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Madonna celebra os 60 anos como uma sobrevivente às polêmicas

Cinema, música e moda: relembre os principais momentos da carreira da rainha do pop, que completa 60 anos

16 ago 2018 - 06h10
(atualizado às 14h06)
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Nas últimas horas, a mesma pergunta martelou na cabeça: como iniciar um texto sobre os 60 anos de Madonna, ou Madonna Louise Ciccone, como está descrito na sua certidão de nascimento em Bay City, no Estado norte-americano de Michigan, em 16 de agosto de 1958, exatos 60 anos atrás. Enumerar algumas polêmicas, talvez? Seria uma solução que garantiria a atenção de quem curte os babados dos famosos.

Poderia, é claro, dizer que a rainha do pop, aquela que é dona de um dos nomes mais conhecidos e reconhecíveis do mundo, vive atualmente em Lisboa, com seus filhos, e que tem tirado o sossego da conhecida como Cidade da Luz (é Lisboa, pessoal) com suas mínimas ações. Alguns portugueses reclamam da falta de paz, outros reclamam do furor midiático por conta da presença de Madonna pelas ruas, casas de shows, restaurantes e praias próximas da capital portuguesa.

Quem sabe contar, como aqueles sabichões dos programas vespertinos de fofoca de celebridades, de peito estufado e cara de quem tudo sabe, sobre os planos de Madonna para a celebração desse aniversário de 60 anos (será uma festança, obviamente, em Marrakesh, no Marrocos). Também poderia, como quem não quer nada, enumerar alguns dos 50 convidados ultravips cuja identidade você talvez não conheça e isso só corrobora o fato de que eles são tão exclusivos que nem sequer os conhecemos. Aqui vão alguns deles: Mert Alas e Marcus Piggot, ambos fotógrafos, e Ricardo Tisci, estilista.

Outra boa opção seria dar início à celebração de Madonna com seu impacto na música pop, reunir seus principais discos, hits de todos os sabores. Quem sabe, também, enumerar todas as cantoras que se sacodem nas premiações da MTV até hoje como filhas, netas ou herdeiras musicais suas. Interessados na leitura a respeito de música gostariam dessa opção, e certamente chegariam ao quarto parágrafo.

Mas, de alguma forma, a dúvida em como seria o início de um texto que introduz - e ou resume - a vida e a obra de Madonna fez com que o leitor chegasse até aqui. Ela, por si só, é um mito. Personagem de mil faces, diferentes estilos musicais, de mil e uma histórias que mereciam estar no lead desse texto.

Foi ela que mudou o que entendemos como diva, no melhor e no pior sentido, também é quem mostrou que você pode cantar os tesões da vida, com a mesma intensidade de um amor puro e límpido, virginal.

Uma cantora que, pelo amor de Deus!, vendeu 300 milhões de discos, segundo dados da Warner Music, em uma carreira iniciada pouco mais de 30 anos atrás. Artista cuja turnê Sticky & Sweet, realizada entre 2008 e 2009, é a sétima mais rentável da história, mesmo com 85 datas apenas - no topo da lista está a U2 360° Tour, da banda irlandesa, que fez 110 apresentações.

Em contrapartida, é também a personagem em cuja passagem mais recente pelo Brasil os contratantes se viram obrigados a realizar promoções "dois ingressos pelo preço de um" para que ela não se apresentasse em um estádio esvaziado - tão diferente da primeira passagem por aqui, em 1993, quando ela lotou o Morumbi, em São Paulo, e esteve diante de um impressionante número de 120 mil pessoas no Maracanã, no Rio de Janeiro.

Capas de todas revistas mais importantes do mundo, artista mais desejada por jornalistas para "grandes entrevistas" hoje prefere a reclusão e a ausência.

Por horas, pensei em Madonna. Em como ela já foi número 1 e como ela falhou. Tão humana, como eu e você - isso é lindo. A diferença é que com o nome e as fotos dela na página, os olhos do leitor chegam até o fim desse texto. É, talvez devesse ter iniciado o artigo com um simples "Madonna completa 60 anos...".

'Deus é mulher': Madonna e a influência de seu discurso no pop mundial

Madonna é a epítome do que é o pop. Ela nunca negou que se apropriou de arquétipos da cultura americana para conceber a sua persona como artista. Suas referências, que iam de Marilyn Monroe a Debbie Harry, criaram uma imagem de familiaridade, que ajudou a catapultar a sua música dançante e bem produzida para o sucesso absoluto em todo o mundo.

