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Acordo para mudar o teto faz bolsa cair e dólar subir

Enquanto Bolsonaro colocava a regra fiscal em segundo plano, em busca da reeleição, a Bolsa caiu 2,75% e o dólar subiu 1,92%

22 out 2021 - 16h59
(atualizado às 17h36)
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O "pacote de bondades" concebido pelo governo de olho no projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, com Auxílio Brasil a R$ 400 ao preço da incerteza fiscal, disseminou pânico no mercado, ontem. Após o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarar publicamente que o governo precisava de uma "licença para gastar" acima do teto de gastos, o Ibovespa, principal índice de ações do mercado nacional, despencou 2,75%, aos 107.735,01 pontos - no menor valor desde 20 de novembro. No câmbio, o dólar avançou 1,92%, cotado a R$ 5,6676 - maior valor desde 14 de abril.

Desde a revelação, na noite de segunda-feira, de que avançava uma proposta de driblar a regra fiscal que limita o avanço das despesas à inflação, as cotações das ações de empresas na Bolsa brasileira (B3) derreteram, com R$ 251,6 bilhões a menos em valor de mercado nas companhias incluídas no Ibovespa (comparando o valor de mercado no fechamento de segunda e de ontem), o dólar saltou e os juros de mercado subiram. O objetivo do governo com a proposta é turbinar o Bolsa Família - sob o novo nome de Auxílio Brasil - em busca da reeleição de em 2022.

O risco de piora nas contas do governo já estava no radar de investidores e economistas, mas a reação foi forte. Nos três últimos pregões, o Ibovespa acumulou tombo de 5,85%.

Traders no pregão da Bolsa de Valores da BM&F Bovespa, no centro de São Paulo, Brasil.
24/05/2016
REUTERS / Paulo Whitaker
Traders no pregão da Bolsa de Valores da BM&F Bovespa, no centro de São Paulo, Brasil. 24/05/2016 REUTERS / Paulo Whitaker
Foto: Reuters

Tamanha reação se deve ao fato de que os sinais dados pelo governo apontam não para um ajuste ou aperfeiçoamento no teto de gastos, mas sim para formas de "burlar" a regra fiscal, com a mudança na forma de calcular a atualização pela inflação, segundo economistas. "É um truque para você não romper o teto, teoricamente, mas, de fato, o mais importante aqui é o direcionamento. A sinalização é: o governo vai gastar mais", disse Flávio Serrano, economista-chefe da Greenbay Investimentos. Isso atinge em cheio a credibilidade do teto, da qual depende o sucesso da regra como "âncora fiscal".

O impacto

Ao acreditar no cumprimento da regra, investidores do mercado financeiro percebiam menos riscos associados ao governo. Com isso, cobram menos juros nos títulos públicos. Estrangeiros investem mais, trazendo mais dólares para o País, aliviando a taxa de câmbio.

"O teto foi uma maneira suave de criar credibilidade fiscal. Em vez de dizer que ia cortar os gastos, o governo disse que iria parar de subir os gastos", disse Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Para Castelar, a sinalização do teto permitiu que a taxa básica de juros (a Selic, hoje em 6,25% ao ano) e todo o custo de crédito caísse aos níveis mínimos da história. Com isso, empresas encontraram mais facilidade para tomar crédito, emitir ações no mercado ou lançar títulos de dívida, levantando mais recursos para operar e investir. Agora, as declarações de anteontem de Paulo Guedes sinalizaram que a área econômica do governo perdeu de vez o "cabo de guerra" com a área política, em torno da elevação de gastos em 2022, completou Castelar.

Diante dos sinais de ruptura do teto de gastos, economistas revisaram para cima suas projeções sobre até que nível o Banco Central (BC) subirá a Selic. Foi o caso das equipes da consultoria LCA Consultores e do banco Safra. Outros passaram a prever aceleração no ritmo de alta dos juros, como os bancos de investimento JP Morgan e ASA Investments: 29% de 51 estimativas captadas em levantamento do Projeções Broadcast apostam em alta de 1,25 ponto, a ser anunciada semana que vem, ante os aumentos recentes de 1,0 ponto.

O economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale, já esperava que a regra do teto enfrentaria dificuldades para ser cumprida, porque é inflexível, mesmo diante de crises, como a causada pela covid-19. Além disso, o economista cita uma maior afinação das áreas política e econômica no governo Temer, com apoio às reformas, para explicar os juros baixos até a chegada da pandemia. "Uma regra mais flexível talvez pudesse acomodar mais gastos sem repercussão negativa no mercado, mas não dá para burlar ou reconstruir a regra ao desejo do presidente de ocasião", afirmou o economista.

Agora, Vale vê até o risco de "dominância fiscal", a situação em que as contas públicas ficam tão desorganizadas que os juros deixam de fazer efeito sobre a inflação - já que a desorganização leva a uma dívida pública muito elevada, a alta de juros amplia o gasto com juros que, num ciclo vicioso, aumenta ainda mais o rombo nas contas, leva a novas altas do dólar e gera mais inflação.

Mesmo que a inflação não saia do controle, o sinal para 2022 é de crescimento econômico em baixa, dificuldade de gerar empregos e baixar o desemprego, dólar em alta, preços em alta e, consequentemente, juros mais altos. As eleições gerais trazem mais incertezas, já que os sinais dados até agora pelo ex-presidente Lula, líder nas pesquisas de opinião para 2022, também apontam para desequilíbrio nas contas do governo, lembraram Vale e Castelar. /COLABORARAM FRANCISCO CARLOS DE ASSIS, MARIANNA GUALTER, HELOÍSA SCOGNAMIGLIO, CÍCERO COTRIM E GUILHERME BIANCHINI

Estadão
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