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BC está em uma encruzilhada entre inflação maior com energia mais cara e PIB menor com racionamento

Cenários estão sendo levados em conta pelo Banco Central para definir o rumo da taxa básica de juros, que, desde março, saltou de 2%, o menor nível histórico, para 4,25% ao ano

24 jun 2021 - 11h32
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BRASÍLIA - O Banco Central está 'emparedado' e levanta vários cenários sobre o impacto do setor elétrico para o controle da inflação e a economia neste ano e em 2022. De um lado, a inflação vai ficar pressionada com o aumento na taxa extra na conta de luz, após reajuste na bandeira vermelha ainda a ser definido, com reflexos para o ano que vem. Por outro lado, diretores e técnicos do BC também avaliam se a necessidade de racionamento de energia para evitar um apagão pode aliviar a inflação e conter o crescimento.

Ambas as possibilidades são levadas em conta para definir o rumo da taxa básica de juros, segundo apurou o Estadão/Broadcast. O BC iniciou em março o processo de alta da Selic (a taxa básica de juros) para segurar a inflação. Desde então, a taxa saltou de 2%, o menor nível histórico, para 4,25% ao ano.

A perspectiva de que a bandeira vermelha nível 2, hoje em R$ 6,24 a cada 100 quilowatts-hora (kWh), será reajustada para além de R$ 7,57 por 100 kWh pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estava fora do radar da instituição. Foi apenas na semana passada que o órgão regulador reconheceu que será necessário aumentar o valor além do que foi proposto na consulta pública, que previa uma alta de 21%. Isso será incorporado pelo BC a partir de agora.

Mesmo esse aumento adicional na bandeira não cobrirá todos os custos das distribuidoras com a compra de energia. A parte que não é capturada pelas bandeiras ficará para os reajustes anuais em 2022, ano em que as tarifas também serão pressionadas em razão do início do repasse de valores para o pagamento do empréstimo de R$ 16 bilhões para as distribuidoras - alternativa encontrada para que as concessionárias enfrentassem os efeitos da pandemia de covid-19, que causaram queda no consumo e aumento da inadimplência.

Publicamente, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reconheceu no início do mês, que a falta de chuvas poderia causar impactos não apenas na energia, mas também no preço dos alimentos e, consequentemente, na definição da política monetária (ou seja, na calibragem dos juros para o controle da inflação). A manifestação foi feita em evento promovido pelo Bank for International Settlements (BIS) no início de junho.

O Banco Central passou também a estudar os efeitos que um racionamento teria sobre a economia brasileira, a inflação e, consequentemente, os juros. Além do acionamento de todas as usinas térmicas, a crise hídrica levou o governo a preparar uma medida provisória que permite a criação de um "programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica", como revelou o Estadão/Broadcast no último dia 12.

Embora o Ministério de Minas e Energia (MME) tenha negado a possibilidade de um racionamento, a pasta reconheceu que explora "todas as medidas ao seu alcance" para atravessar a crise e não negou a existência da minuta da MP.

Também entrou no radar do BC a alternativa ao racionamento, prevista na minuta da MP. Chamado de resposta à demanda, a medida pretende mudar a produção industrial para horários menos visados, numa tentativa de evitar picos no início da tarde que possam levar a apagões. Para isso, as empresas serão remuneradas com o pagamento de um encargo que também vai pressionar a conta de luz, já que a ideia é que o governo "compre" o direito de deslocar esse consumo.

O racionamento de energia vigorou entre 1.º de julho de 2001 e 19 de fevereiro de 2002, período durante o qual a população foi obrigada a cortar o consumo em 20%. As indústrias tiveram que reduzir a produção e o PIB, que havia crescido 4,4% em 2000, desacelerou para 1,4% em 2001. O efeito da crise agora, portanto, seria recessivo e poderia contribuir para diminuir as pressões sobre a inflação.

Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada pelo BC na terça-feira, 22, a crise hídrica foi mencionada de maneira superficial. Para a autoridade monetária, a persistência das pressões inflacionárias se revelou maior do que o esperado, sobretudo entre os bens industriais - a energia é um dos principais insumos do setor.

"Adicionalmente, a lentidão da normalização nas condições de oferta, a resiliência da demanda e implicações da deterioração do cenário hídrico sobre as tarifas de energia elétrica contribuem para manter a inflação elevada no curto prazo, a despeito da recente apreciação do real", disse a ata, ressaltando que o Copom "segue atento à evolução desses choques e seus potenciais efeitos secundários".

Procurado pela reportagem, o BC não se manifestou.

Estadão
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