale que vitimou 270 pessoas em Brumadinho (MG), um ano atrás, foi o gatilho para investidores estrangeiros pressionarem as mineradoras por maior transparência e segurança. Capitaneado pelo fundo de pensão The Church of England, um grupo de 110 investidores com mais de US$ 14 trilhões sob gestão questionou 727 mineradoras sobre suas barragens. Nesta sexta-feira, 24, véspera do aniversário da tragédia, se concretiza o primeiro resultado do movimento: um banco de dados global com informações de 1.939 barragens. Até o fim do semestre, deve sair do papel um código de melhores práticas para o armazenamento de rejeitos, com um padrão internacional a ser seguido por quem quiser atrair esse público.

A Vale sentiu na pele a reação desses atores. O Church of England se desfez das ações da mineradora. O megafundo de pensão californiano Calpers, de US$ 402 bilhões, vendeu todo seu portfólio de bonds (títulos de dívida) da companhia após o rompimento da barragem, sob o argumento das punições e custos de remediação a que ela será submetida. Líder em investimentos integrados ao desenvolvimento social, ambiental e de governança (ESG, na sigla em inglês), a gestora holandesa Robeco pôs a Vale em uma lista de empresas com restrições de investimento.

Consultados pelo Estadão/Broadcast, Church of England e Robeco afirmaram que ainda é cedo para pensar em reinvestir na mineradora brasileira. A Calpers não comentou. "Infelizmente, a Vale continua na nossa lista de exclusão. Os acidentes na empresa foram severos. Só teremos conforto em revisar nosso posicionamento uma vez que a Vale tenha descomissionado (fechado) todas as barragens em situação de risco em suas operações e tenha de fato implementado uma gestão ambiental de acordo com os padrões a serem estabelecidos pela iniciativa de investidores globais para a segurança no setor", diz a gestora da Robeco para Brasil, Daniela da Costa-Bulthuis.

"Não temos planos de afrouxar nossa restrição de investimento na companhia. Ainda há um longo caminho antes de considerarmos voltar a investir na Vale", afirma o diretor de Ética e Engajamento do Church of England, Adam Matthews.

Ao lado de especialistas e investidores, Matthews participa nesta sexta-feira, 24, em Londres, de uma cúpula sobre segurança de mineração e rejeitos. Para marcar um ano de Brumadinho, representantes das comunidades afetadas pela tragédia foram convidados a dar depoimentos. Segundo ele, o banco de dados criado a partir das respostas de 332 empresas mostrará onde estão as barragens, imagens das comunidades próximas e informação sobre suas condições de segurança.

O desastre de Brumadinho tem destaque no portal. "Estamos falando de um volume de 48 bilhões de metros cúbicos de rejeitos, cerca de 42 mil vezes o tamanho do Estádio de Wembley", diz.

Questões ambientais pesam nas ações da Vale

Sob os holofotes do Fórum Econômico Mundial de Davos, os critérios ESG têm sido uma das causas do elevado desconto sobre o preço das ações entre a mineradora brasileira e suas principais concorrentes, as australianas BHP Billiton e Rio Tinto. Relatório recente do Citi apontou que 50% dessa diferença - de 20% a 30% no valor dos papéis, a depender do critério de análise - se devem justamente a questões ambientais, sociais e de governança.

O diretor de ratings corporativos da agência de classificação de riscos Fitch, Phillip Wrenn, afirmou ao Estadão/Broadcast que são exatamente deficiências em relação à questões ESG que impedem atualmente a Vale de ter um rating corporativo acima do que "BBB-". "O acidente de Brumadinho ocorreu, apesar de a administração afirmar que nunca mais haveria um rompimento na barragem de rejeitos semelhante à ocorrida na Samarco - uma joint venture entre Vale e BHP Billiton - três anos antes", disse.

Para ele, preocupações adicionais com ESG estão relacionadas com o gerenciamento de resíduos e materiais perigosos, além da resistência social aos projetos da mineradora, sejam eles de expansão ou novos projetos.

Daniela, da Robeco, disse que Brumadinho provocou a discussão sobre o impacto socioambiental da mineração. Para ela, um ano depois da tragédia, a ação de investidores já refletiu em maior abertura das mineradoras para falar sobre suas operações e os riscos ambientais relacionados. Membro da Iniciativa de Segurança para Investidores em Mineração e Rejeitos, nome do grupo criado pela Church of England, a gestora conduzirá, a partir deste ano, um trabalho com suas investidas mais relevantes em busca das melhores práticas de segurança no setor.

"Empresas que não endereçarem questões de segurança e ambiental vão ter um risco crescente de passivos ambientais, trabalhistas e de reputação. Isso fará com que investidores descontem mais os preços das ações para refletir esses riscos associados, reduzindo o potencial de valorização das empresas", diz Daniela.

Notas de risco ganham mais importância

Com a demanda e o olhar cada vez mais atento dos investidores para questões ESG, as classificadoras de risco têm dado maior espaço a esses fatores em seus relatórios, afirmou a diretora de ratings corporativos a S&P, Flavia Bedran. Segundo ela, os riscos ambientais, sociais e de governança sempre foram inerentes à análise, mas hoje a abertura é maior nos relatórios. "Estamos colocando essas informações mais em evidência. Os fundos europeus estão bastante restritivos (em relação às questões ESG)".

No capital social da Vale, o único fundo estrangeiro com mais de 5% das ações é o BlackRock. O presidente da maior gestora do mundo, com mais de US$ 7 trilhões sob gestão, Larry Fink, tem sido ao longo dos últimos anos uma das vozes mais ativas em relação aos o investimentos e questões ESG, além do capitalismo responsável. Em sua última carta, destinada às lideranças empresarias de todo o mundo, Fink afirmou que a BlackRock vai desinvestir em setores com maior risco ao nível da sustentabilidade do globo, como produtores de carvão.

"Até o fim de 2020, todos os portfólios ativos e estratégias de consultoria estarão totalmente integradas a critérios ESG - isso significa que nossos gestores de portfólio serão responsáveis pela gestão adequada da exposição aos riscos ESG e pela documentação de como essas considerações afetaram as decisões de investimento realizadas", conforme carta da gestora, enviada a clientes na semana passada.

Ciente desse cenário, a Vale dedicou boa parte do Vale Day, encontro com analistas de mercado realizado no fim do ano passado, em Nova York e Londres, para apresentar seu plano estratégico para os próximos anos: reparar integralmente as consequências de Brumadinho, se transformar em uma empresa mais segura e confiável, e estabelecer um novo pacto com a sociedade, adotando metas envolvendo mudança climática, energia e florestas. A companhia informa que também lançou um portal voltado a dar transparência às suas ações ESG, expondo avanços e "gaps" da empresa.

Estadão
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