O que fez com que ela se estabelecesse como ícone, porém, veio da originalidade de seu estilo e do seu discurso. Há quem considere a música pop vazia em suas composições, mas Madonna provou, ao longo dos 35 anos de carreira, que, por mais boba que possa parecer uma canção como Like a Virgin, seus ideais são também políticos. Sempre foram e continuam sendo. Para os seguidores de Madonna, o principal motivo de comemoração nos seus 60 anos não são as suas herdeiras ou substitutas, porque ela simplesmente não precisa, já que ela está na ativa e com a língua tão afiada como sempre, mas sim, o impacto que os seus posicionamentos causaram e que fizeram uma revolução no mundo da música pop americana.

Musicalmente, é inquestionável a influência de Madonna. que sempre foi avant garde, antecipando tendências e popularizando grandes produtores da indústria, e inspirou nomes em diferentes décadas, como Kylie Minogue, Britney Spears e até mais recentemente Rihanna e Miley Cyrus. Mas o mais interessante é que o discurso de Madonna foi se replicando ao longo dos anos, ainda bem! Principalmente no que diz respeito à sua luta por igualdade para a população LGBT. Desde o começo da carreira, ela se mostrou uma grande aliada de seu público, fez campanhas de conscientização para o uso de camisinha no palco da sua turnê Blond Ambition, em 1990, e cantou o luto de perder amigos para a Aids na música In This Life, do álbum Erotica (1992). Com Vogue, popularizou a dança que vinha dos chamados "bailes" realizados por pessoas LGBT no gueto de Nova York.

Anos depois, o mundo viu o surgimento de um fenômeno chamado Lady Gaga. Colocando de lado todas as comparações entre as duas, que fizeram surgir uma certa rivalidade entre elas, é totalmente positivo ver que o público LGBT ganhou uma grande e importante nova aliada como Gaga, que não só inspira o jovem público gay pelo mundo, principalmente depois do lançamento do hino moderno Born This Way, em 2011, e por discursos calorosos contra a homofobia, até mesmo em países repressivos como a Rússia.

Ao longo da carreira, Madonna também denunciou contradições e problemas da Igreja Católica, o que a fez ser excomungada algumas vezes, e lutou firmemente pelo direitos das mulheres, como nas canções Express Yourself (1989) e What It Feels Like For a Girl (2000), e principalmente sobre os seus corpos. Sua imagem sexualizada nunca foi para ser banalizada, mas sim um "statement".

Por isso, ela é lembrada e revisitada até hoje no pop mundial. Ganhou um episódio comemorativo na extinta série musical Glee, que falava sobre ataques à sexualidade da mulher. Beyoncé, que levantou a bandeira do feminismo com seu álbum autointitulado de 2013, já revelou que se inspirou em Madonna para controlar sua própria carreira. Mais recentemente, a cantora Ariana Grande, uma das mais novas "princesas" na realeza do pop mundial, convidou a veterana para viver o papel de ninguém menos que Deus, no clipe de seu novo single, a ode à sororidade God Is A Woman, ou "Deus é mulher". No vídeo, a voz de Madonna recita a passagem bíblica Ezequiel 25:17, famosa pela interpretação de Samuel L. Jackson no filme Pulp Fiction. "Para aqueles que tentarem envenenar e destruir minhas irmãs, vão saber que o meu nome é o Senhor, quando eu me vingar", narra Madonna.

Madonna no Brasil

A operação foi digna de um paparazzi de Hollywood: no início de novembro de 1993, quando Madonna desembarcou em São Paulo pela primeira vez (para apresentar a turnê The Girlie Show), o fotógrafo Clovis Ferreira se instalou num apartamento de frente para o antigo Hotel Caesar Park, na Rua Augusta, onde a cantora estava hospedada. Lá, conseguiu fotos de Madonna - então com um cabelo curtinho - e de um homem de cuecas dentro do quarto.

Ela chegou no dia 2 de novembro: um pequeno acidente em Cumbica atrasou o vôo que trazia Madonna e sua equipe de 110 pessoas em cerca de uma hora, o que não deve ter desanimado os mais de 500 fãs que aguardavam a cantora no aeroporto. Outras 600 pessoas estavam na frente do hotel na Augusta quando ela chegou, houve um princípio de tumulto (a matéria do Estado do dia seguinte falava em "histeria coletiva"), e uma pessoa ficou ferida.

