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Manuscrito de Heitor Villa-Lobos é encontrado após décadas por pesquisador em Brasília

A partitura manuscrita referente às intervenções do coro já pertencia ao acervo do Museu Villa-Lobos, mas, sem o restante da música, descoberta pelo pesquisador Alexandre Dias, o catálogo do compositor a definia como incompleta

10 ago 2018 - 06h14
(atualizado às 15h05)
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Um manuscrito do compositor Heitor Villa-Lobos considerado perdido foi encontrado depois de décadas em Brasília. A descoberta da parte de piano do Concerto Brasileiro para Dois Pianos e Coro, estreado no Rio de Janeiro em 1934 pelo próprio compositor e pelo pianista José Vieira Brandão, foi feita pelo pesquisador Alexandre Dias, criador e diretor do Instituto Piano Brasileiro. "É como se perceber diante de um osso de um tiranossauro rex", diz ele.

A partitura manuscrita referente às intervenções do coro já pertencia ao acervo do Museu Villa-Lobos, mas, sem o restante da música, o catálogo do compositor a definia como incompleta e perdida. "Na verdade, sem a parte do piano, não dava para entender exatamente o que o compositor buscava alcançar com a partitura. Agora, é possível enxergar com mais clareza o que ele propunha", explica ainda Dias.

A história da descoberta começou há alguns meses, quando Márcio Brandão, filho de José Vieira Brandão, procurou o Instituto Piano Brasileiro, criado em 2015 com o objetivo de reunir, digitalizar e editar acervos de compositores e pianistas brasileiros.

"José Vieira foi grande amigo, o braço direito de Villa-Lobos, estreou obras como suas Bachianas Brasileiras n.º 3 e o Ciclo Brasileiro", lembra Dias. "O Márcio tinha 145 pastas grandes com manuscritos, fotos, cartazes, programas, gravações. Para se ter uma ideia, já digitalizamos cerca de 8 mil páginas, e isso corresponde a 10% do material que estava disponível."

Entre esse material, Dias encontrou uma partitura com a anotação Atrevido, escrita para dois pianos. "Ali o sinal de alerta acendeu, porque o Concerto Brasileiro foi uma homenagem a Ernesto Nazareth, e sabíamos que nele o Villa evocava duas obras dele, Atrevido e Odeon. Comparamos então com a parte do coro e elas se sobrepunham, encaixavam."

No mesmo acervo, Dias encontrou outra raridade: a transcrição para piano dos estudos para violão, feita por Vieira Brandão. "Já conhecíamos os estudos de 1 a 8, mas agora encontramos os de números 9 a 12, ou seja, o ciclo completo, que vamos editar, trabalhando também com a pianista Sonia Rubinsky para que ela faça a revisão das peças, que serão estreadas em setembro por Lúcia Barrenechea."

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O Instituto Piano Brasileiro é uma iniciativa de Dias, que, ao lado de alguns parceiros, já descobriu peças inéditas de Nazareth, João Pernambuco e Fructuoso Viana, entre outros autores. Em três anos, mais de 200 mil documentos já foram digitalizados, além de centenas de gravações, muitas delas inéditas.

Só do acervo da pianista Neusa França, foram extraídos 200 registros (todos colocados no YouTube), com gravações raras: entre elas, há Claudio Santoro regendo concerto com Nelson Freire como solista, recitais de Magda Tagliaferro e uma infinidade de registros de outros artistas, como o compositor Camargo Guarnieri.

"O resgate da obra de um compositor segue três critérios. O primeiro é a criação de um catálogo e, em segundo, a edição com revisão crítica das obras. Para isso, é preciso, claro, encontrar todas as peças. E, em terceiro, vem a realização de uma gravação integral. No Brasil, hoje, o único compositor cujo trabalho de resgate cumpre esses critérios é Ernesto Nazareth. O único. Sabemos do modo como o País lida com seu passado, mas essa situação não pode ser aceita, considerada normal. Sei que praticamente todos nossos autores têm coisas perdidas por aí, e isso é algo que não consigo tirar da cabeça", conclui.

Acervo da pianista Guiomar Novaes fica em instituto

Dona Ney Ávila privou da intimidade da pianista brasileira Guiomar Novaes, uma das mais importantes artistas brasileiras, de quem foi secretária. Nos últimos anos, viveu sozinha em Piracaia, no interior de São Paulo, onde morreu em 2017. O novo proprietário de sua casa, ao chegar ao imóvel, encontrou papéis referentes à pianista, que foram entregues a Valter Cassalho, historiador local, que enviou o material ao Instituto do Piano Brasileiro.

Já seria um acervo muito valioso, mas a história não para por aí. "Pouco depois, outros moradores de Piracaia, o professor de história da arte Fabio Rolfsen e sua esposa Alexsandra Rolfsen, indo à padaria, viram uma caçamba de lixo em frente da casa. E perceberam a presença de mais alguns papéis. Eles contaram com a ajuda de um amigo do casal, o professor de história Luiz Carlos Santana, que os ajudou a salvar todo o material". A história chegou a Nelson Freire, grande admirador da pianista, e ele entrou em contato com Dias.

"A primeira parte já tinha 2 mil páginas, e essa agora é ainda maior", diz Dias. "Vamos digitalizar tudo o que foi encontrado."

No IPB, Dias conta com a ajuda de alguns pesquisadores parceiros, mas, sem patrocínio, depende de uma campanha de crowdfunding para bancar o trabalho, além de investir do próprio bolso no projeto. "Cada material é importante. Quando a última edição de uma obra desaparece, é como um animal que entra em extinção. Mas, mais do que isso, no momento em que tudo é catalogado e digitalizado, é possível cruzar informações, entender a história do piano no Brasil, descobrir novos repertórios, oferecê-los a artistas", explica ainda.

Estadão
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