Azul vai fazer captação para reforçar o caixa sem usar recursos do BNDES
Aérea quer arrecadar até R$ 1,6 bilhão diretamente com o mercado para aliviar os efeitos da pandemia no caixa, após socorro do banco de fomento vir diferente do esperado
Sete meses depois de entrar na maior crise da história do setor aéreo, a Azul pretende conseguir liquidez e estar pronta para a retomada com a emissão de debêntures conversíveis em ações, que devem injetar cerca de R$ 1,6 bilhão ao seu caixa. Ao contrário do que se esperava quando a empresa começou a negociar um pacote de socorro junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ao lado de Gol e Latam, a Azul utilizou apenas o desenho elaborado pelo banco de fomento. A decisão, tomada após um processo de discussão que levou meses, foi levar a operação integralmente ao mercado, sem recursos do BNDES.
O processo de socorro das aéreas foi longo. Um dos pontos em torno do qual não houve consenso foi a diluição dos acionistas prevista com o bônus de subscrição (títulos de dívida conversíveis em ações) - o que deixava o empréstimo caro na visão das empresas. Também havia restrição no uso dos recursos provenientes do pacote. O BNDES tinha imposto, segundo fontes, veto do uso de dinheiro para o pagamento de dívidas ou compra de aviões, por exemplo. A justificativa era de que o dinheiro tinha de ser utilizado para a continuidade das operações, dado que se trata de dinheiro público. Agora, em uma emissão que será integralmente privada, a Azul informou que o dinheiro será utilizado para capital de giro, expansão da atividade de logística e outras oportunidades estratégicas.
"Com base da 'tecnologia' ou modelo de instrumento proposto pelo BNDES, as empresas vão pegar todo dinheiro a mercado, preservando recursos públicos da União e do BNDES", disse uma fonte, que falou na condição de anonimato. No começo da crise o banco de fomento negociou com diversos setores afetados, mas as empresas acabaram conseguindo soluções de mercado. O BNDES acabou direcionando sua atuação a pequenas e médias empresas (PMEs), com R$ 65 bilhões distribuídos via Programa Emergencial de Acesso ao Crédito - PEAC-FGI.
Pelo modelo proposto pelo BNDES, os recursos poderiam chegar a R$ 2 bilhões para cada companhia aérea, sendo que 60% viriam do banco, 10% do sindicato de bancos privados e o restante do mercado - essa era uma exigência desde o princípio. Parte do empréstimo sairia com taxa de CDI mais 4% ao ano. Mas o valor subia exatamente por conta do bônus de subscrição: o custo efetivo poderia chegar a CDI mais 14% ao ano. No prospecto da oferta anunciado pela Azul na última segunda-feira, 26, as debêntures têm data de vencimento de cinco anos e irão pagar juros remuneratórios de 7,5% ao ano no primeiro ano, por meio de aumento no valor nominal das debêntures e 6% de juros remuneratórios nos demais anos, a serem pagos semestralmente em espécie.
A Knighthead Capital Management LLC e a Certares Management LLC vão ser os investidores âncoras na emissão da Azul. A Knighthead Capital, por sinal, também participa do grupo de credores que ajudou a compor o empréstimo à Latam, no processo de recuperação judicial da aéreas nos Estados Unidos.
Negociações
Para conseguir driblar a crise dos últimos meses, a Azul promoveu uma dura negociação com fornecedores, arrendadores de aeronaves e funcionários. Somente na folha de pagamento, a empresa vai reduzir as despesas em aproximadamente 40% no segundo semestre, na comparação aos níveis pré-covid, com negociações com sindicatos e licenças involuntárias.
A retomada, entretanto, é um momento delicado para as empresas. Mesmo com todas as medidas de redução, a Azul fechou o segundo trimestre com liquidez total de R$ 3 bilhões, queda de 28% na comparação anual. A demanda continua crescendo.
A Azul havia previsto originalmente consumo de caixa de aproximadamente R$ 3 milhões por dia para o segundo semestre, mas apresentou um aumento de caixa de aproximadamente R$ 0,7 milhão por dia ao longo do terceiro trimestre, conforme dados preliminares e não auditados da aérea. Vitória diante de todo o caos da pandemia. Assim, para o quarto trimestre, a estimativa é uma queima de caixa média de R$ 2,5 milhões por dia.
O cenário fica mais difícil agora para a Gol, já que as concorrentes estão mais capitalizadas. Enquanto a Azul trabalha para captar recursos, a Latam conseguiu, no mês passado, mais de US$ 2,4 bilhões junto a investidores e acionistas, no processo de recuperação judicial nos Estados Unidos. No início da crise, especialistas apontavam a Gol como a companhia em posição mais confortável.
Ainda não está claro como anda a ajuda à Gol via BNDES. A aérea sempre se limita a dizer que negocia com o banco e há uma expectativa de que a operação, com subsídio do BNDES ou não, seja logo anunciada. Depois da Azul, ela era a mais adiantada nas negociações, disseram fontes. Já a Latam já deixou claro que a ajuda do banco de fomento perdeu prioridade, diante da captação feita no exterior.
Gol e Latam foram procuradas para se manifestar, mas não retornaram até o fechamento desta reportagem.