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'Agora é a economia que vai pautar a política', diz consultor americano

Para o cientista político Christopher Garman, da consultoria Eurasia, o Congresso poderá adotar uma agenda populista, em vez de apoiar o ajuste fiscal e as reformas, se a economia continuar a patinar em 2020

9 set 2019 - 11h16
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O cientista político americano Christopher Garman, responsável pela área de Américas da Eurasia, uma consultoria internacional de avaliação de riscos, tem um retrospecto notável em suas previsões sobre o Brasil.

Em 2014, logo depois das eleições, Garman antecipou a formação de uma "tempestade perfeita" contra Dilma Rousseff, com a combinação de vários fatores negativos: um governo com sustentação política limitada e baixa credibilidade perante o mercado, um escândalo de corrupção "já contratado", como o petrolão, e um cenário econômico complicado no exterior. Deu no que deu.

Em maio de 2018, quando os principais analistas do País apostavam na repetição do embate entre o PSDB e o PT ou numa disputa entre o PSDB e o PDT de Ciro Gomes, que subia nas pesquisas, ele acertou mais uma vez, ao afirmar que Jair Bolsonaro tinha grandes chances de chegar ao segundo turno e que sua candidatura deveria ser levada "mais a sério", por representar o sentimento anti-establishment predominante na população de baixa renda e na classe média.

Nesta entrevista ao Estado, Garman diz que, ao contrário do que aconteceu nos últimos cinco anos, "agora é a economia que vai pautar a política". Segundo ele, a "retórica belicosa" de Bolsonaro "não é o principal motivo" de retração dos investidores internacionais. O cenário externo nebuloso, também não. Em sua visão, o que mais afeta hoje a percepção dos estrangeiros em relação ao Brasil é a lenta recuperação da economia.

O senhor mantém contato frequente com investidores, bancos e grandes empresas internacionais. Qual é a percepção deles em relação ao atual cenário político e econômico do Brasil?

Eu diria que tanto as empresas multinacionais como o mercado financeiro reconhecem que, diante da grave crise macroeconômica do País, com forte desequilíbrio fiscal, a reforma da Previdência era necessária para haver qualquer recuperação da economia. Passada essa etapa, que deve ser concluída até meados de outubro, com a aprovação da reforma pelo Senado, é claro que você tira um risco do horizonte. Mas a pergunta é: isso vai ser suficiente para voltar a atrair investimentos externos? A resposta provavelmente é não.

Por que? O que impede a volta dos investimentos externos ao País?

O que atrapalha mais é que a economia não está se recuperando. A recuperação ainda é bem modesta. O investidor de fora vê com bons olhos a ampla agenda de reformas que a equipe econômica e o próprio Congresso estão articulando. Vai de reforma tributária à abertura comercial e à reforma administrativa, passando por uma série medidas microeconômicas, como a autonomia do Banco Central e a liberalização do mercado de petróleo e gás. Mas os detalhes dessas reformas ainda não foram apresentados e não se sabe a profundidade que elas terão. Então, há um reconhecimento de que o Brasil está tendo alguns avanços, mas com pouca clareza se essa agenda de reformas, que têm mais impacto na produtividade, vai levar a um crescimento mais robusto nos próximos anos.

Várias declarações do presidente Jair Bolsonaro tiveram grande repercussão no exterior. Que efeito isso tem nesse quadro?

Algumas coisas atrapalham, sim. Há uma visão desse governo muito ruim fora do Brasil, uma cobertura da imprensa que transmite todas as declarações polêmicas do presidente, embora o maior impacto em termos de reputação tenha sido com a crise na Amazônia. Acredito que essa retórica não é o principal motivo de os gringos não estarem vindo para o Brasil. O Brasil está menos atraente porque a recuperação está muito mais lenta do que as pessoas imaginavam no início do ano. Isso contamina tudo. Esse é o fator mais importante.

Como as declarações do presidente estão afetando o mercado?

Essa retórica belicosa, controversa, esse ruído atrapalha mais as empresas multinacionais do que o mercado financeiro. É também um problema maior na Europa do que nos Estados Unidos. As empresas europeias são mais sensíveis à questão do meio ambiente, embora seja também uma preocupação das multinacionais americanas. Se a economia estivesse se recuperando, acredito que isso teria um impacto menor. A retórica tem um efeito multiplicador, mas o peso maior vem do fato de que a retomada está muito lenta.

O que explica essa percepção diferente das multinacionais e do mercado financeiro em relação às declarações do presidente?

As empresas multinacionais têm um horizonte mais longo e ficam pouco focadas no dia a dia das reformas e mudanças em Brasília, que podem impactar os preços dos ativos. Elas são um pouco mais influenciadas por essa retórica e pela cobertura da imprensa internacional. Na visão delas, é um governo que parece não estar indo na direção correta, apesar de as administrações locais das multinacionais tentarem fazer um contraponto, mostrando outros lados à direção e ao conselho das companhias, que estão sendo mais influenciados por essas manchetes. O mercado financeiro é um pouco mais influenciado pelas reformas, que estão andando, mas o baixo crescimento incomoda.

O senhor está dizendo que, apesar das reformas, há uma certa frustração lá fora em relação ao Brasil? É isso?

