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Minha trajetória escolar até conhecer o movimento estudantil

A série "Estudantes na Alma Preta" traz as histórias de jovens da rede estadual de ensino da Bahia narradas a partir da perspectiva deles

16 dez 2021 - 15h57
(atualizado às 16h54)
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Foto: Imagem: Alma Preta Jornalismo / Alma Preta

Sempre fui um garoto tímido e de poucas amizades, mas com um coração imenso. Muito humilde, sempre sonhei em cursar a faculdade de direito.

Meu trajeto no ambiente escolar foi complicado desde a infância por conta da timidez. Ela não deixava com que eu me aproximasse e criasse laços com os meus colegas que por sinal eram diferentes de mim, a maioria extrovertidos. Sempre fui o aluno quieto da sala, com notas razoáveis, principalmente até ser transferido para outra escola por conta do fundamental II. Lá tudo piorou. Passei a sofrer bullying por ser muito quieto e minhas notas despencaram, não conseguia sequer me concentrar nas aulas. Foram os piores anos da minha vida no ambiente escolar, fui reprovado por dois anos e fui novamente transferido.

Dessa vez, fui transferido para outro município, chamado Alagoinhas, no interior da Bahia. Fui morar com o meu pai, o que para mim significava um recomeço. Queria recuperar meu tempo perdido no ambiente escolar e meu pai tomou a decisão de me colocar em um colégio particular. Eu estava super empolgado, nova cidade, novo colégio, novos colegas e amizades, só que a timidez sempre esteve ali presente para me atrapalhar. Consegui então fazer amizades, estava feliz, nada de bullying ou algo do tipo, mas por não ter conseguido me concentrar nas aulas nos anos anteriores, foi muito difícil tirar notas boas sendo então, reprovado novamente, em apenas uma matéria.

Meus pais ficaram chocados, tristes e nervosos comigo. Fui então passar as férias com minha mãe na minha cidade natal, Seabra, no interior da Bahia. Ao chegar lá e passar uns dias com minha mãe, ela decidiu que não iria me deixar voltar a morar com meu pai. Eu já estava cansado de trocar tanto de colégio. Querendo ou não, isso atrapalhava nas minhas amizades, tendo que recomeçar novamente. Por outro lado eu estava feliz, estava com muita saudade da minha mãe, irmã, primos e familiares.

Minha mãe então me matriculou em um colégio da rede pública estadual. Eu estava meio que com o pé atrás, não estava gostando, até que eu decidi que este ano seria diferente. Passei a estudar todos os dias em casa, comecei a tirar as melhores notas da turma, surpreendendo a todos os meus colegas. Fui então fazendo amizades, criando laços, o que me deixou super feliz, motivado e com vontade de aprender. Ajudava os meus colegas que tinham dificuldades, aprendi bastante com isso, até que foi surgindo aquele sentimento de liderar.

Passados dois anos no mesmo colégio, fui líder de classe no último ano do fundamental em 2019. Ali começava a minha jornada no movimento estudantil e eu nem imaginava o que vinha pela frente. Transferido mais uma vez, só que desta vez, para um colégio de ensino médio, Colégio estadual de Seabra, no qual eu estava bem empolgado. Lá eu estudei por duas semanas, e vi tudo parar depois que os noticiários começaram a falar sobre um vírus. Fiquei meses sem estudar.

Surgiu então o ensino remoto, aulas online através de aplicativos de comunicação. Aí eu me dei bem, porque me expressava melhor através da internet. Logo no início, percebi uma dificuldade dos coordenadores e professores diante os estudantes. Foi então que resolvi ajudar. A coordenadora Jana Barros passou a me indicar para os estudantes que precisavam de ajuda, e eu estava ali, disposto a ajudar todos. Ajudei muitos estudantes, fiz muitas amizades e com isso fui fazendo meu nome e se destacando. Muitos me confundiam como professor.

E então, recebi a notícia de uma professora, que fui indicado para participar das eleições de líder de classe e posteriormente representante do colégio. Venci ambas as eleições e dias depois fui novamente noticiado, haveria um programa novo da secretaria de educação do estado da Bahia, o programa Líderes Territoriais, que na verdade é formado por líderes de classe, divididos em 27 territórios de identidade. Era um desafio e tanto pela frente, mas seguia confiante e com muita fé de que iria vencer. Me preparei muito, fiquei dias sem dormir pensando no que iria falar.

Chegando o dia, me arrumei pra aparecer na eleição, que seria transmitida por uma câmera. Era tanta gente que a timidez bateu e eu não consegui me expressar. O desânimo veio e o medo de perder foi enorme, mas tinha uma pessoa que me motivava bastante, minha melhor amiga e minha vice líder do colégio Ana Clara Cathalat. Ela sempre esteve me motivando e me apoiando, inclusive me ajudou a preparar as falas horas antes da eleição.

E então chegou o meu momento e fui o primeiro a fazer o discurso. Estava bastante ansioso para o resultado, porque tinha ótimos concorrentes. O resultado saiu e eu, Hiago Ribeiro, acabava de me tornar líder do Núcleo territorial de educação 03, chapada diamantina.

Eu não acreditava, até que a ficha caiu e eu estava lá, entre os 27 líderes territoriais. A partir daquele momento, eu tinha um desafio, fazer com que os meus projetos deem certo. Foi um ano bastante conturbado e difícil, mas consegui fazer alguns projetos, fiz amizades com muitos líderes, o que me fez melhorar a timidez.

E então estava eu lá, indo viajar para Salvador, pra um evento acadêmico chamado BaMUN, Bahia Model United Nations, a primeira simulação da ONU para estudantes da rede pública estadual, que foi criado por líderes de classe, alguns dos quais eu tenho como inspiração. Tive a oportunidade de conhecer outros líderes territoriais, os quais eu só tinha contato pela internet.

Dei a volta por cima, tirei notas boas, fui muito elogiado e apoiado pelos meus liderados e pelo meu colégio. Eu havia realizado meu objetivo, me tornar líder territorial, ajudar diversos estudantes e conhecer pessoas maravilhosas, melhorar a autoestima e superar a timidez, graças ao movimento estudantil.

Recomeço não é atraso, mas sim um avanço. O líder não é alguém mais importante que os demais, mas é, sim, alguém com maior responsabilidade.

Foto: Acervo Pessoal

Sobre o autor: Hiago Ribeiro é um jovem de 19 anos, morador da cidade de Seabra, na região da Chapada Diamantina, Bahia, e estudante do Ensino Médio na Escola Estadual de Seabra.

Alma Preta
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