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Como a Sinfônica Heliópolis e o Instituto Baccarelli se uniram contra a pandemia

Jovens músicos estudam seus instrumentos à distância enquanto auxiliam a comunidade

11 abr 2020 - 05h10
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Francismar Silva, de 24 anos, tem gravado vídeos e enviado a seus professores. Mas confessa ainda se incomodar um pouco com a qualidade do som da viola. "A gente aprende a fazer música ao vivo, não está preparado para isso, não tem o aparato técnico adequado, então fica tudo um pouco distorcido", ele explica, contando que tem aproveitado o tempo extra para realizar vontades antigas, como aprender árabe e filosofia.

Kleicy Morais, de 21, sente falta das aulas presenciais, que a ajudam a dar um norte, uma orientação clara para o estudo, ela conta. "Mas a diferença é que a cabeça agora está focada só nisso, mais no lugar, o que torna o trabalho mais proveitoso."

Para Maryana Cavalcanti, de 28, o desafio foi outro. Professora de percussão, precisou resolver o problema de que nem todo mundo tem os instrumentos em casa. E a solução foi improvisar com os objetos que estivessem disponíveis à mão.

Franciscmar, Kleicy e Maryana são membros da Orquestra Sinfônica Heliópolis, grupo do Instituto Baccarelli, projeto de formação musical e inclusão social que atende cerca de mil alunos na comunidade de Heliópolis - e que suspendeu todas as suas atividades por conta do isolamento necessário para conter a disseminação da covid-19.

"Criamos algumas alternativas. Professores de coral, assim como de ensino coletivo de cordas e flauta, por exemplo, estão gravando vídeos para as crianças. Permitimos a elas que levassem os instrumentos para casa e temos recebido um retorno muito bom, em especial dos pais, que têm a chance de acompanhar de perto os estudos dos filhos, compartilhando com eles esse processo de aprendizado", diz Edilson Ventureli, diretor executivo do instituto.

Nos últimos dias, no entanto, outra iniciativa tem ocupado os alunos e a estrutura da entidade. "Quando o maestro Silvio Baccarelli começou esse trabalho, foi para ajudar a comunidade de Heliópolis após o grande incêndio em 1996. No nosso DNA está a função de ajudar a Heliópolis. E hoje a demanda dela tem a ver com a pandemia", explica Ventureli.

Realidades. Denise de Souza, de 37 anos, cresceu em Heliópolis. Integrou, em 1996, a primeira turma do instituto, onde hoje dá aulas de violino. "A comunidade é enorme e há dentro delas várias realidades", ela explica. "A nossa preocupação é muito grande sobre os efeitos da pandemia."

Não sem motivo. Heliópolis ainda não registrou nenhum caso de covid-19. "Houve no início uma conscientização muito grande, mas a gente vê um relaxamento com as regras do isolamento", diz Marcivan Barreto, da Central Única das Favelas.

Há ainda a questão da necessidade das famílias. Segundo Cleide Alves, da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, 40% dos 200 mil moradores são trabalhadores informais, e 20% estão desempregados. "Estamos trabalhando na conscientização, recebendo doações, mapeando famílias, distribuindo alimentos produtos de higiene", explica.

Em meio a esse cenário, o Instituto Baccarelli resolveu se associar às entidades. Além de contar com a ajuda de seus patrocinadores, em seu site a instituição está recebendo doações em dinheiro, que, segundo Ventureli, serão utilizadas para comprar alimentos nos mercados da comunidade, ajudando a manter vivo esse comércio. E a sede do instituto, na Estrada das Lágrimas, passará a receber doações de alimentos.

"Estamos na grande via de acesso à comunidade, onde há espaço para caminhões estacionarem e onde as pessoas que preferirem levar alimentos pessoalmente podem passar com facilidade de carro, de onde não precisam nem sair, pois estaremos a postos para coletar as doações", explica.

Denise é uma das musicistas que se ofereceu como voluntária para esse trabalho, assim como para ajudar a distribuir os alimentos na comunidade. "Estamos pensando em uma forma de tocar um pouco de música quando formos fazer essas entregas. A arte ajuda", ela diz. "Vários alunos e professores querem ajudar. Vivi aqui minha vida inteira e sei como é um trabalho importante", completa Daniela Correia, ex-aluna de violino e hoje chefe do arquivo musical.

Tocando juntos. "Somos uma entidade que trabalha com a arte. Mas acima de tudo existimos para servir à comunidade, não o contrário. É preciso ter clareza do momento e coragem para mudar de rumo, mesmo que seja por pouco tempo, enquanto esperamos que a música volte a soar. Porque ela vai logo voltar a soar", afirma Ventureli.

Francismar e Kleicy têm certeza disso. E já imaginam esse momento. "A primeira coisa que imagino fazer depois disso tudo passar é poder ensaiar, poder reencontrar toda a turma do Baccarelli, da faculdade", diz o violista.

"Eu sinto falta da orquestra, da sonoridade do grupo, de ouvir todos os sons, todos os instrumentos. Sou fascinada pelo conjunto da orquestra e não vejo a hora de fazer parte dele de novo", diz Kleicy, evocando uma imagem que não é apenas musical.

Estadão
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