Transexualidade pode ser evolução do ser humano, diz novela
Personagem trans de ‘A Força do Querer’ inspira matéria de capa da ‘Veja’ a respeito do tema
No capítulo de sábado (14) de ‘A Força do Querer’, uma conversa entre Eugênio (Dan Stulbach) e Joyce (Maria Fernanda Cândido) lançou uma teoria a respeito da transexualidade.
“Talvez faça parte da evolução humana”, diz o advogado. “Evolução?”, contesta a socialite.
“É. A humanidade sempre destruiu barreiras para poder avançar. A gente venceu as barreiras impostas pela natureza. Quem sabe agora a gente não esteja vencendo as barreiras impostas pelo gênero?”
O casal vive um dilema: aceitar ou não que o filho trans, Ivan (Carol Duarte), faça a retirada dos seios.
Conservadora e preocupada com o status social do clã, Joyce não cede. Ela define a cirurgia pretendida por sua ‘ex-bonequinha Ivana’ como ‘aberração’.
A trama da transexualidade ajudou ‘A Força do Querer’ a atrair em certas noites quase 10 milhões de telespectadores somente na região metropolitana de São Paulo, principal área de aferição de audiência da Kantar Ibope.
O folhetim de Gloria Perez está com média de 35 pontos, a maior em quatro anos na faixa das 21h. Trata-se de um sucesso de público e crítica que há muito tempo não se via na teledramaturgia da Globo.
Tal êxito fez a revista ‘Veja’, que circula com 1,2 milhão de exemplares toda semana, dedicar a matéria de capa da edição mais recente ao tema lançado por Ivan/Ivana.
O texto cita o enredo bem-sucedido do trans da novela, comenta as questões médicas relacionadas à transexualidade (condição que atinge 0,5% da população; cerca de 1 milhão de pessoas no Brasil) e apresenta várias histórias de famílias com filhos transexuais.
Mais uma vez, a telenovela – gênero de entretenimento tão desprezado pela intelectualidade – prova seu poder de colaborar com a transformação social ao esclarecer um assunto polêmico por meio de um personagem popular.
‘A Força do Querer’ tirou a transexualidade do limbo e levou a temática para a sala de estar da tradicional família brasileira.
A mesma instituição que viu por meio de seu aparelho de TV outras quebras de paradigmas, tais como a independência da mulher separada (‘Malu Mulher’, 1979-1980), ser mãe e pai biológicos de um filho gerado num útero emprestado (‘Barriga de Aluguel’, 1990) e o beijo gay (‘Amor à Vida’, 2013-2014).
Apesar do aumento no Brasil das posições ideológicas da direita – contrária às variações fora da heteronormatividade –, o personagem transexual não gerou protestos relevantes.
Não significa que o País esteja mais tolerante com a diversidade. Podemos interpretar a passividade quase geral em relação ao trans de ‘A Força do Querer’ como parte da estranha letargia que envolve a maioria dos brasileiros.
Além disso, há de se creditar a aceitação de Ivan/Ivana ao talento de Gloria Perez para construir uma trama complexa e potencialmente bombástica com sensibilidade e coerência.