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Após polêmicas, a era dos padres pop pode ter chegado ao fim

Superexposição midiática de religiosos gerou depressão, suspeita de enriquecimento ilícito e contestação do papel sacerdotal

9 set 2020 - 10h31
(atualizado às 10h35)
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Na série The Young Pope e em sua continuação The New Pope, da HBO, o papa Pio 13 (Jude Law) é um superstar da fé. Mais famoso e idolatrado do que qualquer cantor de rock ou estrela de cinema. Indisfarçavelmente narcisista, ele gosta do culto à sua imagem. 

Sacerdotes com trajetória artística padeceram em consequência da fama estrondosa e de conflitos emocionais
Sacerdotes com trajetória artística padeceram em consequência da fama estrondosa e de conflitos emocionais
Foto: Sala de TV

Já seu sucessor, o deprimido João Paulo III (John Malkovich), prefere manter distância dos holofotes. A pressão midiática sobre ele é tão sufocante que resulta em sua abdicação ao trono de São Pedro. Qualquer semelhança entre o popular papa Francisco e o introspectivo papa emérito Bento 16 não é mera coincidência.

A um católico tradicional, as duas produções causam choque, talvez até indignação. A ficção a respeito dos bastidores do Vaticano mostra um mundo odioso: disputas por dinheiro e poder, sexualidade e luxúria entre os homens que juraram castidade e celibato, domínio da vaidade sobre a pretendida humildade, acobertamento de pecados e crimes, menosprezo às mulheres que servem à cúpula da Igreja.

Na vida real, que às vezes supera a ficção em sordidez, um pouco daquele universo chocante no entorno dos papas pode ser vislumbrado nas acusações contra o padre Robson de Oliveira, do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, de Trindade (GO). Nacionalmente famoso graças a seu programa diário na Rede Vida, ele está no centro de uma investigação de vários crimes — apropriação indébita, falsificação de documentos, sonegação fiscal, associação criminosa e lavagem de dinheiro — que teriam sido cometidos a partir do desvio milionário de doações de fiéis ao longo de anos.

O escândalo não está restrito ao pecado da ganância. Um hacker pago com dinheiro arrecadado na igreja sob a liderança do padre Robson para não divulgar conteúdo impróprio a respeito da intimidade do líder religioso disse ter sido amante dele e apontou outros supostos casos amorosos. A repercussão de tantas denúncias graves teve repercussão bombástica na imprensa, nas redes sociais e entre devotos. O ápice da exposição negativa aconteceu em matéria de 19 minutos na edição de 23 de agosto do Fantástico, na Globo. O religioso e seus advogados negam qualquer ato ilegal. Culpado ou não, o estrago à imagem de Padre Robson é irreversível.

Esse vexame à Igreja Católica tem potencial para encerrar a era dos padres pop. Sempre existiram líderes com atuação artística e forte presença na mídia, a exemplo do precursor padre Zezinho, hoje com 79 anos, ainda circulando por TVs e rádios. Mas o status de superstar da fé foi lançado por Marcelo Rossi na década de 1990. O 'boca a boca' a respeito de suas missas dinâmicas o levou aos programas de Gugu Liberato e Faustão. Sucesso imediato. A televisão transformou o padre do hit ‘Erguei as Mãos’ em ídolo de milhões de pessoas, inclusive de outras religiões. Ele se tornou uma máquina de dinheiro com a venda de CDs, DVDs e livros.

A veneração à sua personalidade gerou extensa investigação do Vaticano. Havia na cúpula do catolicismo certo incômodo com a espetacularização em torno de Marcelo Rossi e a sombra que seu exibicionismo involuntário fazia sobre a liturgia. Vítima do próprio êxito, o padre de sorriso contagiante desenvolveu depressão profunda. Precisou renunciar ao espaço cativo diante das câmeras. Despiu-se da imagem de ‘showman’ de Cristo para buscar a reconexão consigo mesmo e com sua missão evangelizadora. Hoje, faz raras aparições na TV. Dedica-se aos livros. Em alguns deles relatou o inferno vivido nos anos de falsa felicidade.

Igualmente elevado à condição de popstar, padre Fabio de Melo se fez influenciador digital e prolífico produtor de memes. Belo e carismático, virou galã aos olhos das telespectadoras. Da TV Canção Nova passou a aparecer nos principais programas do País. Era um ímã de audiência. Contudo, em algum momento, uma desordem emocional o levou ao fundo do poço. O quadro depressivo foi tão forte que fez o sacerdote pesquisar métodos de suicídio. Afastou-se dos palcos e estúdios de TV. Buscou ajuda médica para tratar a mente e recuperar o amor pela vida. Continua ativo nas redes sociais, porém com grau de exposição menor.

Importante destacar que Marcelo Rossi e Fabio de Melo nunca foram acusados de nenhuma atitude ilícita, como acontece com Robson de Oliveira. A única falha foi, talvez, contra a própria saúde mental. Ambos conheceram as delícias e as dores do status de celebridade: foram amados e respeitados por muitos, criticados e desprezados por tantos outros. A mesma experiência ambígua (baseada em elogios e fofocas, respeitabilidade e invasão de privacidade) marcou os também padres midiáticos Reginaldo Manzotti (TV Evangelizar) e Alessandro Campos (ex-TV Aparecida e RedeTV!, atualmente na Rede Vida).

A visibilidade exagerada sempre cobra um preço alto, às vezes impagável. Nem os ungidos de Deus escapam dessa pressão. Por isso, após episódios angustiantes, a maioria dos padres pop decidiu se recolher ou diminuir a exposição pública. O surgimento de novo fenômeno do gênero na base da Igreja Católica brasileira fica cada vez mais improvável.

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