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Aumento do Auxílio Brasil virou pretexto para governo abrigar demandas do Centrão

Técnicos do Ministério da Economia dizem que era possível elevar o valor do programa social sem mexer no teto de gastos

25 out 2021 - 17h04
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BRASÍLIA - A mudança do teto de gastos subiu o sarrafo das despesas do governo de forma permanente. Diferentemente do que alardeiam os governistas, a revisão da regra não se restringe a 2022. A alteração atinge o coração do teto e será de difícil operacionalização, podendo levar à judicialização do Orçamento. Técnicos experientes do Ministério da Economia, ouvidos pelo Estadão/Broadcast na condição de anonimato, contestam a tentativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de criar um antagonismo entre os defensores do teto e o Auxílio Brasil de R$ 400, decidido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Para esses técnicos, que trabalham na gestão fiscal, era plenamente possível elevar o valor do programa sem mexer no teto. Mas o governo não fez o dever de casa para cortar despesas e abrir espaço no Orçamento para um programa social robusto. E pior: usou os R$ 400 como pretexto para expandir o teto de gastos e abrigar outras demandas do Centrão, que estaria de fato no comando da agenda econômica. Entre essas demandas estão recursos para emendas, obras, incremento do fundo eleitoral e o auxílio diesel para caminhoneiros, de R$ 400.

Há pressão política também por reajuste dos servidores, depois de ao menos dois anos de congelamento forçado dos salários.

Os técnicos da área econômica se ressentem porque tinham um plano para cortar despesas, como o abono salarial - espécie de 14.º salário pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até R$ 2,2 mil e que é considerado uma política ineficiente -, e aumentar as receitas com corte de renúncias tributárias, que foi rejeitado por Bolsonaro e seus aliados do Centrão.

O porquê da regra

Hoje, o limite de despesas anual do teto de gastos é corrigido pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior ao de sua vigência. A regra foi construída para dar previsibilidade na elaboração da proposta de Orçamento, enviada ao Congresso até 31 de agosto.

A nova regra, negociada pelo governo no afogadilho e sem discussão no Congresso, altera a forma de correção do limite do teto, que passa a ser o IPCA de janeiro a dezembro. Ela foi feita para aumentar o espaço de gastos em 2022, mas terá efeito permanente enquanto durar o teto, até 2036. É diferente da "licença para gastar" que vinha sendo negociada pela equipe de Guedes, que previa despesa extra de R$ 30 bilhões apenas em 2022.

Integrante da equipe do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que criou o teto de gastos, o economista Marcos Mendes diz que o governo na época sabia que haveria o problema de descasamento entre o índice de inflação que corrige o teto e o índice até o final do ano, que corrige as despesas como benefícios previdenciários. Se a inflação acelera no fim do ano, isso acaba deixando o teto do ano seguinte mais pressionado.

Para Mendes, o novo desenho acaba com o descasamento, mas gera um problema muito maior. Quando o governo fizer o Orçamento para enviar ao Congresso, não saberá qual será o teto de despesas. E a incerteza permanecerá até o momento de aprovação do Orçamento, que ocorre no fim do ano anterior ao de sua vigência - enquanto o resultado do IPCA só é divulgado no início do janeiro seguinte. "A PEC diz para ajustar no ano seguinte quando tiver o número, mas isso vai dar muita judicialização", prevê Mendes. Ele dá como exemplo os orçamentos do Judiciário e do Ministério Público, que também têm de obedecer a um teto.

Se a inflação ficar menor que a projetada, terá de ser feito um corte das despesas de um Orçamento já aprovado. "Obviamente, Judiciário e MP vão judicializar e não vão deixar o orçamento ser cortado", alerta Mendes. Ele vê dificuldades de operacionalização para definir onde cortar as despesas no caso de a inflação ser menor do que a estimada.

Estadão
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