No show do dia 3 de novembro, Madonna cantou Garota de Ipanema, imitou Xuxa e vestiu a camisa da seleção brasileira diante de um público de 86 mil pessoas no Morumbi. Entre os presentes, a atriz Irene Ravache, Ney Latorraca, o ex-futebolista Sócrates e o publicitário Nizan Guanaes.

No dia 6, ela se apresentou no Maracanã para uma multidão de 120 mil pessoas: seu recorde pessoal. Ela usou uma camiseta do Flamengo em parte do show. Era a época de hits como Like a Virgin, Fever e Vogue.

Madonna voltaria ao Brasil apenas 15 anos depois, com a turnê Sticky & Sweet Tour, em apresentações também em São Paulo e no Rio. "O bombardeio visual é frenético e Madonna tem uma companhia de dança inteira ao seu lado", dizia a reportagem do Estado de 13 de dezembro de 2008, véspera do primeiro show.

No dia 18, quando a cantora abria a série de três apresentações em São Paulo, as notícias informavam o quanto a vinda da artista movimentava a economia da capital. "Ela atraiu 39 mil fãs de outras cidades, o que significa R$ 23,4 milhões em turismo. Madonna também virou chamariz de liquidação de loja, que atraiu clientes com ingressos." Cerca de 200 mil pessoas assistiram aos shows no Morumbi.

Até 2012 - data da turnê mais recente pelo Brasil -, Madonna voltou ainda outras duas vezes ao País, em 2009 e 2010 - mas somente em missões sociais, fora dos palcos. Na primeira delas, teve o Rio como destino, onde tinha agenda em comunidades dos morros, mas as notícias davam conta de que sua vinda tinha um motivo mais "prosaico": conhecer os pais de Jesus Luz, modelo que ganhara fama ao trocar beijos com a popstar em sua turnê de 2008. Na visita no começo de 2010, ela foi recebida em São Paulo pelo então governador José Serra (PSDB) e, no Rio, assistiu a desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, ao lado de Luz, com quem namorava.

Uma nova turnê, MDNA, desembarcou em três cidades brasileiras em dezembro de 2012: São Paulo, Rio e Porto Alegre - quando ela trouxe o "maior LED do mundo ao Brasil", aprofundando as relações do seu espetáculo com a arte cinematográfica.

Madonna no cinema

Madonna sempre flertou com o cinema. Teve dois maridos cineastas, o também ator Sean Penn e Guy Ritchie. Consta que, do primeiro, apanhava, mas não é fácil imaginar uma Madonna submissa, tomando porrada sem revidar. Talvez fosse outra coisa, e a profusão de elementos sadomasoquistas em seus shows está aí para sugerir que poderiam ser jogos consentidos. Truth ou dare.

Verdades e mentiras sempre cercaram a estrela que virou ícone pop. Seu maior amigo - consta - é outro cineasta, Alek Keshishian, que a dirigiu em Na Cama com Madonna. E ela fez dois filmes, Filth and Wisdom, literalmente, Sujeira e Sabedoria, cujo título talvez sintetize a vida e obra da artista. No Brasil, virou Sujos e Sábios. E o seguinte, W.E., iniciais de Wally e Edward, que compõem Nós, O Romance do Século no Brasil. Um grande filme que os críticos não entenderam, genial - de verdade. Além dos curtas, Madonna tem seu nome ligado a 26 filmes, os dois citados foram por ela escritos, dirigidos e interpretados. Os melhores:

Procura-se Susan Desesperadamente, de Susan Seidelman, 1985. Em seu terceiro longa, ela já revela uma personalidade vibrante.

Dick Tracy, de Warren Beatty, 1990. Com esse ela teve um breve affair. Conta a lenda que ele a fazia repetir 50 vezes certas cenas. Breathless Mahoney sai dos comics para assombrar. E quando Madonna cantou no Oscar, quem ousaria lhe negar o prêmio por Sooner or Later?

Na Cama com Madonna, de Alek Keshishian, 1991. Submetida ao jogo da verdade - mas terá sido mesmo verdade? - ela fez sensação ao utilizar uma garrafa para ensinar a mulheres despreparadas como fazer um boquete legal no parceiro.

Neblinas e Sombra, de Woody Allen, 1991. Madonna no universo de crimes e pecados do autor, numa Praga sombria, inspirada em Kafka.

Uma Equipe Muito Especial, de Penny Marshall, 1992. Uma equipe de beisebol feminino durante a 2.ª Guerra, quando os homens estavam no front.

