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ANÁLISE-Brasil põe em risco comércio com Oriente Médio se mudar embaixada em Israel

9 nov 2018 - 15h11
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A proposta do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, de mudar a embaixada do país em Israel, seguindo a medida do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode desencadear uma tempestade diplomática no mundo muçulmano, ameaçando um importante mercado para as maiores empresas exportadoras de carne do mundo.

Funcionário carrega pedaço de carne dentro de açougue em São Paulo
27/06/2017
REUTERS/Nacho Doce
Funcionário carrega pedaço de carne dentro de açougue em São Paulo 27/06/2017 REUTERS/Nacho Doce
Foto: Reuters

O Brasil é de longe o maior exportador global de carne halal, produzida de acordo com os preceitos da religião muçulmana. O presidente eleito planeja mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, o que poderia fortalecer as relações com Israel, mas que já abalou relações com o Egito e pode em breve provocar problemas com outras nações islâmicas.

"A reação não partirá apenas de um país, mas de todo o mundo muçulmano", disse uma fonte diplomática turca à Reuters em condição de anonimato. "Esperamos que o Brasil aja com a razão e não confronte o mundo muçulmano."

O Brasil exporta 16 bilhões de dólares anualmente ao Oriente Médio e à Turquia, e apenas 3 por cento disso é dirigido a Israel, de acordo com estatísticas do governo.

Mais de um quarto das exportações brasileiras para a região consistem de carne. Tanto a JBS, a maior produtora mundial de carne bovina, e a BRF, a exportadora número um de carne de frango, apostaram muito na crescente demanda por carne halal.

O Brasil exporta mais de 5 bilhões de dólares de carne halal por ano, mais que o dobro ante seus rivais próximos, a Austrália e a Índia, de acordo com a Salaam Gateway, uma parceria entre o Centro de Desenvolvimento Econômico Islâmico de Dubai e a Thomson Reuters.

A proposta de Bolsonaro para a embaixada de Israel é parte de sua revisão da política externa brasileira, que busca se aproximar de grandes potências, como os Estados Unidos, e desfazer o que ele classifica como alianças baseadas em "viés ideológico" de seus antecessores de esquerda.

A decisão de Trump de abrir a embaixada em Jerusalém em maio se provou uma cutucada em um vespeiro no Oriente Médio, e viu alguns aliados seguirem o exemplo. A Guatemala fez o mesmo nos dias seguintes e o Paraguai reverteu uma decisão similar desde então.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, elogiou Bolsonaro pelo plano de mudar a embaixada brasileira, classificando-o como um "amigo".

Mas depois de o Egito ter abruptamente cancelado uma visita de diplomatas e empresários brasileiros nesta semana, Bolsonaro disse que sua decisão sobre a embaixada brasileira em Israel ainda não era definitiva.

Bolsonaro já mostrou que não teme provocar importantes parceiros comerciais, seguindo o exemplo do presidente dos Estados Unidos, a quem ele admira e imita abertamente, tanto no estilo político, quanto na política externa.

Como Trump, Bolsonaro criticou a China em sua campanha presidencial. Entretanto, ele abrandou seu tom desde a eleição no final do mês passado, após o lobby de diplomatas e empresários que querem proteger as relações com o principal parceiro comercial do Brasil.

VIAGEM CANCELADA

A pressão do Oriente Médio pode ser mais agressiva.

Na segunda-feira, o Egito cancelou a planejada visita do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, e de empresários, o que, segundo fontes diplomáticas, foi uma reposta direta à proposta de Bolsonaro de mudar a embaixada.

A embaixada egípcia justificou o caso como um conflito de agendas.

O incidente soou alarmes na indústria brasileira de carnes.

O presidente da BRF, Pedro Parente, disse na quinta-feira que a questão da embaixada de Israel era "causa para preocupação".

"Temos um comércio muito importante com os mercados árabes e halal", disse Parente a jornalistas. Ele, contudo, comentou estar confiante de que a melhor decisão será tomada quando os ministérios da Agricultura, Comércio Exterior e de Relações Exteriores forem envolvidos.

O segmento de halal da BRF contribuiu com um quarto de sua receita operacional líquida e quase metade de seu lucro operacional no terceiro trimestre deste ano.

O frango halal representou quase metade das exportações totais de carne de frango do Brasil no ano passado, que somaram 7,1 bilhões de dólares, de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

"Há um comércio de 2 bilhões de dólares entre o Egito e o Brasil, principalmente no setor alimentício e de agropecuária, e, neste setor, principalmente nos segmentos bovino e de aves", disse o embaixador egípcio no Brasil, Alaa Roushdy, à Reuters.

Ele se negou a comentar a aventada mudança da embaixada ou se ela poderia ter algum impacto no comércio.

A BRF tem unidades de processamento na Turquia e nos Emirados Árabes Unidos para atender a crescente demanda por carne halal. A empresa tem como objetivo dobrar sua produção de produtos processados no Golfo Pérsico até 2023, afirmou seu diretor de operações Halal em um evento em outubro.

A JBS enviou mais de um oitavo de suas exportações para o Oriente Médio e para a África em 2017, ficando atrás apenas da região da China.

Representantes da JBS se negaram a comentar as consequências de uma potencial mudança de embaixada.

A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira espera que as exportações totais do Brasil para um grupo de 22 países, que exclui nações muçulmanas não árabes, como o Irã, aumentem para 20 bilhões de dólares até 2022, de 13,5 bilhões em 2017.

Rubens Hannun, presidente da Câmara, acrescentou que o Brasil também pode se beneficiar de investimentos em infraestrutura de fundos soberanos árabes. O Mubadala Development, dos Emirados Árabes, por exemplo, investiu 2 bilhões de dólares no império brasileiro de commodities EBX nesta década.

"Não queremos ruídos nessa relação", disse Hannun. "Tememos que isso abra as portas para a competição."

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