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'Brasil não pode cair na tentação de tomar atalhos', diz ex-presidente de agência de rating

Regina Nunes, que chefiou a S&P Global Rating no Brasil e na América Latina, diz que o País pode retomar os investimentos, principalmente em infraestrutura, se fizer reformas

12 jun 2019 - 09h43
(atualizado às 10h07)
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Ao longo de 20 anos na S&P Global Ratings, a administradora Regina Nunes acompanhou de perto a evolução das condições macroeconômicas do Brasil, da crise cambial em 1999 ao grau de investimento, concedido em 2008. Deixou uma das maiores agências de classificação de risco do mundo como presidente da agência no Brasil, na Argentina e colíder da América Latina em um momento no qual o País passa, novamente, por mais uma crise.

Para a administradora Regina Nunes, 'Brasil não cresce porque falta credibilidade, transparência, porque não resolve seu problema fiscal'
Para a administradora Regina Nunes, 'Brasil não cresce porque falta credibilidade, transparência, porque não resolve seu problema fiscal'
Foto: RNA Capital/Divulgação / Estadão

Para ela, desta vez, o País não pode mais cair na tentação de tomar atalhos. "Fazer a reforma da Previdência, mas mexendo só um pouquinho, e não fazer tudo que precisa. Fazer a tributária, mas não como um todo. Não se pode ficar fazendo puxadinhos", ressalta, agora, como fundadora da assessoria financeira RNA Capital.

Nesse sentido, ao fazer as reformas necessárias e rapidamente, o Brasil volta a ganhar credibilidade e a deslanchar investimentos, principalmente na área de infraestrutura, que será a tração para o crescimento.

Segundo Regina, recursos estrangeiros estão prontos para ingressar no País, entretanto, é preciso olhar internamente, pois há liquidez por aqui. "Todo mundo procurando papel (debêntures) para investir, há pouca oferta, e os preços na renda fixa não estão altos. Existe um investidor que quer financiar o País", afirma.

Leia a seguir trechos da entrevista.

Qual a sua avaliação sobre o protagonismo que o Congresso está tendo quanto às reformas da Previdência e tributária?

O Congresso é um dos principais protagonistas de todas as reformas que se faz. O ponto do Congresso hoje é conseguir construir um consenso com mais rapidez. A proposta para a Previdência é complexa e as discussões demoram mesmo. Mas precisamos de uma evolução rápida, pois o País está vindo de um sofrimento de muitos anos. O Brasil não cresce porque falta credibilidade, transparência, porque não resolve seu problema fiscal e, se isso não resolver, o País terá um problema ainda mais grave. É uma questão de tempo.

Quanto tempo?

Tenho mais de 30 anos de experiência em análise de risco. Quando se olha o Brasil hoje o ponto não é bem tempo em que ele vai colapsar, mas observar que os ratings de crédito são semelhantes ao de países que não têm diversidade, que não têm tamanho, que não têm produtividade. O País não está comparado a mercados em desenvolvimento que tenham bancos, sistema financeiro forte, sistema privado grande e a estrutura que o Brasil tem. Está comparado a pares que não têm o seu potencial porque há mais endividamento do que o deles, e essa dívida não está nem no prazo e nem na condição que precisa. O Brasil está usando dívida para pagar custo do dia a dia.

Você acredita que poderia haver alguma ação do governo para reanimar a economia enquanto a reforma não passa?

Está na hora de o Brasil repensar seus modelos de gestão, porque, se você fizer a mesma coisa do mesmo jeito, não pode esperar um resultado diferente. E o que trouxe o Brasil à estagnação não foram só algumas medidas econômicas, mas a postergação de reformas extremamente necessárias enquanto elas não estavam dando os problemas fiscais no montante que estão dando hoje. Todos sabiam dos problemas da Previdência, mas enquanto havia crescimento, se postergava. O Brasil não pode continuar fazendo coisas que não resolvem. Há 20 anos, as reformas são debatidas o tempo inteiro e não se ataca de frente.

A aprovação da reforma Previdência tem impacto positivo, mas não imediato...

Essa reforma é o mínimo para trazer a credibilidade de longo prazo de volta e, inclusive, a credibilidade da própria sociedade brasileira para que tenha o conforto de saber o que é que vai acontecer e o que tem a receber daqui a um ano ou daqui a 30 anos, para quem vai começar a trabalhar agora. Porém, vejo que, quando se olha os Ministérios da Economia, de Infraestrutura e de Minas e Energia, já houve avanços. Mas as ações ficam empanadas por essa discussão da Previdência. Que governo que, em 100 dias, fez mais de 20 concessões? Fez para portos, aeroportos e uma ferrovia. Significa que este governo teve capacidade de trazer pessoas que mantiveram o carro andando.