A grande dúvida é se o Brasil caiu numa armadilha de baixo crescimento. Essas reformas podem aumentar a produtividade, mas não são coisas de curto prazo. São reformas mais estruturantes, com efeitos de médio e longo prazos. Isso dificulta. Também não ajuda o fato de o Brasil estar entrando numa fase mais construtiva em termos de aprovação de reformas, num momento externo ruim, com a aversão a risco aumentando por causa da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Além disso, há uma preocupação com o desaquecimento em vários lugares - na Alemanha, na China e possivelmente nos Estados Unidos - e uma saída do mercado de ações. Hoje, o mercado financeiro olha para o Brasil e diz: "Bom, os preços já subiram bastante, já me queimei lá antes, o jogo não parece atraente agora". É uma avaliação um pouco mais fria. O Brasil está pagando um preço por entrar nesse ciclo de reformas mais construtivas num cenário mundial incerto, de desaquecimento global.

Como as privatizações e as concessões se encaixam nesse cenário? Os investidores externos não vão participar?

Acredito que esse cenário não atrapalha esse investidor. Há apetite externo para ativos que estão sendo colocados à venda. Há ativos bem atraentes. O Brasil é o principal mercado da América Latina e ninguém pode ficar fora do País. Por isso, as consultorias internacionais estão apostando pesado no Brasil. Talvez o preço seja um pouco menor, mas não acho que é um empecilho para essa agenda de privatização andar. É claro que, se isso tiver êxito, ajuda um pouco na melhora da percepção externa. Há ganhos de eficiência, de arrecadação para o governo.

As últimas pesquisas mostraram que houve uma queda considerável nos índices de popularidade do presidente Bolsonaro. Como o senhor avalia essa questão?

A queda de aprovação do presidente foi até mais rápida do que a gente imaginava. Mesmo a gente, que achava que a lua de mel do governo iria durar pouco, não imaginava que os índices poderiam cair de pouco mais de 60% para 41% no aprova/não aprova e de 44% para 29% no ótimo/bom. A queda foi muito forte entre fevereiro e maio. Depois, se estabilizou e deu uma nova quedinha em agosto. Mas esse é um fenômeno que está ocorrendo em vários países. Na América Latina, se você observar os índices do Ivan Duque (presidente da Colômbia), ele está com uma taxa de aprovação mais baixa que a do Bolsonaro. Ele foi eleito seis meses antes, tem um pouco mais de estrada, mas a taxa de aprovação dele está em 34% no aprova/desaprova. O ótimo, bom, regular, ruim, péssimo é uma métrica que outros países não usam. Então, tem de usar a pergunta binária aprova/desaprova para fazer a comparação. O Sebastián Piñera (presidente do Chile) também está num patamar mais baixo, com 29% a 32% de aprovação. O eleitorado está muito insatisfeito com o status quo. Não está contente com serviços públicos, quer o enfrentamento da questão da corrupção. São demandas difíceis de entregar. É claro que cada um tem a sua razão para a queda nas pesquisas, mas essa lua de mel mais curta com o eleitorado não é algo que aconteceu só no Brasil.

Para concluir, como o senhor vê as perspectivas do País daqui para a frente? O cenário atual deve mudar para melhor ou para pior?

Vai depender muito da economia. Se a gente olhar o que aconteceu no Brasil nos últimos cinco anos, a política é que pautou a economia. Grandes eventos políticos pautaram a economia. Dilma ganha a reeleição ou não ganha, vai ser "impeachada" ou não vai? O Temer vai ou não vai fazer reforma? Quem vai ganhar a eleição presidencial, o Haddad ou alguém amigável ao mercado? O novo presidente vai fazer a reforma da Previdência? São grandes eventos políticos cujos resultados influenciavam qualquer projeção econômica. Agora, acredito que isso se inverteu. Então, para mim, o resultado da economia nos próximos 12 meses vai ter repercussões políticas bem importantes.

Que tipo de repercussão política o desempenho da economia pode ter?

Se a economia não se recuperar no ano que vem e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) ficar abaixo de 1,5%, com o índice de desemprego em dois dígitos, a relação com o Congresso vai começar a piorar. Vai "bater" o pânico no Congresso, em decorrência dessa situação, e ele pode começar a tomar medidas ruins. Hoje, nós temos um governo que não tem maioria, mas as lideranças no Congresso estão alinhadas com a agenda amigável ao mercado, por questão de sobrevivência própria. Se a economia ficar patinando, o Congresso pode começar a pensar em aumentar o salário mínimo um pouquinho, flexibilizar o teto, esse tipo de coisa. Num contexto de ajuste fiscal incompleto, uma agenda negativa pode até ter mais apelo que a agenda positiva. Aí, você reforça essa visão ruim do investidor estrangeiro e a gente entra numa fase ruim. Agora, se a economia crescer 2,2% no ano que vem e aumentar para 2,5% no ano seguinte, as lideranças no Congresso começam a ver que o retorno do ajuste e das reformas está vindo. Se isso acontecer, a percepção externa melhora, a agenda reformista continua e você consegue ter um circuluzinho virtuoso.

Estadão
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