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Liberdade ou opressão

A série "Estudantes na Alma Preta" traz as histórias de jovens da rede estadual de ensino da Bahia narradas a partir da perspectiva deles

20 dez 2021 - 16h24
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Foto: Imagem: Alma Preta Jornalismo / Alma Preta

Esta é uma história de uma garota loira, de olhos azuis, pele clara e talvez um pouco magra, porventura contemple exatamente aquilo que se diz atualmente como: "o padrão perfeito". Mas diante de todos os seus defeitos, sobressaem-se as incertezas e o medo, provocados por uma sociedade opressora, que dita a liberdade conforme seus padrões coercitivos. Essa menina chama-se Isabelle, moradora do interior da Bahia, mais precisamente Ipirá. sua história poderia começar a ser contada a partir do seu nascimento, porém, constitui-se em seu renascimento, o descobrimento do próprio eu, da arte que transforma a vida em acordes e poesias.

Primeiramente, a palavra descobrimento torna-se a ênfase de suas ações, desconstruir-se de si mesma para entender quem realmente é. Ao auge dos 15 anos percebeu-se refém do querer social: "Cabelo bom é liso e alinhado", "Usar preto é tingir-se da cor do maligno", "Dança africana é invocação a espíritos do mal", "Andar com pessoas negras é ser vista como marginal". Dessa forma, ao encarar o espelho e ver em si o reflexo do padrão preconceituoso e racista, viu em si a vil imoralidade que permeia o coração do homem e suas ações e pensamentos. No entanto, a partir dessa breve e impetuosa reflexão, percebeu a urgente necessidade por mudança.

Nesse imaginário, o grito de muitos por liberdade aprisionados a séculos atrás, reverberou em seu peito em coro pela libertação de todos os seus preconceitos. Contudo, esse processo foi doloroso e demorado. A mudança interior chocou todo o seu exterior, ao começar pelo seu cabelo, por ser loira, conforme o que a sociedade lhe dizia, era necessário ter um cabelo bem arrumado, liso! Desde criança submeteu a sua aparência a longas horas sentada em uma cadeira de salão de beleza, para assemelhar a sua imagem ao padrão de todos. Com isso, nunca descobriu a textura dos seus próprios fios. Seria ele cacheado? Crespo? Ou uma espécie de ninguém sabe o quê; como muitos diziam: ruim. Mas o que seria um cabelo ruim? Na visão deles, é o que não é alinhado, já em sua nova contestação, era incerteza.

As impetuosas lembranças do passado de sua frustrante infância de relutâncias coagiram com suas ações presentes. O cabelo era apenas um grande detalhe, mas a sua pele por um todo era razão de espanto para muitos. O preconceito veio para ela também, os olhares de desigualdade a escravizava nas concepções sociais que a prendiam aos meros padrões, para que assim pudesse se encaixar em uma sociedade machista e seletiva. No entanto, todas aquelas falas preconceituosas silenciosas fortaleceram ainda mais o seu desejo de mudança e revolução.

Seu primeiro corte deixou todos perplexos, depois desse surgiram muitos outros, que a cada fio que desprendia de si, mais a sua ligação com a arte se fortalecia. Foi em um mês de agosto, no ano de 2019, em uma preparação teatral para o setembro amarelo que percebeu por meio da criação de seus personagens, que observou todos eles carregarem um pouco dela em seus dramas rotineiros. As lembranças da infância foram atingidas naquele momento por um sentimento tão conhecido: medo! As muitas vozes que dividiam a sua trajetória em uma tensa dicotomia tornou seu renascimento mais difícil, porém, a luta de muitos do passado fortaleceu a sua decisão. As raízes do povo brasileiro que por meio de uma miscigenação de raças fez a sua identidade.

Ao ver em seus traços a existência de algo tão diferente deu razão a genética tão singular. Nela estava gravado em seus gostos, formas e curvas a negritude de seu povo. O cabelo era a expressão exata de todo o seu ser, mas não era somente ele que sobressaia-se, as suas palavras por meio de rimas e estrofes foi o perfeito manifesto do seu caráter, carregado de cultura e libertação. Hodiernamente, ela é liberta de todos os seus preconceitos, vê em sua identidade, o sangue de muitos povos, sejam eles indígenas, amarelos, negros ou brancos, em si encherga diversidade. Por meio da transição, observou tudo intrinsecamente mudar, e a educação foi a ponte de libertação. Em suas peças teatrais, em seus versos escritos que expressavam as suas ideias, sentiu tudo nela se transformar.

Isabelle é mulher de cor albina, de coração tingido em muitas cores, sua vida é canção que busca tocar esse hino de liberdade a todos que ela conhece. A sua caminhada é constituída de muitos altos e baixos, atualmente sabe exatamente quem ela é, e entende que "a palavra é seu domínio sobre o mundo" - Clarice Lispector. Faz desse pensamento sua filosofia. Pensar, refletir, enxergar-se, descobrir, desconstruir, acima de tudo viver e cantar à sua libertação.

Sobre a autora: Isabelle Silva Santa Rosa é uma jovem de 18 anos, moradora de Ipirá, na Bahia, e estudante do Ensino Médio na Escola Estadual Maria Evangelina Lima Santos.

Alma Preta
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