O que pode dar tração para a economia?

É pela área de infraestrutura que pode haver crescimento, pois traz produtividade e muito emprego. Hoje o governo não tem dinheiro para fazer investimento público necessário; a aplicação está entre 1,5% e 2% do PIB, o que é baixo até para a América Latina. Há uma série de investimentos que podem ser canalizados para essa área. O que precisa hoje é ter mais marcos regulatórios. Uns dependem do Congresso, outros, não. Esses também ficam engessados por ter reformas de envergadura tramitando no Congresso.

Qual sua avaliação sobre a reforma tributária que já está tramitando na Câmara?

Eu acredito que as coisas vão melhorar muito com a reforma tributária que está no Congresso. Ela traz coisas muito importantes: mantém os níveis de arrecadação, tem uma fase de transição e traz transparência e simplicidade. A proposta do (secretário da Receita Federal) Marcos Cintra também é muito boa. Uma coisa não precisa ser contra a outra. É possível pegar os melhores pontos e debater o que fazer. Essas discussões não são antagônicas. Vai se chegar em um ponto de ser uma proposta só.

O investidor estrangeiro está com medo do Brasil?

Acho que eles estão prontíssimos para vir. Mas creio que não deveríamos ficar olhando só para o investidor internacional. Hoje há liquidez dentro do Brasil. Apesar de estarmos em uma crise grande, há dinheiro aqui. Todo mundo procurando papel (debêntures) para investir, há pouca oferta, e os preços na renda fixa não estão altos. Existe um investidor que quer financiar o País.

As agências de rating sempre focaram no setor externo como fortaleza. Com o desaquecimento mundial e a crise na Argentina há risco de enfraquecimento nas contas desse setor?

O Brasil ainda é um dos principais destinos para investimento direto do mercado internacional quando se compara com os emergentes e o volume que vem para cá cobre o déficit em conta corrente. As reservas são fundamentais, eu não falo pelas agências de rating, mas posso dizer que, a única coisa que poderia acelerar um problema maior para o Brasil seria uma escorregada na parte externa ou porque houve grande diminuição do investimento direto ou porque se resolveu diminuir reservas de uma forma que não era para fazer. É um pilar muito forte. Eu não vislumbro problema na parte externa do Brasil com o tipo de administração e gestão que temos hoje.

O que seria um problema?

O Brasil não pode cair na tentação dos atalhos. Fazer a reforma da Previdência, mas mexendo só um pouquinho, e não fazer tudo que precisa. Fazer a tributária, mas não como um todo. Existem tentações e é preciso resistir porque atalhos não te levam para o mesmo lugar e a chance de você encontrar o buraco negro e cair nele é grande. Tem que pegar a estrada correta, iluminada. É mais longa, mas, com certeza, se chega lá de forma segura. Aprendemos como analistas de risco que o que dá certo para todo mundo pode até não dar certo para você. Mas o que dá errado dá errado para todo mundo e também para você. E hoje os projetos que estão sendo gestados são um excelente caminho, parecido com o que tomamos quando tivemos a melhor fase do Brasil.

Sem atalhos, em quanto tempo poderíamos retomar o grau de investimento?

Não há um boom de commodities como entre 2003 e 2007, não há o crescimento global como no passado. Não tenho como falar pelas agências de rating, mas é possível melhorar a vida do brasileiro a partir de um ano que você está tomando todas as medidas certas. O Brasil demorou cinco anos para sair de um B+, um risco maior que ele tem hoje, para um BBB- estável. Se fizermos o que temos de fazer, o ganho não precisa vir por ser ou não grau de investimento, pois o mercado já precifica. E os mercados internacionais, mesmo com redução de liquidez, sempre vão buscar bons investimentos. Se fizermos a nossa parte, com certeza, eles olham para o País. O Brasil hoje está num ponto de inflexão, vai escolher para que lado ele quer ir.

O câmbio está fora do lugar ?

O mercado cambial está volátil por causa da vulnerabilidade da estrutura macroeconômica brasileira. Mas, ainda assim, está havendo uma volatilidade global que não é nossa e isso é um certo alento. Quanto melhor for sua estrutura fiscal e sua estabilidade monetária, mais forte você vai ser para enfrentar volatilidade que venha de fora do seu País. Hoje existe realmente uma desvalorização de todas as moedas. Desde que não seja um movimento isolado em relação ao Brasil, não é um ataque à moeda, nem saída (de recursos) do País.

Estadão
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