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Brasil avança em reformas, na contramão da América Latina, diz executiva da Moody's

Samar Maziad, vice-presidente e principal analista para o Brasil da agência de classificação de risco, diz que aprovação de reformas será positiva para o perfil de crédito do País

13 nov 2019 - 17h01
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NOVA YORK - O Brasil está em pleno processo de avanço de reformas estruturais na área fiscal, na contramão de vários países na América Latina, o que permite uma avaliação diferenciada dos mercados financeiros sobre a evolução do País, segundo a vice-presidente e principal analista da Moody´s para o Brasil, Samar Maziad, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Para ela, contudo, sem o crescimento sustentável a partir dessas mudanças estruturais, poderão ocorrer retrocessos ou questionamentos por parte da população no País sobre a eficácia das reformas para gerar bem estar à maioria dos cidadãos.

A executiva acredita que será "positivo" para o perfil de crédito do Brasil a aprovação de medidas que visam assegurar o cumprimentos do teto dos gastos federais a partir de 2021, além da reforma da Previdência. Samar destaca ainda a projeção de um crescimento entre 2,0% e 2,5% nos próximos anos.

Veja os principais trechos da entrevista.

Como a senhora avalia o cenário de polarização política na América Latina e como isso pode afetar os investimentos no Brasil e a perspectiva de obtenção do rating soberano do País no curto prazo?

Há pressões sociais em vários países da região, com diferentes graus de pressão em cada nação, como ocorreu com Chile, Bolívia, Equador, Argentina e até de alguma forma no Peru. Há também um grau de diferenciação sobre a capacidade de cada governo para lidar com tais pressões e os mercados fazem uma diferenciação na análise de cada país. Por exemplo: o prêmio de risco no Chile e Peru não subiu da mesma forma como ocorreu no Equador.

Em relação ao Brasil, não ocorre descontentamento social ou reveses nas políticas de reformas do governo. Foram registradas manifestações no País em 2013 com reivindicações em várias áreas, mas aquelas demandas não aconteceram recentemente. Isso gera um contraste entre o nível de apoio das políticas do Executivo no Brasil em relação ao que ocorre em outros países da região.

Por que o Brasil não registra hoje o mesmo nível de pressão social como ocorre em outros países da América Latina?

O Brasil, de um modo interessante, está em um processo de avanço. Há um impulso forte para reformas no País que vão na contramão da tendência do que ocorre em outras nações na região e também em outros mercados emergentes. A questão é por quanto tempo será sustentado esse progresso após a aprovação da reforma da Previdência Social e de outras reformas fiscais propostas pelo governo e privatizações. Há sempre riscos de retrocessos ou de questionamentos sobre os efeitos de tais reformas sobre a economia, a menos que ocorra uma recuperação econômica mais sustentável com crescimento maior.

Há o risco de o governo não adotar reformas e medidas estruturais necessárias para avançar o crescimento do País para um patamar superior a 2% nos próximos anos?

Precisamos observar de onde o nível de expansão veio nos últimos anos. Sim, muitas pessoas esperam ver melhoras do nível de emprego, de investimentos, dos gastos do consumo e do crescimento do PIB para apontar que as reformas estão beneficiando todos. É crucial transformar as reformas em crescimento. Mas também é importante lembrar que a taxa de desemprego está baixando e vem de níveis elevados a partir dos dois anos de retração econômica que não foram provocadas pelas atuais reformas, mas pela crise que ocorreu de 2014 a 2016 e requer muito tempo para uma recuperação.

O que está ocorrendo é uma transformação da economia do Brasil em resposta a uma crise que levou ao aumento substancial do desemprego e piora do nível de renda da população.

As medidas que o governo anunciou na semana passada são suficientes para que o crescimento do País supere a marca de 2% ao ano e evite manifestações populares?

As medidas fiscais anunciadas há poucos dias visam melhorar a administração das contas públicas, assegurar que será cumprido o teto de gastos federais e garantir a sustentabilidade da dívida federal, que é uma condição necessária para assegurar o crescimento da economia. Para o crescimento superar 2% ao ano dependerá de reformas estruturais. Em relação à reforma tributária, entendemos que há discussões no Congresso sobre vários projetos relativos ao tema com foco voltado para simplificar o sistema tributário no País, que é um importante elemento para melhorar a competitividade da economia. É um longo processo, pois inclusive haverá um período de transição, mas há pelo menos uma discussão para avançar este sistema.

Há um imediato problema sobre como viabilizar o cumprimento do teto de gastos a partir de 2021 e medidas precisaram ser adotadas. Se não ficasse claro como o governo iria viabilizar o cumprimento do teto de gastos surgiriam novamente questões sobre a sustentabilidade da dívida pública e teria efeitos negativos sobre o crescimento novamente.

A senhora considera que o Congresso aprovará uma proposta de reforma tributária até o fim do mandato do atual governo, em 2022?

É uma reforma muito complexa e demanda muita negociação. A boa notícia é que há certo grau de consenso em relação à sua necessidade no Congresso, governo e também nos Estados. Há uma janela estreita para avançá-la na primeira metade do próximo ano antes das eleições municipais. Há chances de ser aprovada (até o final de 2022), mas não temos certeza.

O que significa esse cenário para as perspectivas de crescimento do Brasil nos próximos dois anos?

Projetamos que o PIB deve crescer perto de 2% em 2020 e subirá para 2,5% em 2021.

Depois de aprovada a reforma da Previdência e com medidas fiscais que vão colaborar para o crescimento do País atingir 2,5% em 2021, o Brasil estará em uma situação que merecerá um upgrade de sua nota soberana pela Moody's?

A aprovação da reforma da Previdência Social já estava incorporada em nosso cenário base com a nota atual Ba2, com perspectiva estável. Outras reformas fiscais e crescimento sustentável entre 2,0% e 2,5% do PIB serão positivos para o perfil de crédito do País.

A senhora considera que o governo terá a capacidade de construir consenso político no Congresso para aprovar reformas?

Todo governo lida com a oposição, o que é legítimo no processo político. O Congresso tem apresentado muito apoio para a direção das medidas fiscais que o governo defende. O debate político no Poder Legislativo pode ficar mais animado, mas cada medida precisa de um número específico em cada votação dos parlamentares, especialmente com emendas constitucionais, entre elas a reforma tributária.

Tivemos questões sobre a viabilidade da aprovação da reforma da Previdência, mas ocorreu apoio do Congresso. A reforma tributária é complexa, mas no início deste processo há apoio para realizá-la na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Estadão
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