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Bolsa recua e dólar sobe a R$ 5,21 com aumento da percepção de risco fiscal

Parecer protocolado hoje pelo senador Fernando Bezerra para a criação de um novo Refis azedou o humor do investidor; aprovação de projeto de privatização dos Correios ficou em segundo plano

5 ago 2021 - 14h46
(atualizado às 18h13)
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O aumento da percepção de risco fiscal no Brasil teve reflexo direto nos negócios desta quinta-feira, 5, com os ativos locais anulando o sinal positivo que predominava mais cedo. O dólar fechou em alta de 0,57%, a R$ 5,2156, enquanto a Bolsa brasileira (B3) teve queda de 0,14%, aos 121.632,92 pontos, apesar de subir 1,43% mais cedo. Nem mesmo a aprovação do projeto de privatização dos Correios na Câmara ajudou a melhorar o humor do mercado.

Em mais um pregão de extrema volatilidade, o dólar oscilou mais de 11 centavos entre a mínima, a R$ 5,113, e a máxima, a R$ 5,2261. O dólar para setembro fechou com alta de 1,60%, a R$ 5,2700. Pela manhã, o real até brilhou, liderando os ganhos entre divisas emergentes, na esteira da alta da taxa Selic em 1 ponto porcentual, para 5,25%, e do aceno do Copom de que levará a política monetária para o campo restritivo - o que sugere a ampliação do diferencial de juros interno e externo e, em tese, aumenta a atratividade da renda fixa local.

Mas a moeda brasileira sucumbiu ao longo da tarde em meio ao aumento da percepção de risco fiscal, o que levou investidores a realizar lucros e recompor posições defensivas. O gatilho desta vez foi o parecer do programa de parcelamento de débitos tributários, conhecido como Refis, que despertou receio de perda de arrecadação. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é contra um programa tão amplo e com condições tão generosas.

O textoprevê o perdão de até 90% em multas e juros e 100% nos encargos e ainda o parcelamento de débitos tributários em até 12 anos edeverá ser votado na próxima quinta-feira no Senado. Esse é mais um ponto de apreensão sobre o rigor fiscal do governo Bolsonaro, já sob suspeita por conta do debate em torno do reajuste do Bolsa Família e os penduricalhos na PEC dos precatórios, como criação de um fundo - fora do teto de gastos - para benefícios sociais.

Para o sócio e economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, o risco fiscal, com as dúvidas sobre o que ficará fora do teto de gastos no Orçamento de 2022, dão certa rigidez à taxa de câmbio. "Essa questão do Refis para empresas pode trazer perda de arrecadação. Além disso, tem o problema dos precatórios e a indefinição sobre o reajuste do Bolsa Família. São muitas brechas fiscais que ainda não foram solucionadas, o que impede o dólar de cair mesmo com os juros mais altos", afirma Velho

No fim da manhã, o real já havia reduzido os ganhos, após novos ataques incisivos de Bolsonaro aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aumentando a temperatura dos atritos entre os Poderes. Em entrevista a uma rádio, o presidente defendeu a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das "urnas eletrônicas" e convocou a população a se manifestar contra o STF para "defender a constituição". A leitura predominante nas mesas de operação é que Bolsonaro pode combinar retórica cada vez mais agressiva com expansão das benesses sociais, burlando informalmente o teto de gastos, para tentar recuperar a popularidade.

O economista da JF Trust afirma que uma piora "na seara fiscal" pode deteriorar a dinâmica de crescimento, provocando diminuição de investimentos e fluxo de recursos para o país. "Não há sinal de descontrole no dólar, porque as contas externas são saudáveis, mas não existem estímulos para apostar em uma melhora do real agora", diz Velho, que estima uma Selic mínima de 8% em dezembro deste ano e de 8,5% no primeiro trimestre de 2022. "Se o mercado tiver a percepção de que a Selic pode ir até 9% e se aproximar de dois dígitos, aí podemos ver o câmbio se apreciar."

O diretor da NGO Corretora, Sidney Nehme, ressalta que a inflação "mais aquecida do que a elevação dos juros" pode inibir o fluxo de recursos para a renda fixa, até mesmo os mais especulativos. "E, como a vitalidade da recuperação econômica é frágil, pode afetar os ânimos dos investimentos, comprometendo a dinâmica do Ibovespa e dos IPOs", avalia Nehme, em relatório, ressaltando que os ruídos políticos e o risco fiscal afetam o comportamento da taxa de câmbio.

Lá fora, o índice DXY - que mede o desempenho do dólar em relação a seis moedas fortes - trabalhou perto da estabilidade na maior parte do dia, na casa de 92,200 pontos. A moeda americana teve comportamento misto em relação a divisas emergentes e de países exportadores de commodities - queda ante o peso mexicano e o rublo, e alta na comparação com o rand sulafricano e a lira turca.

Bolsa

O Ibovespa perdeu força à tarde, migrando de ganhos para perdas no dia, com a relativa satisfação decorrente de endurecimento do viés do Copom sobre a inflação, dando lugar à retomada de temores sobre a situação fiscal, com a proposição de novo Refis e os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitorial do País.

Uma queda mais brusca do índice foi evitada pelo forte desempenho da Petrobras, que reportou lucro de R$ 42,85 bilhões no segundo trimestre, resultado acima do esperado e que reverteu as perdas registradas no mesmo período do ano passado. A ação ON sobiu 9,63% e a PN, 7,88%. O bom desempenho do mercado de Nova York, que fechou com novo recorde, também ajudou a evitar maiores perdas.

"Não fosse Petrobras, teria sido pior. Não conseguimos acompanhar o sentimento positivo do exterior, com percepção de risco sobre Brasil que tem afetado a precificação de ativos do País. O que está provocando isso é a reeleição de Bolsonaro: com a popularidade que ele tem hoje, a reeleição não cabe no fiscal. Tão simples quanto isso, o que se reflete em prêmios de risco em todo tipo de ativo brasileiro", diz Roberto Attuch, CEO da Ohmresearch.

Mesmo com os sinais de Selic mais encorpada, as ações de bancos, em meio a uma temporada em geral favorável de resultados trimestrais, estiveram entre as perdedoras do dia, com destaque para Bradesco ON, em queda de 1,68% e Banco do Brasil ON, de 1,78%. A queda pronunciada no minério de ferro na China, de 6,61%, afetou também as ações de mineradoras e siderurgia, com Vale ON e CSN em baixas de 3,06% e 3,96% cada. No lado positivo, destaque para Magazine Luiza, com alta de 2,51%. /LUÍS EDUARDO LEAL, ANTONIO PEREZ E MAIARA SANTIAGO

Estadão
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