PUBLICIDADE

A Confraria do Atraso

Ela resiste porque só tem a perder com um sistema tributário simples, isonômico e transparente

18 fev 2020 - 04h10
Compartilhar
Exibir comentários

Nas últimas semanas tem ganhado corpo um movimento organizado de oposição a um projeto de reforma tributária baseado na adoção de regras homogêneas e alíquotas uniformes na tributação de bens e serviços. Os argumentos contrários à reforma são de duas ordens.

Por um lado, critica-se a redistribuição da carga tributária, que levará à redução da tributação de alguns setores e ao aumento da tributação de outros setores, especialmente de boa parte do setor de serviços. As razões que justificam um tratamento isonômico na tributação de mercadorias e serviços foram objeto de meu artigo de 21 de janeiro nesta coluna, sendo as mais importantes:

  1. os ganhos de eficiência resultantes da não diferenciação;
  2. o benefício para os prestadores de serviços que têm empresas como clientes, que hoje são tributados de forma cumulativa e passarão a dar crédito integral do imposto;
  3. 3) a regressividade da menor tributação dos serviços, pois ricos consomem mais serviços que pobres; e
  4. 4) o fato de que o setor de serviços será o maior beneficiário do aumento da renda das famílias resultante da reforma.

O artigo também destacou que, para serviços intensivos em trabalho, a melhor medida é a desoneração da folha de salários, e não a diferenciação na tributação do consumo. Também foi mencionado que há motivos que justificam tratamento diferenciado para educação e saúde privadas, mas não por serem serviços, e sim por reduzirem a demanda por serviços públicos.

Por outro lado, parte das críticas tem como fundamento um possível estímulo à sonegação no comércio e nos serviços, caso seja adotada uma alíquota uniforme de 25%. A preocupação com o impacto da reforma tributária sobre a sonegação é legítima, mas, a nosso ver, exagerada, quando não equivocada.

No caso do comércio, os médios e grandes varejistas são hoje mais tributados do que serão com a aprovação da reforma. Para um produto com alíquota de ICMS de 18%, a margem de um varejista sujeito à incidência de PIS-Cofins à alíquota de 9,25% é hoje tributada à alíquota de 27,25% do preço com imposto, o que corresponde a 37,5% do preço sem imposto - alíquota muito superior a 25%. Já o pequeno comércio, que hoje está no Simples, não sofrerá mudança na sua tributação.

Adicionalmente, com um imposto simples e a nota fiscal eletrônica, será muito fácil de seguir as mercadorias da saída da fábrica até o consumidor final, reduzindo a sonegação.

No caso dos serviços, a situação é semelhante. O pequeno prestador de serviços - mais sujeito à competição informal - já está hoje no Simples, e não será afetado pela reforma. No mais, é importante que entendamos que sonegação é crime e que precisa ser combatida. A própria simplicidade do novo imposto facilita muito a adoção de mecanismos mais eficientes de combate à sonegação.

No entanto, para além da preocupação com o setor de serviços e com a sonegação - que, como já dito, é legítima e precisa ser debatida de forma aberta -, há uma outra fonte de resistência à reforma tributária. São as empresas - de todos os setores - que hoje se beneficiam das inúmeras distorções de nosso sistema tributário para ganhar vantagens competitivas e pagar menos tributos que o resto dos contribuintes, mesmo tendo condições de fazê-lo. Obviamente, tais empresas são contra uma reforma que adote regras homogêneas de tributação, sem as inúmeras distorções que prejudicam - e muito - o crescimento da economia brasileira.

Não é o debate franco sobre a reforma tributária que preocupa. Este é necessário e construtivo. O que preocupa é a ação subterrânea daqueles que são injustamente favorecidos pelo sistema tributário atual e que não têm nenhum interesse em eliminar as distorções das quais são beneficiários. O verdadeiro desafio para viabilizar a reforma tributária é superar a resistência da Confraria do Atraso, que só tem a perder com um sistema simples, isonômico e transparente.

* DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade