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'Aumento de imposto não é o que se espera de uma reforma previdenciária'

Economista diz que novo parecer apresentado na Comissão Especial da Previdência foge do objetivo da reforma ao incluir reajuste tributário para exportações agrícolas

3 jul 2019 - 12h38
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O novo texto para a reforma da Previdência, apresentado na terça-feira, 2, na Comissão Especial da Câmara, foge do objetivo da reforma ao incluir um aumento de impostos para o setor exportador agrícola, na análise do economista Paulo Tafner, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe/USP). "Desidratar a reforma e compensar com aumento de imposto é de uma miopia oceânica. Não é isso que se espera de uma reforma previdenciária", disse em entrevista ao Estado.

O fim da isenção dos exportadores agrícolas pode aumentar a arrecadação do governo em R$ 83,9 bilhões e permitir que a reforma previdenciária garanta, em dez anos, uma "economia" de R$ 1 trilhão - número "mágico" para o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Tafner, porém, acredita que, daqui até a votação do texto no plenário, ainda haverá uma forte negociação entre os parlamentares, que tentarão incluir privilégios a determinados grupos. "Meu temor é que, nessa negociação, cedam-se ainda muitos privilégios para certos grupos. É uma pena, o País precisa crescer."

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Após os ajustes complementares do relator Samuel Moreira (PSDB-SP), a reforma da Previdência voltou a ter uma economia prevista de RS 1 trilhão em dez anos. O sr. acha que os deputados vão manter esse valor quando o texto chegar ao plenário?

A questão é que não é uma economia (em dez anos) de R$ 1 trilhão. Tem um aumento de imposto. Tem a contribuição sobre lucro (dos bancos), que aumenta a arrecadação, e a cobrança de contribuição previdenciária sobre produtos agrícolas exportados. Isso não é economia, é aumento de imposto. Houve aumento de imposto e não foi pouco. Essa é uma tendência do Legislativo brasileiro, de não enfrentar os problemas e colocar o custo nas costas da população. Tudo que o Brasil não precisa é aumentar imposto. O País é uma vergonha em questão tributária. A gente gasta demais e não oferece serviços aos pobres adequadamente.

O que realmente é economia ficou aquém do que o sr. esperava?

O governo vai conseguir entre R$ 850 bilhões e R$ 900 bilhões (de economia), o que é bom. Mas dizer que tem R$ 1 trilhão, não tem.

Há sinais de que o presidente Jair Bolsonaro está articulando para incluir algumas vantagens aos policiais. Como o sr. vê desidratações comandadas pelo Executivo?

Abriu-se a temporada de privilégios. Não tinha motivo para reduzir professor (a idade para a categoria receber benefício igual ao da ativa diminuiu de 60 para 57 anos). A verdade é que o Brasil não tem vergonha na cara. Todo mundo quer sua 'boquinha' para seu eleitorado. Todo mundo é contra privilégio, mas o privilégio dos outros.

O fim da isenção previdenciária das exportações agrícolas deve enfrentar resistência da bancada ruralista. Acha que ainda é possível uma votação no plenário antes do recesso parlamentar, em 18 de julho?

Acho que vai demorar um pouco mais, porque cada grupo vai tentar colocar um pouco de privilégio. O fato é que a gente não conseguiu modernizar o sistema. A capitalização ficou de fora. A desconstitucionalização ficou de fora. É tacanho. Tem uma economia de recursos, o que é bom, mas é medíocre. O Brasil merecia coisa melhor. Os jovens estão indo embora do Brasil. Deixa (os recursos públicos) para os velhos, para os grupinhos. No meio da negociação, (o governo) aumenta a isenção tributária para os fabricantes de refrigerantes...

Mas resistência política é esperada em uma reforma como essa...

Lamentavelmente, no mundo político, a mentalidade que prevalece é de curral. São raros os parlamentares que pensam no Brasil. Isso reflete um pouco o que é a população brasileira. O parlamentar não é o único responsável por isso, não. A população gosta de 'boquinha'. Se acostumou com isso. Fico com pena da juventude e das crianças nesse País.

Voltando à tramitação, a reforma avança antes do recesso parlamentar?

A questão dos Estados (inclusão deles e dos municípios na reforma) ainda não está resolvida, apesar de, por enquanto, eles terem ficado de fora. O Centrão também quer algumas coisas a mais. É possível que não se chegue a um entendimento para que a votação ocorra até o recesso. Tenho impressão de que haverá uma ampla e forte negociação nos próximos dias. Meu temor é que, nessa negociação, cedam-se ainda muitos privilégios para certos grupos. É uma pena, o País precisa crescer.

O sr. acha que, passando a reforma, pode haver uma mudança significativa no ritmo da atividade econômica?

Se passar a reforma, a gente tira, pelo menos parcialmente, um problema do caminho. Não deixa a dívida pública explodir. Mas (a economia) ainda depende do que virá em seguida. O que o relator (deputado Samuel Moreira) tem feito, e que me parece um enorme equívoco, é desidratar a reforma e aumentar imposto. Não se trata de mudança tributária, o tema é previdência. Entendo a boa vontade dele, de entregar, entre aspas, economia, mas, rigorosamente falando, desidratar a reforma e compensar com aumento de imposto é de uma miopia oceânica. Não é isso que se espera de uma reforma previdenciária. Tem imperativos para uma reforma da Previdência: uma potência fiscal forte e um combate direto a privilégios.

Eliminar a isenção previdenciária das exportações agrícolas não é um modo de combater um privilégio de um setor?

Sim, é bom que todo mundo pague imposto, inclusive a Zona Franca de Manaus. Não sou contra isso, mas isso não é a reforma da Previdência. A reforma deveria se concentrar nas questões previdenciárias. Também precisa fazer reforma tributária, acabar com os subsídios espalhados pelo País e com o regime Simples, que é um enorme privilégio. Mas isso é questão tributária, não previdenciária.

Estadão
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