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Acordo UE-Mercosul volta ao debate

Reunião ministerial começa em Bruxelas e há chance de ser assinada a cooperação entre dos dois blocos após duas décadas de negociações

27 jun 2019 - 04h11
(atualizado às 11h29)
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BRASÍLIA - Ministros do Mercosul e da União Europeia iniciam nesta quinta-feira, 27, em Bruxelas, reuniões que, segundo fontes com conhecimento das conversas, podem resultar, enfim, num acerto sobre o tratado entre os dois blocos. O acordo vem sendo discutido há duas décadas. Restam poucos pontos a serem definidos e, desta vez, há perspectiva real de conclusão, na avaliação de integrantes do governo brasileiro.

O desfecho dependerá de decisões políticas por parte de ambos os blocos e, por isso, fontes próximas aos negociadores pontuam que não se pode descartar um novo adiamento como ocorreu em outras inúmeras vezes. O clima, porém, é de otimismo do lado brasileiro. O governo enviou a Bruxelas o chanceler Ernesto Araújo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo.

O chanceler Ernesto Araújo
O chanceler Ernesto Araújo
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil / Estadão

Se concretizado, o acordo entre Mercosul e União Europeia representará um marco. Será o segundo maior tratado já assinado pelo bloco europeu e o mais ambicioso acertado pelo Mercosul. Ele levará à redução drástica das tarifas de importação existentes hoje pelos blocos, o que deve impulsionar vendas.

O objetivo final é que as taxas sejam eliminadas para até 90% do comércio entre Mercosul - que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai - e os 28 países da União Europeia. A princípio, os europeus zerariam as alíquotas em até sete anos, mas a maior parte dos cortes seria feita nos primeiros dois anos. Já os brasileiros teriam até quinze anos para retirar as tarifas, com boa parte eliminada antes de dez anos. Em 2018, o Brasil exportou US$ 42 bilhões aos países da União Europeia. Juntos, eles representam o segundo maior mercado para os brasileiros no mundo, atrás somente da China.

Há potencial de expansão dessas cifras. O acordo deve facilitar ainda a exportação de serviços e o fluxo de investimentos entre os blocos, o que pode ajudar o Brasil no curto prazo. "Será um acordo importantíssimo, o início da reforma esquecida, que é abertura comercial. Os benefícios serão muitos à economia, mas o efeito imediato virá do aumento dos investimentos", afirma Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da FGV e ex-presidente do Banco Central.

Representantes dos europeus confirmaram ao Estado que houve avanços significativos nas negociações, mas tentaram transmitir cautela. Após tantas idas e vindas, avaliam que não devem criar expectativas na população e precisam evitar ao máximo a percepção de algum tipo de derrota para a União Europeia num momento em que o bloco enfrenta percalços, como a saída do Reino Unido, movimento conhecido como "Brexit".

As negociações entre Mercosul e União Europeia foram lançadas em junho de 1999. Em 2004, os blocos trocaram ofertas pela primeira vez, mas as propostas decepcionaram os dois lados e as conversas foram encerradas logo depois. Em 2010, as tratativas foram retomadas e, em 2016, houve nova troca de propostas. Desde então, os dois lados tentam chegar a um consenso sobre o formato final do acordo.

Entraves

Há duas semanas, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o acordo estava prestes a ser concluído e citou acertos pendentes com produtores brasileiros de laticínios e de vinhos. Esses setores argumentam que sofrem concorrência desleal, já que os europeus recebem subsídios e que, por isso, teriam de ficar fora do acordo. A tendência, porém, é que figurem no tratado final.

Do lado europeu, ainda há pressão feita por líderes da França, Irlanda, Polônia e Bélgica sobre questões relacionadas ao agronegócio, segundo um integrante da União Europeia. Esses países resistem a autorizar a ampliação de cotas de importação para produtos como açúcar, carne bovina e de frango. Para o sul-americanos, essa é uma contrapartida essencial, já que os manufaturados europeus terão acesso facilitado no Mercosul.

Representantes do agronegócio argumentam, porém, que os possíveis ganhos com o acordo não se restringirão a esses produtos. Haverá benefícios, por exemplo, para as exportações de frutas, arroz, café, mel e outros itens. "Estamos muito atrasados no processo de abertura. Precisamos concluir o acordo. Não de qualquer maneira, claro. Temos de preservar nossos interesses. É importante lembrar que os europeus serão os primeiros a chegar com vantagens num mercado de 260 milhões de consumidores. É muito vantajoso para eles também", diz Lígia Dutra Silva, superintendente de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

A indústria brasileira vê no acordo a chance de impulsionar vendas em setores que foram penalizados com aumento de tarifas nos últimos anos, como vestuário e calçados, e ainda em itens como equipamentos de transporte, produtos de metais e madeira. A expectativa é que o Brasil possa voltar rapidamente ao pico de vendas alcançado em 2013, quando o País exportou US$ 25,5 bilhões em produtos industrializados.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) enviou carta ao presidente Jair Bolsonaro manifestando-se a favor do acerto entre os blocos e pedindo atenção a pontos vistos como importantes, como criação de uma cesta de produtos que só teriam tarifa zerada após dez anos, a liberação do transporte marítimo de cargas e reforço da fundamentação científica para aplicação de regras sanitárias (a União Europeia costuma usar o instrumento para criar barreiras à importação de produtos).

"O acordo nos dará acesso à modernidade, a centros de inovação, nos integrará às cadeias globais de valor. Ele não se esgota nas tarifas. Há reflexos positivos que vêm com o tempo, inclusive, com a ampliação da produção local de alguns tipos de componentes, de equipamentos. O Brasil pode se tornar um plataforma de exportação dos europeus para outros lugares do mundo", afirma Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI.

Cronologia

- Início (Junho de 1999). Negociações entre Mercosul e UE são lançadas no Rio.

- Primeiro impasse (2004). Troca de ofertas é feita, mas conversas são interrompidas.

- Retomada (2010). Tratativas para o acordo são relançadas em Madri.

- No Brasil (2011). Governo brasileiro inicia consultas ao setor produtivo.

- Negociações (2013). Países do Mercosul iniciam negociações para consolidar propostas.

- Proposta (2014). Mercosul anuncia que chegou a uma proposta comum.

- Aval (2015). Termina prazo para a troca de ofertas, mas UE dá aval para que conversas sigam.

- Ofertas (2016). Mercosul e União Europeia enfim trocam ofertas.

- Acordo (2017). Após rodadas de negociação, blocos anunciam acordo para 2018.

- Adiamento (2018). Negociações seguem com avanços pontuais, mas ano termina sem acordo.

- Reunião (Junho de 2019). Ministros dos dois blocos reúnem-se com expectativa de finalizar acordo.

Estadão
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