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A luta pelo teto

Furá-lo significaria romper o frágil elo de credibilidade ainda existente entre os investidores e o governo

10 out 2020 - 04h10
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A discussão sobre a manutenção do teto do gasto público gerou forte divisão no governo. De um lado estão os que propõem furar o teto com o objetivo de aumentar os investimentos públicos para alavancar o crescimento da economia em 2021 e implementar um programa mais robusto de transferência de renda para incluir os grupos que perderam sua fonte de renda com a pandemia. De outro estão os que se colocam como objetivo obedecer ao teto e persistir na trajetória de buscar a sustentabilidade da dívida pública.

A saída via furar o teto parece a estratégia socialmente mais adequada. Segundo seus defensores, significaria aumento do investimento, da ocupação e da renda das pessoas, evitando o aumento da pobreza decorrente da pandemia. Afinal, diante da forte recessão e do aumento do desemprego gerados pela pandemia, a reação do Brasil foi criar um orçamento paralelo para contabilizar separadamente os gastos com a doença e, desta forma, furar o teto já em 2020.

Ainda que a reação dos investidores tenha sido bastante negativa - forte desvalorização do real (mais de 30% no ano), aumentos das taxas de juros dos títulos do governo de vencimento mais longos, dificuldade de financiar a dívida e queda acentuada dos preços das ações, com saída de cerca de R$ 90 bilhões de recursos externos da Bolsa de Valores -, para alguns analistas essa reação foi menos intensa do que se deveria esperar, dado que os programas implementados significarão um aumento de gastos de mais de R$ 800 bilhões no ano, o teto não será cumprido e a dívida pública sairá de um patamar de 70% para quase 100% do Produto Interno Bruto (PIB).

Não cabe neste espaço discutir se a reação foi fortemente negativa ou não. O importante é que ela teria sido ainda mais negativa sem o teto. A existência do teto manteve um mínimo de credibilidade na dívida pública e evitou que os investidores demandassem taxas de juros ainda mais elevadas para financiá-la e uma saída mais intensa de recursos do País.

Furar o teto seria um sinal de que o compromisso com a sustentabilidade da dívida não será mantido, rompendo o frágil elo de credibilidade ainda existente entre os investidores e o governo brasileiro. Os resultados seriam fuga de investimentos, desvalorização cambial, aumento das taxas de juros de mercado, provável rebaixamento da nota do Brasil por agências de classificação de riscos e pressão inflacionária. Recessão, desemprego e queda da renda real dos trabalhadores, ao contrário do que acreditam os defensores do rompimento do teto. Já seguimos este caminho em 2011/2015.

O comportamento dos preços dos ativos financeiros nos últimos 15 dias, quando a ameaça de que o teto poderia ser furado entrou no radar, é uma antecipação de como deverão se comportar caso o teto seja rompido. A proposta de financiar o programa Renda Cidadã com o adiamento do pagamento de precatórios - que significaria financiar o programa com mais dívida, o que, do ponto de vista econômico, é como furar o teto - gerou forte reação negativa entre os investidores, e o Banco Central indicou que, caso essa decisão se materializasse, teria de mudar a trajetória da política monetária, sinalizando aumento da taxa de juros.

Somente após anunciar que essa possibilidade estava fora de cogitação, enfrentar uma discussão pública com o principal defensor do rompimento do teto dentro do governo, receber o apoio explícito para a manutenção do teto do presidente da Câmara dos Deputados e do presidente da República, o ministro da Economia acalmou, em parte, os investidores. A declaração do presidente da Câmara de que a prioridade é aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial ajuda.

A discussão não terminou. Isso provavelmente só vai acontecer quando o Senado aprovar as PECs do Pacto Federativo, Emergencial e dos Fundos, indispensáveis para reduzir despesas obrigatórias e criar espaço para a aprovação do programa assistencial do governo, sem furar o teto. Até lá, a volatilidade vai dominar os mercados.

*PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA-CHEFE DA GENIAL INVESTIMENTOS

Estadão
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