Corpo em Evidência, de Uli Edel, 1993. Na época saudado como o filme sério da popstar, traz de notável a nudez de Madonna.

Olhos de Serpente, de Abel Ferrara, 1993. O título original, Dangerous Game, tem valor de advertência. É sempre um jogo perigoso filmar com Ferrara. Os bastidores do cinema, um cineasta que incita seu ator a ser violento com sua mulher, a atriz principal.

Sem Fôlego/Blue in the Face, da dupla Wayne Wang/Paul Auster. Uma joia que passou meio incompreendida. Madonna faz só uma ponta, como garota que entrega o telegrama.

Girl 6, de Spike Lee, 1996. Outra ponta, mas num filme do maior e mais provocativo diretor negro de Hollywood.

Evita, de Alan Parker, 1996. Don't Cry for Me Argengina e o fictício encontro da mãe dos pobres argentina com o futuro líder revolucionário Che Guevara.

Em 007 - Um Novo Dia para Morrer, de Lee Tomahori, de 2002, Halle Berry sai do mar naquele biquíni e mesmo assim Madonna tem sua grande cena como espadachim. Espada vai, espada vem e Pierce Brosnan sabe com quem está lidando.

W.E - O Romance do Século, de Madonna, de novo, 2011. Em duas épocas, a história de amor de Wally Simpson e do rei Eduardo VII, forçado a abdicar, inspira outro romance contemporâneo. Tradição e modernidade, o choque. Carol Reed e Jean-Luc Godard (que Keshishian, numa entrevista ao Estado, disse que ela venera). A cena do chá é um marco na história do cinema. E que maravilhosa atriz é Andrea Riseborough!

E claro, sem falar nos shows. Todos eles são impregnados pelo cinema. Como nos shows do U2, os telões não ampliam a imagem da atriz para o público, mas agregam imagens perturbadoras ao que ela faz no palco.

Na Cama com Madonna

Procura-se Susan Desesperadamente

Dick Tracy

Corpo em Evidência

Madonna e o revolucionário 'Erotica'

Naquele início dos anos 1990, o lançamento de Erotica causou um misto de furor, arrebatamento e choque. Ousado, panfletário, libertário, polêmico. Bem ao estilo da diva do pop mundial. Erotica fazia parte de um projeto maior, provocador, que incluía também o livro Sex, com fotos de Steven Meise e texto da própria cantora - que foi censurado em vários países. As fotografias, com Madonna como protagonista, giravam em torno de erotismo, sexo (hétero, homossexual, grupal), sadomasoquismo, fetiches, corpos expostos.

O nu frontal da cantora, no meio de uma rodovia, em uma das fotos emblemáticas de Sex (e coberto por tarjas pretas no clipe de Erotica) escandalizou os conservadores - e ali, em pleno 1992, Madonna já tratava de assuntos que hoje estão em evidência no discurso de uma nova geração, como feminismo, empoderamento da mulher (e a exposição de seus desejos), 'meu corpo, minhas regras'.

Liberta de quaisquer regras sexuais, ela encarnou Dita em Erotica, inspirada pela personagem da atriz Dita Parlo, Juliette, no filme L'Atalante (1934). A Dita de Madonna é uma dominatrix, e é assim que também ela se apresenta no polêmico clipe da canção. Rodado em super-8, o clipe traz estética difusa, P&B, com participação de estrelas como Isabella Rossellini e Naomi Campbell em interações sensuais com Madonna.

Erotica foi o primeiro fracasso comercial de Madonna, mas a importância desse disco (juntamente como o livro Sex), não só musical, mas também como manifesto pró-feminismo e, sobretudo, pró-LGBT é grande. No início dos anos 1990, quando a aids ainda era pouco conhecida e associada à "doença de gay", a diva abraçou os LGBTs, fortalecendo sua condição de ícone da comunidade.

Se lançados hoje, Erotica e Sex continuariam a sentir o peso do conservadorismo, sob a potência das redes sociais. Assim como aconteceu há 26 anos, o clipe Erotica certamente seria alvo de críticas, só que agora com grande número de dislikes contabilizados e comentários repletos de julgamentos e desagravos escancarados. E a foto do nu frontal de Madonna, é bem provável, seria censurado pelo Facebook. Quem diria, Erotica continua mais atual do que nunca. / Adriana Del Ré, Guilherme Sobota, Luiz Carlos Merten, Pedro Antunes e Pedro Rocha

Estadão
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