Debate: 'House of Cards' sobreviveu sem Kevin Spacey?
Sexta e última temporada da produção não teve o personagem principal das cinco anteriores, Frank Underwood
Não
Por Roberto Godoy
Uma boa opção para encarar a 6.ª e última temporada de House of Cards, o tremendo thriller político da Netflix que deu prosperidade em escala milionária ao negócio das séries americanas, é ignorá-la, fazer de conta que nunca existiu. Sem o presidente mau caráter Frank Underwood (Kevin Spacey), nem mesmo a figura aterrorizante da viúva Claire - vice-presidente, herdeira e bruxa política, feita presidente titular por causa da morte do marido -, salva o espetáculo: a receita desandou. A protagonista Robin Wright, atriz e também diretora experimental, põe empenho no trabalho, tem bons momentos. A trama, todavia, não ajuda. House of Cards, que pena, virou um sopão de sobras - embora com uma ótima trilha sonora.
A saída de Spacey foi pesada. Acusado em muitos casos de assédio sexual, o ator está banido de Hollywood há mais de um ano, condenado pelos generais que comandam a indústria do cinema. Ele é um homem rico, só vai sofrer com os custos morais e o ego arrasado. Mas, como no império egípcio, seu nome não deve ser pronunciado nem escrito. Foi removido dos monumentos. Ainda assim, o presidente Frank que interpreta é o personagem nunca visto e mais presente nos oito episódios encontrados no serviço de TV paga. Spacey introduziu um caco no tecido da série: os diálogos diretos com o espectador. Robin tenta repetir o modelo. Não funciona.
O destino de personalidades como o jornalista Tom Hammerschmidt, um gigante da profissão, e de sua ambígua parceira, Janine Sikorsky, fica evidente desde o segundo ou terceiro capítulo. Basta esperar que aconteça. A entrada em cena dos irmãos Sheperd, Bill e Diane, não é claramente explicada. De que inferno, diabos, saiu aquela dupla que desmanda, manda, elege e controla presidentes dos EUA?! (Atenção para a cena em que Claire e Diane, inimigas de longa data, fazem uma coreografia de balé. Explica uma porção de coisas.)
A dura missão dos roteiristas, a de colocar em pé e funcionando uma história que parecia bem terminada no final da 5.ª temporada, levou o time de escritores a optar por saídas surreais - até a possibilidade de um fantasma assombrando a Casa Branca é insinuada. Grande prejuízo. Desapareceram a sensualidade e a transgressão prontas para saltar no vídeo a cada sequência. Há líderes do governo americano que morrem, não morrem, e depois morrem de fato. A revelação apenas sugerida da ligação esquizofrênica entre Frank Underwood e Doug Stamper, o mais antigo agente de sua vontade, somado ao uso da ameaça nuclear como ferramenta de preservação do poder - é tudo uma baita bagunça. O desfecho encenado no Salão Oval por Doug e Claire é de dar vergonha em autor de novela coreana. Saudade do enredo cafajeste das cinco primeiras temporadas.
****
Não
Por Pedro Venceslau
Em uma das primeiras cenas da 6.ª temporada de House of Cards, a presidente Claire Underwood (Robin Wright) está sozinha na limosine presidencial blindada quando abre uma reportagem sobre o funeral do marido, o ex-presidente Frank Underwood.
As fotos mostram o corpo no caixão do pescoço para baixo. Simplesmente escondem o rosto do finado. É um mau presságio. Lançada em 2013, a série arrebatou público e crítica nos três anos seguintes.
Foi a primeira de streaming indicada ao Emmy, o 'Oscar' da TV. O prêmio também foi entregue aos atores Kevin Spacey e Robin Wright. Nas últimas duas temporadas, porém, a trama veio perdendo fôlego, audiência e relevância.
As filmagens da 6.ª e última temporada já tinham alcançado o 3.° episódio quando veio à tona uma investigação sobre assédio sexual envolvendo Spacey. A Netflix agiu rápido: demitiu o ator e começou tudo de novo, do zero e às pressas.
A publicidade antes da estreia apelou para o spoiler e anunciou a morte de Frank Underwood. Os 13 episódios previstos foram reduzidos para 8 capítulos arrastados.
Não seria exagero dizer que House of Cards, que respirava por aparelhos, morreu junto com seu protagonista.
Na esteria do escândalo envolvendo Spacey, a série colocou o machismo em cena, mas errou na mão. E o feminismo acabou virando muleta para uma trama fraca.
Claire Underwood surge no Salão Oval acuada e tutelada por um chefe de gabinete/vice e dois irmãos milionários que usam e abusam da Presidência para fazer negócios obscuros.
A viúva de Frank tenta se impor diante das cenas de machismo explícito, mas se mostra frágil, apesar do ar blasé e das frases de efeito olhando para a câmera. Em uma delas, diz imponente: "Eu preciso enterrar Francis".
O chefe de gabinete grita com ela, assim como o milionário arrogante, que chega ao cúmulo de manipular a mão da presidente para que ela assine um decreto.
A trama política pontuada por crimes peca pela total falta verossimilhança, uma característica que veio se acentuando a partir da terceira temporada. O eixo desorganizador da série, porém, foi, sem dúvida, Kevin Spacey.
Sua ausência grita a cada episódio. Frank está onipresente no roteiro, mas Spacey foi apagado da história como se nunca tivesse existido.